segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Liberdade e poder



 

Em 1871, em França e durante a Comuna de Paris, os revoltosos deixaram-se fotografar nas barricadas, orgulhosos de serem alvo de fotografia, coisa de elite então, e orgulhosos da causa pela qual combatiam.

Esmagada a revolta, as forças governamentais identificaram-nos pelas fotografias, detiveram-nos e fuzilaram-nos.

Em 1992, em Los Angeles e durante uns violentos motins por motivos raciais, um jornalista amador foi para as ruas registar os acontecimentos com a sua câmara de vídeo.

Acalmada a multidão pelas forças policiais e militares, os tribunais exigiram-lhe as cassetes para identificar os amotinados, coisa que ele recusou fazer. Foi preso, julgado e condenado a pesada pena de prisão, acabando por ser libertado após a intervenção de movimentos cívicos.

Em 2020, em França, foi aprovada uma lei que permite a utilização de registos de imagem, incluindo drones, por parte das forças da ordem durante manifestações e a identificação facial por meios digitais durante as mesmas.

Ao mesmo tempo, proíbe e pune os cidadãos que façam fotografias ou vídeos dos agentes policiais ou militares durante a sua acção sobre civis. Em manifestações ou não.

Agora, em Portugal, o presidente do Chega quer proibir, punindo com pena de prisão, a captura e difusão de imagens ou vídeos de actuação policial, especialmente sobre "grupos étnicos ou raciais minoritários", através de uma proposta para alterar o Código Penal.

 

Fica um resumo histórico, forçosamente incompleto, e o alerta sobre a sua repetição na actualidade.


By me

sábado, 28 de novembro de 2020

Ir ao cinema


 


Quando as pipocas invadiram as salas de cinema eu deixei de ser um espectador assíduo.

Ele é o cheiro das pipocas que nos é imposto, gostemos ou não dele… ele é o ruído do consumo, que nos impede de aceder ao som na sua plenitude… ele é o terminarem a projecção aquando da ficha técnica final, para que haja tempo de limpar a sala antes da sessão seguinte…

Se eu vou pagar para ver um filme quero-o a ele e não a toda esta poluição sonora e olfactiva. E quero o filme por inteiro, e não apenas o que o exibidor entende que devo ver e ouvir.

Fiquei agora a saber que a Direcção Geral de Saúde proibiu, por motivos sanitários, o consumo de pipocas e refrigerantes nas salas de cinemas.

Claro que isso afecta o negócio, que por vezes mais parece de restauração que de espectáculos. E coloca em risco muitos postos de trabalho, com tudo o que isso significa para essas vidas.

Mas talvez que a medida fique para sempre e eu volte a ser um consumidor regular de cinema, vendo-o na plenitude do grande ecrã, ouvindo-o na magnificência dos multi canais e sem incómodos adicionais.


By me

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Pré-epitáfio


 


Em tempos conheci um mestre!

Sócio na traineira que comandava, nos mares algarvios e na costa Vicentina, o Mestre Luís Benjamim era um homem ímpar.

Firme no leme e no sonar, assim como com a companha, a sua generosidade para com o mar e a gente que o amanhava era enorme. Mas bem maior que ela era o gosto que tinha pelo que fazia. Meio a sério, meio a brincar, costumava dizer que era no mar e junto da roda do leme que gostaria de morrer.

A vida, mãe ou madrasta como quiserem, fez-lhe a vontade. Uma noite o coração colapsou-se-lhe enquanto que com as mãos na roda buscava cardume.

Quando o soube, muito tempo depois, sorri e disse de mim para mim que era assim que gostaria de morrer: fazendo algo de que goste!

Há pouco, quando preparava o saco da “tralha” antes de sair, não tive dúvidas!

Não sei o que o futuro me reserva, ainda que provavelmente decidido por mim. Mas se puder escolher ou dar uma ajudinha, gostaria que fosse a fotografar. A tentar fazer com que a luz que vejo se materialize no papel ou no ecrã, se possível provocando algumas reacções a quem as veja.

