terça-feira, 6 de novembro de 2018

Aprendizagens




O episódio aconteceu há mais de trinta anos e nunca me esqueci dele.

No peitoril da janela apareceu um insecto voador. Bonito, de cores pouco comuns, quis logo fotografá-lo. Mas haveria que o “segurar” até eu estar pronto. Um copo com a boca para baixo fez a festa.
Mas para o fotografar o copo não servia. Através do vidro a imagem seria má, de boca para cima fugiria. Inventei!
Sacrifiquei uma caixa de um filtro redondo, a que cortei o fundo de uma das metades, colando-lhe um vidro (que tinha para fazer um filtro neutro com negro de fumo). Deste modo, teria o bonito animal seguro, sem lhe fazer mal e em condições para ser fotografado.
Preparei o material (câmara, tripé, luz, etc.) e, depois de assegurar enquadramento e exposição, fiz a transferência dele do copo para a caixa. Coloquei-a sob a objectiva e ainda fui a tempo de assistir pela ocular ao seu estertor moribundo.
Doeu-me! Doeu-me fundo!
A última coisa que eu queria era fazer mal ao pobre bicho, sendo garantido que o libertaria depois das fotografias feitas. Sem uma beliscadura. Agora vê-lo morrer assim… Doeu-me!
Passada a emoção, tentei perceber o que a havia provocado. E acabei por concluir que foram os vapores da cola que usara, que ainda não haviam secado por completo, que o intoxicaram. Doeu-me ainda mais por perceber que fora eu que o matara, mesmo que inadvertidamente.
Foi nessa tarde, há quase quarenta anos, que tive a certeza que o meu prazer fotográfico não se pode sobrepor ao direito à vida. Animal ou vegetal. Racional ou irracional.
As fotografias que faço de seres vivos, fraquinhas por sinal, têm por primeira prioridade o preservar a integridade do assunto. Nem sequer o colher de uma flor faço.
Que a minha “necessidade imperiosa” de fotografar não se sobrepõe ao direito à vida. No pequeno mundinho em que existo ou no universo.



By me

Sem comentários: