A invenção da
fotografia veio revolucionar a produção e posse da imagem.
Passados milénios
desde a primeira gravura rupestre ou desenho na areia, finalmente a
representação pictórica estava ao alcance de todos, deixando de ser necessário
possuir dotes naturais para bastar saber fazer.
A técnica aliou-se
à arte e o retrato, a paisagem, a informação visual, passaram a fazer parte do
quotidiano.
Há quem afirme que
a fotografia veio democratizar a imagem.
Século e meio
depois, o advento do digital veio concretizar esta afirmação.
A fotografia
deixou de ser o misterioso resultado da alquimia secreta do laboratório, mesmo
que na lojinha do centro comercial, para estar ao alcance de todos. Pelo menos
nas sociedades ocidentais ou ocidentalizadas.
Uma câmara, mesmo
que embutida num telemóvel, e um computador pessoal e todo o processo técnico
da produção fotográfica se banalizou.
Feliz banalização!
Este acesso
“fácil” à produção da imagem fez com que muitos, que há vinte anos nem
suspeitariam que poderiam ter satisfação no fazê-lo, hoje o possam descobrir. E
levar a que muitos, com capacidades bem para além do domínio da técnica
fotográfica, a possam usar com sucesso. Tanto no campo pessoal do acto criativo
como no campo profissional e sucesso material.
E todos os dias surgem
bons fotógrafos, que mais que saber fazer, são capazes de criar e inovar na
produção da imagem.
Mas este realmente
democratizar da imagem com o advento da técnica tem contrapartidas.
A fotografia já
não é, hoje, só um acto criativo ou comercial. É também uma actividade lúdica e
social.
E é ver, nos
fins-de-semana, como grupos de gente com equipamento fotográfico se espraiam
pelos jardins e praças, apontando as suas objectivas para qualquer coisa que
reflicta a luz e seja fotografável. No meio de risadas, bom humor e salutar
convívio, o que estes fotógrafos procuram não será, talvez, a expressão
plástica daquilo que sentem (antes ou enquanto confrontados com o assunto
fotografado) mas antes a competição em que cada um procura melhor dominar a
câmara e melhor fotografar um assunto comum a todos.
Será, esta
actividade, um acto de criação colectivo, uma mestria artesanal da moda
fotográfica, uma socialização em torno da produção da imagem.
Sem dúvida que é
fotografia, no seu sentido etimológico e técnico.
Será, também, uma
forma de aprendizagem já que, ao ver o que o companheiro do lado fez, se tenta
fazer equivalente nas mesmas circunstâncias. Do ponto de vista técnico e
estético.
Mas é o relegar
para segundo plano a relação íntima da criatividade. É um menorizar a relação
do fotógrafo com o assunto. É um deixar de parte a criatividade individual para
valorizar a criação colectiva. É a produção em uníssono de imagens fotográficas
equivalentes ou iguais.
A socialização em
torno da fotografia não é errada. E não o é pelo simples facto de que quem o
pratica encontrar nisso satisfação ou felicidade. E isso não é – nunca –
errado.
Mas os aspectos
criativos, a busca pessoal de ir mais longe, a intimidade necessária para
transpor para a matéria pensamentos ou sensações ficam muito limitados.
Não tenho dúvidas
que o acima exposto irá deixar irritada ou incomodada muita gente. Muito boa
gente, honesta e sincera no que faz e pensa. Gente que será capaz de me mandar
às urtigas por o dizer.
Mas antes que,
além de urtigas, me lancem pedras, sugiro um pequeno exercício.
Escolham uma
mão-cheia de fotógrafos que admiram. Não importa a idade, nacionalidade ou
época em que viveram. Gente de cujo trabalho gostam e que, de um modo ou do
outro, admiram e que gostariam de fazer igual ou equivalente.
Procurem saber
sobre as suas vidas, métodos e grupos em que se envolveram. Procurem saber como
conseguiram ou conseguem eles fazer os trabalhos que admiram. Paisagem,
retrato, natureza morta, publicidade, reportagem, moda…
Constatarão, estou
certo, que na esmagadora maioria dos casos esses trabalhos foram feitos na
intimidade da relação do fotógrafo com o assunto e a câmara. Mesmo que rodeados
de uma equipa de técnicos e fotógrafos.
A socialização que
praticam ou praticavam em torno da fotografia passa ou passava pela troca de
ideias e conhecimentos. Pela partilha de experiências e truques. Pela análise
dos resultados e sugestão de abordagens. Pelo encontrar pistas que permitam ir
mais longe. Não por fotografarem em grupo.
Tenho para mim, do
que sei de outros fotógrafos e da minha própria experiência enquanto tal, que o
acto fotográfico criativo é tão solitário quanto o escrever de um poema, o
pintar de uma tela ou o compor uma melodia. É uma relação quase que narcisista
de cada um consigo mesmo, uma intimidade solitária.
Nada disto impede
a socialização em torno da fotografia. Muito pelo contrário!
Funcionar em
circuito fechado, sem ir beber a outras fontes ou receber o feed-back do que se
faz é limitador da evolução e criatividade.
Mas a sugestão que
posso dar àqueles que querem levar a fotografia mais longe que apenas um
passatempo é que o façam também ou principalmente a solo, procurando o diálogo
íntimo com os assuntos que fotografam bem mais que com um companheiro de
fotografias.
Na imagem? Uma
câmara que encontrei nas mãos de um turista, em pleno centro da cidade de
Lisboa.
Pelas palavras que
trocámos e pela forma como tratava a luz e a câmara, sabe e gosta do que faz.
E, também pelas
palavras que trocámos, solitariamente à caça de imagens. Naturalmente.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário