quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Não




“And there we go again!”
Por aquilo que li num jornal, a votação do orçamento de estado para 2019 contou com um voto contra de um deputado que não votou porque não estava presente.
De acordo com o jornal, o deputado do PSD esteve presente no parlamento e no hemiciclo durante os debates mas ausentou-se de emergência por via de um problema de saúde de um familiar. E, aquando da votação, alguém terá votado por ele.
Se as ausências são justificadas e se a saúde complicada de um filho é motivo mais que suficiente para se sair a correr de onde quer que seja, já os votos por procuração ou correspondência no parlamento são proibidos.
Taxativamente!
Quem quer que se tenha registado no computador de Feliciano Duarte para que este voto contasse, bem sabia o que estava a fazer: uma ilegalidade.
Diz o jornal que o deputado irá contactar os serviços da assembleia para que, eventualmente, lhe seja marcada falta. Desculpem, mas não percebi.
Comete-se uma ilegalidade e o mais que se pretende fazer é marcar uma falta, mesmo que legítima e mais que justificada?
Comete-se uma ilegalidade no lugar onde são feitas as leis e onde, por estatuto dos membros, a “palavra do deputado faz fé”, e apenas se pensa em marcar falta?
E, por outro lado: é inconsequente que a opinião e vontade do povo português, representadas por cada um dos deputados na Assembleia da República, seja assim tão malbaratada, a ponto de os eleitores verem que outro alguém vota e decide por nós sem que para tal tenha sido mandatado?

Recordo que, nos tempos da Troica e do governo de Passos Coelho, decorria uma manifestação de rua e um deputado terá afirmado que “o poder não pode cair nas ruas”. Esta afirmação, que politicamente é forte nos motivos e consequências, impede a democracia participativa e defende a democracia representativa, excluindo a expressão livre e legítima dos cidadãos nos assuntos da sociedade.
Mas se os representantes não são honestos (alguns deles) qual a legitimidade das suas decisões?
O estatuto dos deputados coloca-os num nível de elite, acima dos cidadãos que representam. Talvez esteja na altura de revermos este estatuto e de os conduzir à justiça pelas ilegalidades que cometem. Incluindo a falsificação de presenças e votações.

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terça-feira, 27 de novembro de 2018

Fisgas e carabinas




Uma faca é uma faca, dizem-me. Não, penso eu. E ajo em conformidade.
Apesar de uma faca ser uma faca, não creio que sobrevivesse sozinho na selva com uma faquinha de compota. Ou que passasse despercebido se num restaurante usasse uma faca de mato para atacar uma posta de peixe espada grelhado. Nem seria de todo cómodo usar uma faca de trinchar para afiar a ponta de um lápis.
Ao longo dos tempos temos vindo a aperfeiçoar as ferramentas, algumas só depois de muitas tentativas falhadas, e conseguimos ter um razoável conjunto de utensílios específicos para diversas tarefas.
Podemos usar, genericamente, qualquer um de qualquer família de utensílios para quase todas as funções iniciais. Mas é muito mais fácil, e agradável, se usarmos as específicas caso as tenhamos.
Não pensaria em ir fazer reportagem de guerra com uma câmara técnica 9x12. Apesar de o poder fazer. Ou publicidade para painéis exteriores com um telemóvel. Apesar de o poder fazer.
Uma câmara é uma câmara, tal como uma faca é uma faca.
Mas, tal como um velho anúncio televisivo, “Não mate leões com fisga nem moscas com carabina”.


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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Ortodoxias




