sexta-feira, 30 de junho de 2017

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Há normas, regras, técnicas, que temos por certas. Perfeitas.
Sabemo-lo dos livros, sabemo-lo dos trabalhos que vemos. Sabemo-lo dos trabalhos que fazemos.
E quando nos confrontamos com o seu quebrar ou distorcer, arrepiamo-nos. Porque sai das regras, porque nos incomoda na nossa procura do equilíbrio, do perfeito.
Uma dessas regras, e falando de cinema ou vídeo, é o racord.
Para quem não sabe, racord pode ser definido como continuidade, como coerência na sucessão do que é mostrado.
Pode ser na lógica da história, pode ser na lógica das imagens.
Um exemplo clássico será o vermos alguém com um objecto na mão direita e, na imagem seguinte, tê-lo na mão esquerda. Sem que nada se quebre na sucessão do tempo nem nos ter sido mostrado a mudança. E quem diz um objecto na mão, diz a direcção do caminhar ou olhar, uma peça de roupa, um penteado, a origem da luz…
A falha de racord é algo que os profissionais evitam, como o diabo a cruz.
Claro está que não há regras que não possam ser quebradas ou distorcidas. Sabendo-o e fazendo-o de propósito. Com o propósito explícito de provocar algum tipo de reacção ou emoção em quem o vê. Os mestres, os grandes mestres, usam-no. Para alterar ou condicionar a atitude passiva do espectador. Ou mostrar subtis alterações nas personagens.
Apercebermo-nos disso é um deleite.

O problema põe-se que esta quebra de regras não é segredo. Apenas implica mestria no seu uso, ou o resultado estará apenas um degrau assim de porcaria total.
Os não-mestres tentam imitá-los. As mais das vezes sem sucesso. No cinema, na televisão, nos vídeos on-line, na informação.
Afirmam que é uma técnica superior, que é admissível, que faz parte da nova linguagem do audiovisual.
Infelizmente, estes argumentos apenas servem para encobrir ou disfarçar a sua incapacidade de lidar com o racord e a sua falha. E dizem ser “arte” aquilo que é, na verdade, incompetência.
Ver um raro momento de arte é um prazer.
Ver tanta incompetência disfarçada é um tormento.


By me

Sobre graffitis



Pessoas há que abominam os graffitis. Por mim, até lhes acho graça!
Por um lado, o acto de os fazer é um puro acto de rebeldia, de inconformismo. O fazer o proibido, às escondidas de quem fiscaliza ou se pode queixar, tem algo de romântico que me atrai, ainda que não os faça.
Por outro lado, uma cidade limpinha, sempre em consonância com o que os arquitectos desenharam e conceberam é demasiado certinha para o meu gosto. O escrever coisas nas paredes, ou nelas afixar coisas, faz da cidade um espaço vivido, com pulsação, em que os seus habitantes tratam de a moldar a seu gosto, que até pode ser discutível, mas que não tem que ser em exclusivo o que saiu das pranchetas e que tem o carimbo de “aprovado” do município.
Por outro lado ainda, prefiro que a questão da definição de territorialidade seja afirmada por escritos nas paredes, com tinta, a que seja com sangue, no empedrado da calçada durante uma rixa.
Por fim, os graffitis também servem para pôr à prova a nossa imaginação de várias formas. Quer seja para tentar ler o que consta ali, quer seja para tentar descortinar quem e com que aspecto o fez. E, enquanto o fazemos, o tempo vai passando, sendo menos penoso o esperar pelo comboio, autocarro ou a hora do encontro.
Claro que mais pode ser dito em prol dos graffitis, nomeadamente o sentido de liberdade que os seus autores possuem ao ficarem indiferentes com o espaço disponível e usarem tão só aquele que querem. Esquecendo por completo os limites da superfície. Mal comparado, ou talvez não, talvez que só sejam compatíveis com os autores de graffitis os autores das pinturas e gravuras rupestres dos nossos antepassados pré-históricos.
Poluição visual urbana? Nem de perto nem de longe! Verdadeira poluição visual são as publicidades, comerciais ou políticas, que nos tentam impingir um produto, escondendo os seus defeitos, com o fim único de fazer lucrar à nossa custa os seus promotores.