E na minha tumba, se a isso tiver direito e se se justificar, no lugar de uma cruz coloquem uma objectiva encastrada num cérebro.

Afinal, é isso que tenho feito quase toda a vida!


By me

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Liberdade




 “ - O que é para si a Liberdade?”

“ - É ser livre numa prisão!

Todos nós vivemos numa prisão que nós mesmos construímos.

Porque nos impomos limites. Porque temos receio de os ultrapassar.

Acho que o próprio do Homem não é viver livre em liberdade de facto. É viver livre numa prisão!

Todos nós temos uma polícia política interna, cheia de proibições e de regras em relação as nós mesmos.”


Citação: António Lobo Antunes

Imagem: by me

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Festividades


 


Vejamos assim:

O Natal é uma festividade a três tempos: religiosidade, familiar e comercial.

Quanto à religiosidade, a celebração do nascimento de Jesus e a relação dos crentes com o seu deus, não creio que tenha que ser feita em conjunto. Se as preces têm que ser feitas no templo e em grupo, tanto as de alegria quanto as de pedidos, então não faz sentido as recomendações para que se reze diariamente, em casa, nas refeições, ao deitar e levantar…

Quanto à familiar, sejamos honestos: a maioria das reuniões de família resultam de hipocrisia, que há sempre quem passe todo o ano sem falar com os restantes, ficando reservados os sorrisos e os abraços para a consoada. E se as famílias só se sentem unidas e felizes aquando do Natal, que pobres vidas têm no resto do ano.

Resta a comercial. A obrigatoriedade de comprar prendinhas ou prendonas, os incentivos ao consumismo útil e inútil, as decorações mais ou menos estilizadas das ruas e montras… tudo isto em pouco se relaciona com a religiosidade ou família. Mero negócio, meras despesas, por vezes sacrifícios, com algo que pouco depois se esquece ou guarda numa gaveta esconsa.

Quando oiço governantes a alertar que este Natal vai ter que ser diferente, com limitações ao comércio e às reuniões… se calhar, para além de ser recomendável no que respeita à saúde pública, será também uma salutar mudança de hábitos sociais, tornando as relações mais honestas e menos conflituosas.


By me

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Saber em pó


 


Um dos problemas da actual sociedade de informação é ela mesma: a informação!

Quer seja através dos meios convencionais quer seja através das novas tecnologias, temos todos os dias mais informação, acesso a mais conhecimento. Em variedade e profundidade.

Mas esta é também a sociedade de consumo. Há que consumir mais e mais, que assim somos levados pelas campanhas de marketing e pela definição de status social.

E quando misturamos conhecimento com consumo o resultado da fórmula redunda em superficialidade. Não há tempo para aprofundar o conhecimento em tantas e tão várias áreas. E fica-se pela superfície.

 

Exemplificando, e forçando um pouco a nota:

Depois de se ler um artigo de 100 palavras sobre física nuclear, passa-se a outro sobre botânica, seguindo-se direito internacional, motores de combustão interna, culinária e termina-se a manhã com economia.

E, depois de os ler, fica-se com a sensação de “saber” sobre a matéria. Não nos damos ao trabalho de questionar as ideias lidas, que isso levaria a procurar outras leituras e autores, a aprofundar o sentido de cada palavra, frase ou conceito. E, em chegando ao fim da manhã, não teríamos passado, talvez, de meio do primeiro artigo. Com sorte!

E, quando mais tarde, em torno de uma imperial vespertina no café ou de uma bica na cantina, passaríamos por ignorantes. Saberíamos alguma coisa de um tema, mas os outros passar-nos-iam ao lado. Que vergonha social, não se saber nada de tantos assuntos!

 

Mas, tão ou mais grave que este consumismo de conhecimento, com fórmulas instantâneas de saber, é não só a falta de curiosidade de quem consome como a superficialidade dos meios onde se consome. São os artigos breves, os guias práticos, o saber para totós. Que entopem quiosques, livrarias, grandes superfícies e páginas web.

E esta super-abundância de conhecimento por atacado, de incentivo à superficialidade do saber, transforma-nos em idiotas doutores, que tudo sabemos sobre coisa nenhuma e que nada sabemos sobre tudo.

E como as fontes são semelhantes, tipificadas, minimalistas, quando se ventilam ideias, se trocam opiniões, os pressupostos são os mesmos: as mesmas origens, as mesmas superficialidades. E o resultado é nulo!

Os argumentos apresentados nas conversas são os mesmos, baseados nas opiniões de outrem, sem que os próprios tenham tido perguntas para as quais tenham procurado respostas. Em existindo discordâncias de opiniões, a profundidade com que os assuntos são sabidos é tão pequena, que pouco mais podem fazer os oponentes que recorrer a chavões e frases feitas, porque lidas no guia prático ou no suplemento dominical.

E, ao sair-se do café ou ao fechar-se o chat, fica-se satisfeito consigo mesmo porque se demonstrou saber e decepcionado com o vizinho ou colega, que não entendeu a frase linda e bem sonante que ouviu e que, prazenteiramente, lhe dissemos.

E, desta “Conversa da Treta”, que lucraram os interlocutores? Nada, para além do convívio e do alimento do ego.

 

Vem toda esta algaraviada a propósito de uma pergunta que me foi feita num blog: “Quantas pessoas pensas tu que lêem os teus textos até ao fim?”

Sei que são algumas. Não muitas, mas algumas.

Que, da mesma forma que procuro que aquilo que vou aprendendo seja algo mais que o conteúdo de um guia prático e, de preferência, com mais de 100 palavras, também tento que as minhas argumentações não se fiquem só pela rama.

Que frases feitas há-as nos dicionários humorísticos e conhecimento em pó suspeito que em supermercados e, certamente, em instituições de ensino por atacado.


By me

 

domingo, 15 de novembro de 2020

Coisas velhas

 


 

As memórias são como as cerejas: surgem umas atrás das outras.

Hoje recordei tempos antigos porque vi, mostrei e discorri em torno de uma fotografia antiga dos meus tempos de escola.

E, com essas memórias, outras vieram, no mesmo local e tempo, ligadas a algumas outras posteriores.

Esta escola primária era pequena e instalada num rés-do-chão de um prédio. O pátio de recreio acontecia nas trazeiras, de terra batida e onde existia uma árvore que não recordo ter tido folhas, pelo que presumo estar morta à época.

Os alunos distribuiam-se por duas salas, uma para a primeira e segunda classes, outra para a terceira e quarta. Eramos todos rapazes, normal nesses tempos, excepção feita a uma menina, que era filha da dona e directora da escola. Recordo o seu nome mas, a bem do bom recato, aqui não o referirei, tal como nenhum outro. Nem mesmo o da funcionária da escola que, anos passados e já no liceu, continuei a visitar até que faleceu já velhinha.

O que também recordo foi a inconsequência de actos pouco recomendaveis que ali aconteciam. Refiro-me, muito concretamente, a dois irmãos que partilhavam a sala comigo. Terríveis e muito solidários entre si, juntavam-se com mais um ou dois para agredirem aqueles que não “alinhavam” nos seus esquemas.

Lembro, quase como que de ontem, o amarrarem algumas das suas vítimas (eu fui uma delas) na árvore, aquando dos intervalos, e açoitarem-nos com os cintos. Ou usarem pedras nas mãos quando resolviam as coisas sem amarras, com os seus cúmplíces a impedirem os demais de pararem os “massacres”. A coisa era feia!