Por vezes há que ser rigorosamente nada ortodoxo!
Aquela turma era um pouco mais “indisciplinada” que o habitual. Coisa que me agradava e agrada, já que nas áreas criativas a indisciplina é vital: há que ser indisciplinado na vida para deixar a criatividade crescer e ganhar raízes. Haverá que quebrar regras, mesmo que as de uma sala de aula, para ir mais longe.
Claro está que haverá sempre algum limite para este tipo de indisciplina. Em particular dentro de uma sala de aula, onde a “criatividade” individual não deve atrapalhar em demasia o trabalho do colectivo. Colegas ou professores.
Naquele dia, ou por ser primavera, ou porque as hormonas estivessem mais descontroladas, ou porque o fim de semana se aproximava, ou fosse lá porque fosse, a coisa estava mais difícil.
Os do costume, sentados atrás como habitualmente, estavam a ultrapassar as marcas. Eu bem tentava “acalmar as hostes”, com uns chamar de atenções, uns comentários mais incisivos, um levantar de voz… mas a coisa estava difícil.
Até que, a certa altura e já meio desesperado e não querendo usar das medidas disciplinares que o ambiente escolar permite, me lembrei disto: um apito que jazia num dos bolsos do colete, comprado uns dias antes para uma fotografia.
Peguei nele, pousei-o na mesa mesmo a meu lado e ficámos a namorarmo-nos por um pedaço. Até que, já sem outros recursos, o usei. Com força. A plenos pulmões. A ponto de até os meus ouvidos me doerem.
Fez-se um silêncio sepulcral naquela sala. Isso e um montão de olhos espantados virados para mim, a tentarem perceber que raio de maluquice me haveria ter atingido.
Quando os tímpanos deixaram de zumbir, expliquei à turma o que estava a acontecer, o como aqueles lá de trás estavam a impedir que os demais aprendessem e como esses mesmos estavam a impedir que eu fizesse o meu trabalho de os ajudar a aprender. E que havia e há momentos para a indisciplina e rebeldia, como já lhes havia demonstrado e até incitado, mas que outros havia e há em que o respeito pelos demais se sobrepõe.
Depois de uma pausa para digerir a situação, alguns deles fizeram exactamente aquilo que eu sabia que fariam: pediram desculpa aos colegas. Por meio de algumas gargalhadas que todos soltámos.
Por estranho que possa parecer a alguns mais incautos e que não conheçam este tipo de estudantes e adolescentes, o caso foi remédio quase santo. Durante algum tempo – semanas - quando a idade e a rebeldia os levava a excederem-se em sala, eram os outros que os lembravam do apito do maluco do prof JC. E entravam na normalidade livre que pretendíamos, sem peias nem mordaças, mas com respeito pelo trabalho do colectivo.
É evidente que nesse dia ouvi das boas dos colegas na sala de professores. Que o belo do apito se tinha ouvido em todo o edifício. E, explicadas as causas e as consequências, ficaram a olhar de lado para mim, uma vez mais. Pondo em dúvida a minha própria sanidade mental e a eficácia do método.
Mas certo é que se assistissem ao que se passava connosco portas adentro ou portões afora, e se verificassem os resultados no que a aprendizagem diz respeito, verificariam que a ortodoxia não será a melhor abordagem quando falamos em criatividade e descoberta de novos e pessoais caminhos.



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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Telhados




Aos poucos vão surgindo mais nomes de deputados que marcaram presença e não estiveram presentes na assembleia da república.
E, junto com essas notícias, recordo o seu regime de faltas que, a dado passo, refere que a palavra do deputado faz fé, não carecendo de confirmação.
Pergunto quantos sobrarão incólumes, nesta e noutras questões, quando os jornais de direita acabarem de investigar os políticos de esquerda e os jornais de esquerda acabarem de investigar os políticos de direita.


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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sou guloso



Sou guloso e sou egoísta. Gosto dos meus prazeres e não os dispenso!
Uma boa refeição, um bom vinho, um bom livro, uma boa fotografia, uma boa luz.
Em podendo, trato de as ter e degustar.
Mas há coisas de que gosto, de que sou guloso, e que não estão à venda nem se encontram com facilidade. A vida está como a sabemos e vão-se tornando raras. 
Uma delas, de que sou mesmo guloso, são sorrisos. Caramba! Como sou guloso por um sorriso, não importa a quem é dirigido!
Mas, no corre-corre matinal, entre a cama e o local de trabalho, são mais raros que políticos honestos.
Donde, se não os encontro naturalmente, provoco-os, que sou mesmo guloso por sorrisos.
No balcão rápido do café a correr a caminho do comboio, não são comuns. Não que não sejam bonitos, mas todos têm pressa, todos saíram uns minutos atrasados, todos querem o seu café “à maneira”… E quem está do outro lado do balcão reage em conformidade, correndo que nem barata tonta da máquina do café p’ra pinça dos bolos, com passagem p’la faca da manteiga.
Em chegando, nem importa onde, oiço o padronizado “bom dia”, sem ter outro significado que não seja “o que deseja?” 
Não me chega e quero mais. Com o meu café matinal quero um sorriso que o adoce. Até porque, como já disse, sou guloso.
Uma pausa de um ou dois segundos, um ar sério e compenetrado, e riposto:
“Obrigado. P’ra si também: bom dia!”
Guloso que sou, conheço uma boa quantidade de formas p’ra satisfazer os meus prazeres. E esta é uma delas, infalível.
Do outro lado do balcão há também um compasso de imobilidade, como que a digerir o ouvido e perceber o seu significado. De seguida, o sorriso vem, brotando não importa a idade ou o quão cheio estará o lado de cá.
Quando recebo a minha bica, só preciso de meio pacote de açúcar: já vem adoçado com estes sorrisos.
Que, como já disse, sou guloso.