Em última análise, os “grafiteiros” juvenis na sua rebeldia mostram-se bem mais honestos e criativos que os publicitários ou directores de campanha. E muito mais inofensivos.

By me 

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Chamem-me o que quiserem



Uma das questões que mais atrapalha e comanda os comportamentos é o estar-se ou não integrado numa dada sociedade ou grupo.
E, com isso, controlar os seus comportamentos pelos comportamentos medianos, por aquilo que a “sociedade” define como correcto e não criticável.
Nada de mais errado, absurdo, contraproducente e castrante!

Esta atitude não permite o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo, com todas as suas características e potencialidades!
Apenas o transforma em mais um número, ajustando-se à mediania, com receio de ser diferente, notado, apontado a dedo, marginalizado em última análise.
E o erro, a meu ver e ainda ninguém argumentou e me convenceu em contrário, está na definição de “pertencer à sociedade”!
O que de facto acontece, e que poucos são os que o reconhecem ou afirmam e menos ainda os que agem em conformidade, é que no lugar de se pertencer, é-se a sociedade.
A sociedade é o conjunto de todos, com todas as vantagens do grupo e de cada um dos indivíduos. Não se integra a sociedade mas antes molda-se a sociedade à medida de cada um. E a soma de todos os “uns” forma o conjunto!
A contribuição que cada um faz nela, o empurrão que cada um dá no seu trajecto é que define o seu rumo, as suas regras, as suas leis e os comportamentos do todo.
Estas não são definidas por uma qualquer entidade obscura, mítica e autocrática, mas antes pela vivência e vontade de cada um dos seus componentes.
Andar nu, de fraque ou com nariz vermelho e grande é igualmente legítimo!
Ter este ou aquele comportamento apenas porque o grupo o define e não porque o queremos, é integrar um grande rebanho onde os pastores, filósofos, gestores ou políticos nos conduzem pela certa através de um pasto verdejante até ao matadouro ou altar onde nos sacrificam aos seus interesses privados ou entidades divinas.

Pela parte que me toca, tenho comportamentos que estão de acordo ou em desacordo com os que me cercam, não porque eles o querem ou o censuram mas antes porque eu o quero e eu sou a sociedade.

Sem todos os eus, a sociedade não existia!  

By me

Café matinal



Sinto-me particularmente frustrado.
Abro os jornais e as redes sociais a meio da manhã, para que haja tempo de as notícias do dia se espalhem e ganhem volume, e não vejo referências bombásticas a flatulências, vítimas ou futebol.
Estes temas passaram para segundos e terceiros planos como se fossem coisas de um passado distante e inconsequente.

Estou desejoso de saber o que vai agitar jornalistas e internautas até ao fim do dia.

By me

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Há pessoas que têm um sentido de humor tão reduzido e um umbigo tão proeminente que eu só consigo tolerar a sua presença como objecto de estudo:

Quero ver até onde chega a imbecilidade humana.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Dificuldades



Eu tentei. Juro que tentei. Passei horas a pensar em como o fazer.
Falo de uma fotografia sobre o tema do dia, falado em todos os campos do país, das televisões e jornais a redes sociais e meios artísticos.
A questão propriamente dita é quase impossível de registar. A menos que tivesse usado um corante ou um isqueiro, a objectiva não veria e o registo não aconteceria.
Poderia ter usado uma expressão facial. De quem dá ou de quem sente. Mas poderia ser sempre confundido com outros assuntos, desde a satisfação por um petisco acabado de comer à dor de um pontapé descalço na perna de um piano.
Uma outra alternativa passaria por exibir o local de origem. Mas acredito que as comissões de censura das redes sociais haveriam de bloquear a imagem.
Ainda pensei em fotografar os vestígios que a questão pode deixar em peças de vestuário. Um nico de repugnante, convenhamos.
Lembrei-me então que, e se não poderia registar o momento ou a consequência, porque não fotografar a origem, o que lhe dá força.

