O episódio aconteceu há mais de trinta anos e nunca me
esqueci dele.
No peitoril da janela apareceu um insecto voador. Bonito, de
cores pouco comuns, quis logo fotografá-lo. Mas haveria que o “segurar” até eu
estar pronto. Um copo com a boca para baixo fez a festa.
Mas para o fotografar o copo não servia. Através do vidro a
imagem seria má, de boca para cima fugiria. Inventei!
Sacrifiquei uma caixa de um filtro redondo, a que cortei o
fundo de uma das metades, colando-lhe um vidro (que tinha para fazer um filtro
neutro com negro de fumo). Deste modo, teria o bonito animal seguro, sem lhe
fazer mal e em condições para ser fotografado.
Preparei o material (câmara, tripé, luz, etc.) e, depois de
assegurar enquadramento e exposição, fiz a transferência dele do copo para a
caixa. Coloquei-a sob a objectiva e ainda fui a tempo de assistir pela ocular
ao seu estertor moribundo.
Doeu-me! Doeu-me fundo!
A última coisa que eu queria era fazer mal ao pobre bicho,
sendo garantido que o libertaria depois das fotografias feitas. Sem uma
beliscadura. Agora vê-lo morrer assim… Doeu-me!
Passada a emoção, tentei perceber o que a havia provocado. E
acabei por concluir que foram os vapores da cola que usara, que ainda não haviam
secado por completo, que o intoxicaram. Doeu-me ainda mais por perceber que
fora eu que o matara, mesmo que inadvertidamente.
Foi nessa tarde, há quase quarenta anos, que tive a certeza
que o meu prazer fotográfico não se pode sobrepor ao direito à vida. Animal ou
vegetal. Racional ou irracional.
As fotografias que faço de seres vivos, fraquinhas por
sinal, têm por primeira prioridade o preservar a integridade do assunto. Nem
sequer o colher de uma flor faço.
Que a minha “necessidade imperiosa” de fotografar não se
sobrepõe ao direito à vida. No pequeno mundinho em que existo ou no universo.
By me
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