A imagem? Não vo-la dou. Tratem vocês de provocar e degustar os vossos sorrisos, que eu sou guloso e egoísta dos meus.

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domingo, 18 de novembro de 2018

Impressão digital




Os meus olhos são uns olhos,
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem lutos e dores
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros, gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão

sábado, 17 de novembro de 2018

Códigos




Não se trata de querer ser purista da língua.
A língua falada ou escrita existe para exprimir e materializar pensamentos e emoções e é coisa viva. Com mais ou menos acordos ortográficos e com maior ou menor criação de vocábulos, a língua evolui, cresce, modifica-se.
Esta evolução, e deixando de parte a questão dos códigos grupais falados, escritos e mesmo corporais, é coisa lenta, que vai sendo provocada e alimentada pelo cidadão comum ou pelos artistas da palavra.
São estes que no quotidiano vão subvertendo significados e vocábulos, criando novos e alterando antigos. É interessante, por exemplo, ver como o termo “pau” está a regressar ao linguajar comum como unidade de dinheiro. Quase desapareceu com a substituição do Escudo pelo Euro, mas está de regresso.
Mas esta evolução da língua, por via popular, não pode ser provocada e/ou acarinhada pelos falantes ou escritores formais. Não espero ver escrito num auto policial que o suspeito tinha duzentos paus na sua posse.
De igual forma, os profissionais da comunicação, escrita ou falada, mesmo que tenham a obrigação de procurar a eficácia da comunicação e, para tal, usem termos do conhecimento geral ou criem novos termos para o que não existe enquanto palavra formal, têm também a obrigação de não subverterem a língua existente. A alteração do significado de palavras ou expressões não deve ser feita de ânimo leve.
Ver um jornalista escrever “ir de encontro a” em vez de “ir ao encontro de” com o sentido de “estar de acordo” ou “em linha com” é algo que me arrepia enquanto falante da língua, enquanto profissional de comunicação (mesmo que usando a imagem).
O que torna a coisa mais grave é o ser este caso recorrente. Na expressão usada e em muitas outras, trocadas ou subvertidas. Concluo disto que quem escreve nos jornais não tem o hábito de ler em língua portuguesa nem tem dela sólidos conhecimentos. Mas também concluo que os jornais se demitiram do dever de bem escrever, não revendo antes de publicar, mais preocupados com tiragens e visualizações que com qualidade do produto que vendem.

Não quero ser purista na matéria. Nem sequer sou especialista. Mas gosto de comunicar – emitindo ou recebendo – e gosto de ter bons produtos.
Se se convencionar (porque a língua é uma convenção e é coisa viva) que a expressão “ir ao encontro de” passa a ser dita e escrita de outra forma (“Batata frita”, por exemplo) nada a opor. Mas convém que quem acede à comunicação social conheça os códigos em uso (palavras) e os seus significados. E é importante que quem escreve na comunicação social conheça com rigor os códigos em uso e os seus significados.



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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Nónio




Há que convir que necessitamos de um aparelho de medida deste género para aquilatar o carácter ou a honorabilidade de algumas pessoas.
O sr. Pedro Nunes, ao inventar o nónio que permite medir fracções de unidade e que por isso se tornou famoso, bem nos ajuda nesta tarefa ingrata.


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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Tolos e loucos




Afinal era uma mala com material fotográfico.
Quem foi o louco desgraçado que abandonou à sua sorte uma mala com material fotográfico?



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Conceitos




“Sempre achei que a estrutura formal de uma fotografia, a sua composição, eram tão importantes como o próprio tema… É preciso eliminar tudo o que é supérfluo, é preciso dirigir o olho com uma vontade de ferro.”
Brassai
“O bando do Grande Alberto, Quartier Italie, Paris 13ec. 1931-1932

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O voto




É também por causa de coisas como estas (os subsídios de alojamento e as presenças no trabalho) que defendo que as eleições para a Assembleia da República deveriam ser em nomes e não em listas de partidos.
Não importa conhecer apenas os cabeças de lista ou quem é o secretário geral ou presidente deste ou daquele partido.
A integridade moral, o historial de cada um dos candidatos (e para além dos programas apresentados) deveriam ser um factor de decisão vital quando se escolhe alguém para fazer leis. Alguém que, supostamente, conhece os padrões morais e éticos da sociedade ou do país e que legisla de acordo com eles.
O tipo que roubou os gravadores porque não gostou do tom das perguntas dos jornalistas que o entrevistavam continua activo na política, ainda que discreto na sua região natal; Os que declaravam viver longe mas que possuíam casa em Lisboa encontraram desculpas ou devolveram os subsídios; O registo de presença no plenário continua por explicar mas o subsídio foi pago.
“Tratem-se os bois pelos nomes!”, diz o povo.
Tratem-se os deputados pelos nomes e excluam-se os que não têm comportamentos de acordo com os mandatos de isenção e honestidade que lhes são entregues.