Fica, assim, um pouco de feijão preto que, é sabido, provoca efeitos no organismo nem sempre os mais desejáveis.

By me 

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E foi preciso uma tragédia monumental para que alguém pusesse a palavra “peido” a cobrir o território nacional e ser repetida no dia seguinte em tudo quanto é sítio.  
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Uma outra versão de um clássico

Primeiro quiseram f@&€R-m€ o juízo,
mas como sempre fui louco…
Depois quiseram f@&€R-m€ o dinheiro,
mas como sempre vivi com pouco…
De seguida quiseram f@&€R-m€ a saúde,
mas como sempre abusei das coisas…
Por fim quiseram f@&€R-m€ a vida,
mas como já estava morto
acabou-se-lhes o gozo!


Espero por eles lá em baixo!  

By me

terça-feira, 27 de junho de 2017

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By me

Disparates

Dúvidas linguísticas que me atrapalham. Por exemplo:
Há verbos que não podem se conjugados na primeira pessoa. “Chover” é um deles. É um verbo intransitivo que só se usa na terceira pessoa. Ninguém dirá “eu chovo”, por exemplo.
Outro equivalente é “suicidar”. Pese embora tenha encontrado gramáticas que o conjugam nas três pessoas do singular e do plural, é um disparate ser usado na forma reflexa.
O acto em si é algo que, por definição, é executado por alguém sobre si mesmo. Ninguém suicida outro. Isso seria um assassínio.
Donde dizer “suicidou-se” é um absurdo, já que só poderia ser executado pelo próprio sobre o próprio.

Claro que este assunto não me tira o sono nem a vida. Veio à baila depois de ouvir tantos políticos e gente importante tão mal usarem o verbo.
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segunda-feira, 26 de junho de 2017

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Podemos fazer um interessante itinerário da nossa vida e relacionamentos quando limpamos a carteira e nos livramos de velhos cartões de visita pessoais ou comerciais.

Surpresas?



Está meio mundo indignado com a notícia sobre o Facebook.
Ao que parece, há uns anos andaram a manipular o que aparecia no “feed de notícias” de alguns utilizadores, com o fito de perceberem até que ponto notícias positivas ou negativas influenciavam os posts dos mesmos. Foram uns milhares assim afectados, sem o saberem.

Estão espantados ou incomodados com o quê?????
Estão à espera que não existam jogos de manipulação nas redes sociais?
Santa ingenuidade!
Isso acontece há dezenas de anos, desde a invenção da comunicação social: impressa, ouvida, vista. As notícias são escolhidas, filtradas, ajustadas e difundidas de acordo com os interesses do meio ou suporte. Interesses económicos, interesses políticos, interesses corporativos, interesses desportivos… interesses.
Mesmo os próprios utilizadores manipulam as opiniões dos que acedem aos conteúdos, publicando o que querem para obter os resultados que querem: aceitação social, influências políticas ou laborais, interacção com terceiros…
As redes sociais são a versão moderníssima das conversas de café ou do largo da igreja. E essas conversas acontecem – sempre – com dois objectivos: porque queremos que a nossa opinião seja ouvida e aceite, porque queremos saber a opinião ou notícias de terceiros.
Por isso se escolhe (ou escolhia) este ou aquele café, este ou aquele banco do largo público: em função de quem o frequenta, onde a nossa opinião pode ser ouvida ou onde o que por lá se diz nos interessa.
Fazem isso os media, todos os dias, a cada instante. Fazemos nós isso nas redes sociais, a cada publicação que fazemos ou acedemos.
Esperar que a gestão das redes sociais seja inócua, isenta, sem interferir em nada nos conteúdos é ingenuidade da mais pura.
Em último caso, vejam-se os banidos, as páginas apagadas, as denúncias por parte de utilizadores…

Acordem!
Manipulação é a palavra-chave desde o invento do púlpito, desde o invento da rotativa, desde o invento da emissão de um para todos.
Tudo o mais são roupagens para um mesmo conceito.
Ou acham que as cores escolhidas para uma capa, ou os sons e imagens escolhidos para um genérico ou as manchas gráficas ou a sequência de conteúdos é inocente e inconsequente?
Da próxima vez que virem algo que vos atraia, positiva ou negativamente, num computador, num jornal, num quiosque ou ouvirem numa rádio, pensem nos motivos que levaram quem vos informa a fazer tal coisa. No escolher o conteúdo, no escolher a forma, no escolher o momento. E porque vos conta aquilo em particular e não tantas outras coisas e assuntos que poderia ter abordado. Boas e más.


Espantem-se com a vossa surpresa, não com o que a motivou!  

By me

domingo, 25 de junho de 2017

O recanto



Porque surgiu, já nem sei como, em várias conversas e porque o momento o justifica, uma velharia, uma novidade e uma imagem:


Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este chama Ninguém e diz:

Ninguém : Que andas tua aí buscando?

Todo o mundo: Mil cousas ando a buscar :
delas não posso achar,
porém ando porfiano
por quão bom é porfiar.

Ninguém : Como hás nome, cavalheiro?

Todo o Mundo: Eu hei nome Todo Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo

Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência

Belzebu : Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

Dinato : Que escreverei , companheiro ?

Belzebu : Que ninguém busca consciência,
e todo mundo dinheiro.

Ninguém : E agora que buscas lá?

Todo o mundo : Busco honra muito grande.

Ninguém : E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.

Belzebu : Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo
que busca honra todo mundo
e ninguém busca virtude.

Ninguém : Buscas outro mor bem qu'esse?

Todo o mundo: Busco mais que me louvasse
tudo quanto eu fizesse.

Ninguém : E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.

Belzebu : Escreve mais.

Dinato : Que tens sabido?

Belzebu: Que quer em extremo grado
todo o mundo ser louvado,
e ninguém ser repreendido.

Ninguém: Buscas mais, amigo meu ?

Todo o mundo: busco a vida a quem ma dê.

Ninguém : A vida não sei o que é,
a morte conheço eu.

Belzebu : Escreve lá outra sorte.

Dinato : Que sorte?

Belzebu: Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e ninguém conhece a morte.

Todo o Mundo: E maisqueria o paraíso,
sem mo ninguém estorvar.

Ninguém : E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.

Belzebu : Escreve com muito aviso.

Dinato : Que escreverei ?

Belzebu: Escreve
que todo o mundo quer o paraiso
e ninguém paga o que deve.

Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar

Bellzebu: Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.

Dinato: Quê?

Belzebu: Que todo o mundo é mentiroso,
E ninguém diz a verdade.

Ninguém: Que mais buscas?

Todo Mundo: Lisonjear.

Ninguém: Eu sou todo desengano.

Belzebu: Escreve, ande lá mano.

Dinato : Que me mandas assentar?

Belzebu: Põe aì mui declarado,
Não te fique no tinteiro:
Todo o mundo é lisonjeiro,
e ninguém desenganado.



Excerto de “Auto da Lusitânia”, por Mestre Gil Vicente  
By me

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“Born in the 90’s”, trazia aquela mocinha orgulhosamente estampadas na T-Shirt bem justa e curva.
Creio que vou mandar imprimir uma outra, igualmente preta e com letras também brancas, com os dizeres “Born in the 50’s”.


Mais abaixo, na curvilínea barriga, constará “And couting”. 

sábado, 24 de junho de 2017

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Incrível!
Há uma estação de TV por cabo que está a emitir uma longa-metragem que acontece enquanto chove.
E isso nada tem de relevante para o enredo. Aparentemente.

Há muito que não via disso.  
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Exemplos



Há uns dias li uma notícia – não sei se verdadeira se não – onde se contava que um cidadão britânico teria apresentado queixa com a rainha Isabel II de Inglaterra por esta viajar sem o cinto de segurança. À revelia de todas as regras e normas.
Hoje encontro esta fotografia no jornal “Diário de Notícias”, assinada por Orlando Almeida/Global Imagens, onde nos é mostrado que os nossos governantes também não o fazem.
Pelos presentes na imagem, suponho que tenha sido aquando da tragédia dos incêndios de há uma semana. E acredito que, naquele momento e naquele lugar, muitas coisas terão sido esquecidas. Cintos de segurança incluídos.

Mas convenhamos: como exemplo aos demais cidadãos não é grande coisa.

By me 

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Já não se fala dela. Dele agora todos falam.
Ela é a cara de um jornal televisivo. Ele é o pseudónimo de um jornal escrito.
Ela é tuga. Ele é não se sabe o quê.
Mas têm algo em comum: foram a notícia que se sobrepôs à notícia.
E quando o jornalista se torna mais importante que o relatado, algo de muito podre acontece nos media.

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Assimetrias



A rica tem nome fino
A pobre tem nome grosso
A rica teve um menino
A pobre teve um moço


António Aleixo

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Óculos de sol



Não gosto de óculos de sol.
Eu próprio não os uso. Os pô-los e tirá-los a cada fotografia ou espreitadela na câmara faz-me variar a sensibilidade dos olhos, não me permitindo uma correcta análise do que estou a fazer.
Por outro lado, e sendo que a grande maioria são coloridos, muito ou pouco, também distorcem a forma de ver o mundo e as suas cores.
Prefiro encarar o que me cerca sem filtros ou artifícios, reservando tal coisa para a forma de captar que me apeteça usar.
Mas também não gosto de óculos de sol nas caras dos outros.
Entendo que possam precisar, por via da intensidade da luz.
Também entendo que os queiram usar como forma de ajeitarem as proporções do rosto, alongando-as ou alargando-as com o formato da armação e lentes.
Mas o certo é que os óculos de sol privam-me de algo de que gosto aos montinhos: ver os olhos das pessoas.
Espreitar os olhos é entrever a alma e gosto de ver isso. E de avaliar se valem, ou não, um registo. Por aquilo que me transmitem enquanto não dão por mim e com o que me dizem quando os nossos três olhares se cruzam: o do modelo, o meu e o da objectiva.

Não gosto de óculos de sol. Tenho que coexistir com eles, mas não gosto.

By me

O sistema



É típico em Portugal culpar-se o sistema.
Quando algo não funciona ou funciona mal, a primeira justificação (quantas vezes a única) é “falha no sistema”.
Hospitais, tribunais, farmácias, finanças, segurança social, parlamento, correios, transportes… A falha do sistema é sempre invocada.
O único sistema que nunca falha é a sistematização da falha do sistema. Já me aconteceu mesmo, num balcão de atendimento hospitalar, perguntar à funcionária se não conseguia porque o sistema estava em baixo. E o seu ânimo estava tão em baixo quanto o sistema.
O sistema tem costas largas. Bem mais largas que a costa portuguesa, e sabemos que esta é grande. Tanto que a última piada que conheço no caso da tragédia dos incêndios, macabra por sinal, é que o sistema “ardeu”.
E sistematicamente a culpa morre solteira.

É que, e é público e notório, o sistema não tem cara. E consequentemente não tem vergonha na cara.

By me 

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Não é difícil perceber que há muito mais prevenção e segurança nas bombas de gasolina que nas florestas.

Talvez por isso não se oiça falar em incêndios em bombas de gasolina.

Surpresas



Vinho e vinagre vendem-se em embalagens bem distintas. Na forma e no tamanho.
Vantagem para quem, no corre-corre dos supermercados, não quer enganar-se.
Tal como na mesa. As galhetas não se confundem com o jarro ou garrafa. E a própria forma de usar não se equivale. Nem no local onde são vertidos nem na quantidade.
São os nossos sentidos que imperam na diferenciação, tanto o olhar quanto o olfacto, impedindo que o paladar sofra.
Mas imaginemos que nos é servido num copo opaco e que estamos mesmo constipados.

Consigo facilmente imaginar a confusão que seria no altar se tal partida fizessem ao sacerdote.

By me 

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Liberdade?



By me

Caos organizado

As horas gastas à procura de objectos importantes não são perdidas.
Considera-as como parte do teu sistema de segurança.