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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Aprendizagens




O episódio aconteceu há mais de trinta anos e nunca me esqueci dele.

No peitoril da janela apareceu um insecto voador. Bonito, de cores pouco comuns, quis logo fotografá-lo. Mas haveria que o “segurar” até eu estar pronto. Um copo com a boca para baixo fez a festa.
Mas para o fotografar o copo não servia. Através do vidro a imagem seria má, de boca para cima fugiria. Inventei!
Sacrifiquei uma caixa de um filtro redondo, a que cortei o fundo de uma das metades, colando-lhe um vidro (que tinha para fazer um filtro neutro com negro de fumo). Deste modo, teria o bonito animal seguro, sem lhe fazer mal e em condições para ser fotografado.
Preparei o material (câmara, tripé, luz, etc.) e, depois de assegurar enquadramento e exposição, fiz a transferência dele do copo para a caixa. Coloquei-a sob a objectiva e ainda fui a tempo de assistir pela ocular ao seu estertor moribundo.
Doeu-me! Doeu-me fundo!
A última coisa que eu queria era fazer mal ao pobre bicho, sendo garantido que o libertaria depois das fotografias feitas. Sem uma beliscadura. Agora vê-lo morrer assim… Doeu-me!
Passada a emoção, tentei perceber o que a havia provocado. E acabei por concluir que foram os vapores da cola que usara, que ainda não haviam secado por completo, que o intoxicaram. Doeu-me ainda mais por perceber que fora eu que o matara, mesmo que inadvertidamente.
Foi nessa tarde, há quase quarenta anos, que tive a certeza que o meu prazer fotográfico não se pode sobrepor ao direito à vida. Animal ou vegetal. Racional ou irracional.
As fotografias que faço de seres vivos, fraquinhas por sinal, têm por primeira prioridade o preservar a integridade do assunto. Nem sequer o colher de uma flor faço.
Que a minha “necessidade imperiosa” de fotografar não se sobrepõe ao direito à vida. No pequeno mundinho em que existo ou no universo.



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domingo, 4 de novembro de 2018

Detalhes




O tipo de humor e as indumentárias podem ajudar-nos a datar esta piada encontrada num velho livrinho humorístico.
Mas há um detalhe que ajuda a limitar no tempo, que talvez só os fotógrafos percebam:
Um flash de lâmpada descartável?
É que, ao que sei, foi na década de ’70 do séc. XX que os flashs electrónicos, como hoje conhecemos, começaram a ser difundidos, com as vantagens que possuem em relação aos de lâmpada de vidro com filamento de magnésio, que se queimava por inteiro quando activado e impedindo segunda utilização.
A versão mais recente deste tipo de flash foi o “magic cube”, aplicáveis a câmaras de baixo custo e que permitiam quatro fotografias cada um, havendo que os rodar para usar a face seguinte do cubo de plástico.



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Munições




E se, no final do desfile militar, se aperceberem que não há munições nas armas e cartucheiras, não pensem que foi um efeito de Tancos.
Já começaram a parada assim, por questões de segurança.



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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Na memória




Estávamos em Novembro de 2015. Na Assembleia da República votava-se a continuidade ou não do governo de Pedro Passos Coelho. Cá fora, a multidão seguia o que podia através da rádio, bem mais rápida e fiel que as redes sociais.
Quando o resultado se soube, correu por aquela mol de gente uma alegria incomum, em que conhecidos e desconhecidos se abraçavam e beijavam. Eu incluído, apesar do meu “disfarce” de fotógrafo, com a tralha na mão, ao ombro e a mochila nas costas.
A dado passo alguém gritou perto de mim uma palavra de ordem em desordem com as demais:
“Já caiu, já caiu, vão p’ra puta que o pariu! Já caiu, já caiu, vão p’ra puta que o pariu!”
Um rastilho não seria tão rápido. E, em menos de nada, éramos uns milhares a assim gritar, a plenos pulmões ou nem tanto.
Não recordo o rosto de quem primeiro o disse. Era um destes, talvez que mais à direita do enquadramento. Mas o grito ficou, ecoando naquelas paredes que tantos gritos já ouviram.
Quando, não muito tempo depois, alguns deputados se nos juntaram na rua para aquela celebração, o grito ainda se ouvia, aqui ou ali.
E recordo, a par do grito e da alegria, que um dos deputados que se juntaram à turba alegre e festiva era Jorge Falcato, na sua cadeira de rodas. Que se o Parlamento ainda não estava adaptado a pessoas com mobilidade reduzida, isso não o impediu de sair à rua e festejar.
Só o arquivo ou a net me dizem com rigor a data de tais acontecimentos. Dez de Novembro de 2015. Mas o que vi e ouvi jamais me sairá da memória.