Afinal, se não os consegues encontrar, um ladrão também não conseguirá.
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Há os que fazem as coisas acontecerem;
Há os que vêem as coisas acontecerem;

E há os que perguntam: “O que se passa?”  

By me

Ser ou não ser



Já me aconteceu algumas vezes: encontrar objectos perdidos ou esquecidos. Carteiras, chaves, documentos de identificação, sacos com objectos diversos.
De todas elas fiz aquilo que acredito ser o normal: procurar que o legítimo dono recupere o que é seu.
Já o fiz deixando o objecto num café nas proximidades. Os cafés são, sabemos, a praça pública de antanho, junto com mercearias ou farmácias. As pessoas conhecem-se, trocam ideias e novidades, e há sempre quem saiba da vida dos vizinhos.
Já o fiz entregando nas autoridades policiais. No fim de contas, é um lugar seguro para se deixar o que se encontra e, presume-se, farão bem mais e melhor que eu para encontrar o proprietário. Nem sempre fui bem recebido neste acto.
De uma das vezes, recordo-o como se fosse ontem, a agente que me atendeu na esquadra de Sintra, virou e revirou o que lhe entreguei e, olhando para mim, perguntou-me pelo resto. Fiquei de tal forma que só fui capaz de responder “Vamos fazer de conta que a senhora não disse isso e recomeçar a conversa. Encontrei isso em tal local e gostava que o devolvessem a quem aí está identificado.” Ficou pálida e lá tratou de registar a ocorrência sem mais insinuações.
De outra fui recebido com a maior das cordialidades, a carteira foi revistada e tudo anotado, incluindo o dinheiro que continha, a minha identificação registada e saí da esquadra com a convicção que o seu dono a recuperaria através do bilhete de identidade que lá estava.
De uma outra, e após alguns telefonemas para as escolas cujos cartões referiam, fiz chegar em mão no dia seguinte a carteira, o dinheiro e o passe, ao jovem que a havia perdido na estação de comboios, tarde na noite.
Nem estas nem outras histórias equivalentes fazem de mim alguém especial. Fiz o que tinha que fazer, exactamente como gostaria que alguém o fizesse se fosse ao contrário. Enquanto cidadão outra coisa não poderia fazer para tranquilidade da minha consciência.

É por isso que fico “incomodado” quando leio uma notícia que relata ter sido devolvido um saco com bastante dinheiro. É uma história que não deveria ter direito a espaço de jornal. Independentemente da condição social dos intervenientes.
O devolver a seu dono o que não nos pertence é um acto que deveria ser natural, tão natural quanto o quer ser aquele a quem é devolvido. E o ser muito dinheiro e quem o achou ser muito pobre não deveria ser condicionante para que o não seja.

A honestidade não tem fronteira traçada algures entre cinco e cinquenta euros. Ou se é ou se não é.

By me 

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Solidariedades



Faz todo o sentido acontecerem as ondas de solidariedade em momentos de catástrofe.
Cada um contribui com o que pode, do que sobra ou não, para ajudar aqueles que precisam em momentos de aperto.
É a sensação de contribuir para quem sofre, é o fazer o luto através de actos, mesmo que por pessoas desconhecidas, é o saber-se ser-se útil quando necessário e não apenas ser mais um.
Mas o que faz sentido é isto não estar à discrição de cada um, uns contribuindo outros não. Este esforço da sociedade não deve depender das vontades individuais – das boas vontades – ficando o futuro dependente nem se sabe de quê.
Não faz sentido que os que sobreviveram tenham que estar aflitos porque não sabem como pagar funerais. Não faz sentido que os que tudo perderam não saibam onde vão passar a noite de natal. Não faz sentido que os que perderam o sustento numa catástrofe fiquem em risco de não terem sustento a médio prazo, que as solidariedades funcionam a curto prazo.
Faz sentido, antes sim, que o colectivo a que chamamos país intervenha num todo, usando os recursos que recebe de todos através dos impostos e contribuições.
Faz sentido que as casas ardidas sejam reconstruídas ou substituídas, que as fontes de rendimento queimadas tenham alternativas estáveis e duradoiras, que o futuro de quem isto viveu não seja tão negro quanto a fuligem que os cobriu.
Aos os que dizem que os orçamentos não dão para mais, que ainda estamos em crise, que temos as instituições à perna para cumprirmos compromissos económicos, pergunto eu quantas casas agora ardidas seriam recuperadas com o gasto em frotas automóveis? Quantos hectares poderiam ser replantados e colmeias repostas, com o custo dos submarinos? Quantos conjuntos de roupa de vestir, cama e mesa poderiam ser entregues com o não fazer faustosas celebrações disto e daquilo?
O luto nacional tem inegáveis vantagens para que os cidadãos possam ultrapassar a dor nacional.
Mas, em passando os dias de bandeira a meia haste, tudo volta ao normal.
Excepto para os que, daqui por uns anos, ainda terão a vida destroçada e pobre porque tudo ardeu e a solidariedade se esgotou.

A individual e a colectiva.

By me

À fé de quem sou



A história aconteceu num já distante solstício de verão. Num dia como o de hoje.
De pouco adiantará falar na importância ancestral, ou bem mais que isso, do dia mais longo do ano. Afinal, é celebrado há muitos milhares de anos, desde os tempos em que, não havendo escrita nem astronomia, se transmitia oralmente o que é importante. Como os solstícios e os equinócios, no que ao contar o tempo e o movimento dos astros importa.
Fica o que vivi.

Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e o rosto. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.
Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.
Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo! E foi destruída!
E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.

Porque afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo), a honra é comum a todas!

By me

Sombras



Aquilo que o Homem tem feito ao longo dos milénios é tanto e tão variado que seria fútil tentar saber tudo. No campo das artes, das ciências, do pensamento, nas evoluções e regressões sociais.
Perante a quase inutilidade de tudo tentar saber, resta a cada um de nós optar por saber aquilo que entende por importante para a sua vida. Profissional ou pessoal. E, igualmente importante, saber onde está o saber caso venha a disso necessitar.
Acessoriamente, as escolas orientam estes saberes e aprendizagens nos diversos campos, fornecendo ao estudante as bases daquilo que passarão toda uma vida a aprender.
Será papel do pedagogo escolher estes saberes básicos e disponibiliza-los ao estudante por uma ordem lógica, bem como incentivar e ajudar a satisfazer as curiosidades que possam advir dos saberes adquiridos. Tal como deve permitir que o estudante saiba onde e como ir buscar mais saber ou conhecimento: bibliotecas, pessoas, web, museus, locais de investigação… Dizia alguém que, nos tempos que correm, o importante não é saber mas antes saber onde o saber está e querer ir buscá-lo.
Claro está que o que será básico num dado campo de actividade será não-básico, talvez mesmo supérfluo, noutros campos. E este é, também, o papel do pedagogo: definir prioridades na aprendizagem do estudante.
No entanto, saberes existem que são comuns a todas as vertentes do conhecimento básico. A tabuada, o primeiro rei da nacionalidade, o teorema de Pitágoras, o oceano que banha o seu país, a sua língua e uma língua generalizada… Talvez que não básicos para a actividade profissional, mas para viver integrado na organização social que o envolve.

Um destes dias constatei que um jovem com curso na área da comunicação audiovisual ignorava por completo o que fosse a “Alegoria da Caverna”. Sabia que Platão fora um filósofo antigo, ainda que não de que época ou civilização, mas não sabia nem o nome nem a história ou conceitos nela descritos.
Fiquei boquiaberto! Como é possível alguém ter uma formação profissional sólida neste campo sem conhecer os primórdios da sua criação, do seu pensamento, do conceito de realidade e representação?
Tratei de, em duas penadas, colmatar aquela falha, mas tive pena de quem me estava a ouvir. Não são coisas que se expliquem (ou se aprendam) em duas penadas. Até porque o saber necessita de ser digerido.
Mas fiquei a pensar que andamos a formar gente que saberá utilizar a ferramenta com que trabalha, mas que ignora os conceitos que lhe estão inerentes para além daquilo que vêem no ecrã do computador.
Pergunto-me o que irá acontecer a esta geração, quando já tiver a categoria de avós, bem como aquilo que será disponibilizado aos seus netos pelos pedagogos.