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Ruído



“Como Serge Daney gosta de dizer, “ficamos cegos diante da hipervisibilidade do mundo.” De tanto ver já não vemos nada: o excesso de visão conduz à cegueira por saturação. Essa mecânica contagia outras esferas da nossa experiência: se antigamente a censura era aplicada privando-nos de informação, hoje, ao contrário, consegue-se a desinformação imergindo em uma superabundância indiscriminada e indigerível de informação. Hoje, a informação cega o conhecimento.”
By Joan Fontcuberta, in “A Câmara de Pandora”

E eu acrescentaria:
O mesmo se pode dizer, sem sombra de dúvida, da fotografia.
De tanto vermos fotografias sofríveis ou medíocres, perde-se a noção do que é bom ou não, afinando os nossos padrões por baixo. 
É aqui que livros, exposições e alguns sites, em que as escolhas podem ter duvidosa qualidade mas não costumam ser, servem para definirmos e aferirmos os padrões do que entendemos por bom e muito bom. 
E por bom não entendamos apenas o clássico, as abordagens convencionais e os jogos de cor, luz e composição de acordo com as regras habituais.
A experimentação, o fazer diferente, o insólito abordar de algo que estamos fartos de ver mas que nunca imaginaríamos registado daquela forma, mesmo e principalmente que à margem do convencional, fazem parte do “bom” ou “muito bom” desde que falem connosco. 
As mais das vezes, não é isto que encontramos nas redes sociais ou nas revistas massificadas de fotografia. 
Vendo a quantidade quase que incontável de imagens fotográficas que são disponibilizadas todos os dias, quase que podemos ficar com a ideia que foram feitas por apenas um pequeno punhado de pessoas, de tão semelhantes e inócuas que são. 
O ruído provocado pela superabundância de fotografias sofríveis, ou nem isso, impede-nos de ver ou reconhecer boas imagens.

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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Férias e manguitos




Depois de ler um pequeno ensaio sobre o conceito de férias (em casa, na terra, em terras distantes, os descanso e o aburguesamento do descanso) fiquei com uma dúvida terrível:
Pode um fotógrafo, ou qualquer outra pessoa que tenha uma actividade criativa, estar de férias? Realmente de férias?
Um engenheiro, um amanuense, um talhante, um advogado, um mecânico, podem, em estando de férias, deixar para trás toda a sua actividade profissional, guardando numa gaveta da mente os problemas. E, estando de férias, não ser estimulado pela que vê ou ouve para algo comisso relacionado.
Não creio que seja possível a um escritor ignorar os comportamentos humanos, guardando pequenos retalhos para os seus romances. Ou um compositor não pode não ouvir as melodias ou ritmos do marulhar das ondas ou do chilrear dos pássaros. Mesmo em tratando-se de uma tempestade ou do feio grasnar de uma gaivota.
Por seu lado o fotógrafo, e aqui falo com conhecimento de causa, mesmo que não tenha a câmara consigo, mesmo que não esteja a olhar para fotografias on-line, impressas ou expostas, não consegue deixar de apreciar uma perspectiva, um jogo de luz, um contraste de cores ou um momento único da fauna ou flora, humanos incluídos.
Quantos de nós, que fazemos da fotografia o alimento do estômago ou da alma, não comentámos ou pensámos “Que pena não ter aqui uma câmara”? Ou, mais utopicamente, quantos de nós não desejámos já que os nossos olhos fossem câmaras?
Não creio que um fotógrafo possa em algum momento estar realmente de férias.
O mais que pode acontecer, e uma vez mais falo com conhecimento de causa, é dizermos que estamos no defeso. Ou seja, que não materializamos o que vemos ou imaginamos que vemos, mas tão só estamos a guardar pistas ou quejando para trabalhos futuros.
Um fotógrafo que o seja realmente, artista ou artífice, nunca poderá fazer um real manguito ao que faz!



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