Talvez que só saibam reconhecer uma sombra e que desconheçam por completo a tridimensionalidade ou as cores.  

By me

terça-feira, 20 de junho de 2017

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No dia em que as estações de televisão e os jornais forem obrigados a pagar pelas fotografias que usam no seu negócio roubadas da net… Ou forem obrigadas a citar os autores das fotografias que usam, assumindo que o trabalho é de terceiros… Ou forem obrigados a respeitar a integridade do trabalho original, não o podendo truncar ou adulterar sem conhecimento ou autorização do fotógrafo…

Nesse dia passaremos a ter outra forma de fazer jornalismo. Mais honesta e integra. Em todas as suas vertentes.
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Anonimatos

O sol está como se sabe, o calor o que se sente e o céu como se vê.
Apesar disso, o velhote do costume faz a sua ronda habitual nos caixotes de sempre, em busca da refeição que talvez encontre.
Destes cadáveres adiados, destes corpos não estendidos, destas mortes não anunciadas, ninguém faz alarde. Nem reportagens. Nem sequer uma nota obituária.
Não vende!


Nota da redacção: Neste espaço virtual não se exibem imagens obscenas.

Ética e responsabilidades



Não me apetece bater mais na velhinha! Ainda que o não seja mas para lá caminhe.
Mas o certo é que não posso deixar passar em claro a questão.
Falo da mais que infeliz reportagem, feita na tragédia do incêndio deste fim de semana, por Judite de Sousa.
Não irei falar de personalidade nem das situações a que assisti do seu desempenho. Seria personalizar o discurso e não quero envolver-me pessoalmente na questão.
Mas há aspectos que não podem deixar de ser pensados.
Desde logo a sensibilidade perante o que ali se passava. Naquela reportagem, com aquelas imagens e discurso, foram completamente ignorados os sentimentos dos familiares que, quiçá, ainda nem tinham tido oportunidade de saber como estavam aqueles com quem ainda não tinham conseguido contactar.
De seguida a quebra ou ignorância do código deontológico da profissão, fazendo afirmações sobre a eficácia ou rapidez das autoridades e meios envolvidos sem ouvir, ou demonstrar que tinha ouvido, essas mesmas entidades. Exactamente o que faz a turba enfurecida ou em choque. Não o que deverá fazer um jornalista.
Por fim, a responsabilidade do cargo. Esta profissional foi para o terreno com o peso de ser experiente e de ocupar um dos mais altos cargos na redacção onde trabalha. Terá sido escolhida, suponho, por isso mesmo. E para garantir a qualidade do trabalho efectuado. E quem quer que esteja em cargo directivo num jornal ou televisão tem a responsabilidade acrescida de garantir que o que é relatado respeita os códigos, escritos ou implícitos, do ofício e do jornal ou televisão para quem trabalha. Ser director, adjunto ou chefe não pode ser apenas um título pomposo, gabinete privado e salário mais elevado que os demais.

O jornalismo, também conhecido por ser o quarto poder, tem o terrível defeito de não ser democrático. Não foi eleito, respeita as necessidades económicas de quem investe no negócio, depende apenas das tiragens ou audiências. E das opiniões, quantas vezes muito pessoais, de quem escreve ou relata.
Apesar de terem códigos deontológicos e reguladores oficiais, as normas e recomendações serão ou não cumpridas de modo inconsequente.
O público, esse, na sua sede de sangue para exorcizar os seus próprios problemas ou medos, deixa-se levar na ânsia de saber mais detalhes mórbidos, sem grande respeito pelos envolvidos ou preocupações sobre o rigor ou isenção do que lê ou ouve.
E o negócio da comunicação social vai florescendo, aproveitando-se disso.

Não vou bater mais na velhinha. Mesmo que, não o sendo ainda, para lá caminhe.

Agora que tenho a vontade, lá isso tenho. Factualmente. Que se desculparia em parte a reportagem se ela fosse feita por um inexperiente jornalista, não consigo fazer neste caso.

By me