E recordo uma ocasião em que me foram buscar à escola, que sangrava da cabeça e do nariz, e de me perguntarem porque não tinha eu reagido também com violencia. E de eu ter respondido que a pancadaria não resolvia as coisas e que eu não bateria em ninguém.

Anos mais tarde vim a encontrá-los no liceu. Todos nós já mais velhinhos e mais “sabidos” Tinham eles um “regimento” de seguidores e a sua técnica era mais requintada: mandavam os demais “arrear” nas vítimas, ficando eles de parte a assistir e ficando impunes, se houvesse investigação. De uma dessas vezes deram-se mal, comigo. Quando me apercebi que “ía sobrar para o meu lado”, evitei os enviados e ataquei a sério, na mesma moeda, um dos mandantes. Foi remédio santo, para mim, que não mais me importunaram.

Nos entretantos, acontece a revolução de Abril e as nossas vidas apartaram-se, com a minha mudança de liceu. Mas mantive-me mais ou menos atento ao que no anterior se passava.

E fiquei sabendo que esses irmãos foram mais que uma vez detidos por militares primeiro, por polícia depois, devido a acções violentas entre os estudantes liceais, naqueles tempos conturbados. Sempre com acusações de “contra-revolução” e, constava, com armas evolvidas.

Os anos passaram, muitos. E, há coisa de uns dois ou três anos, sou surpreendido com uma entrevista televisiva. O entrevistado era alguém que lutava por um lugar numa instituição bem conhecida no país. Não o reconheci pela imagem. Mas o nome acordou-me memórias velhas, e a voz parecia-me familiar. Fui investigar, que a net dá-nos muitas informações uteis. Era mesmo um desses irmãos. Prestei atenção.

O discurso era actual, sobre os temas em causa e denotavam um saber estar em altos postos. Mas, bem lá no fundo, e para quem lhe conhecesse o passado, não podia deixar de sentir a violência antiga quase selvagem, agora bem controlada com a experiência e a vida.

Felizmente, para a institução a que se propunha dirigir e para as demais que com ela se envolvessem, não conseguiu os seus intentos.

 

A memória é terrível e, estimulada ou não por fotografias, sons ou conversas, não morre. Mesmo que muito antiga. Fica adormecida algures num canto até que a vamos buscar e usar. E nem sempre é o melhor que recordamos.


By me

Em torno de uma fotografia


 

 

Esta fotografia tem cinquenta e um anos, mais ou menos uns meses.

Foi feita aquando da minha quarta classe, no pátio da escola que frequentei.

Dos que aqui estão recordo quase todos. Pela cara a maioria, pelo nome alguns. A uns acompanhei por uns anos, noutras escolas e aprendizagens, aos outros perdi o rasto.

Mas o que recordo, pessoas, espaço, árvore e janelas, não é agora importante. Esta fotografia, encontrei-a num envelope, junto com mais quatro, onde eu mesmo consto. Terão sido feitas por um fotógrafo “profissional”, que deveria correr pelas escolas da zona, aceitando as encomendas da memória para a posteridade. Várias da mesma criança, em várias situações, para que os familiares se sentissem tocados e as comprassem. Nenhuma espontânea, mas todas marcando uma época.

Mas o que também marca essa época, e acredito que o fotógrafo não contasse com isso, é o que consta no envelope que as contém: o preço.

Escrito a lápis a quantia de 100$00. Vinte escudos por cada fotografia.

E, se eu bem me recordo daquilo que minha família contava de quanto ganhava na altura, e eramos bastantes em casa, uma verdadeira fortuna. Para ser sincero, não quero imaginar o que, nessa altura, terá sido deixado de fazer para que estas fotografias tivessem sido compradas.

Pergunto-me agora se hoje, no séc. XXI, na era das tecnologias da informação e da banalização da imagem, se alguém faria tamanha despesa. De uma forma ou de outra, toda a gente tem uma câmara, tenha ela a qualidade que tiver. E aqueles que não as têm, provavelmente nem têm os seus filhos na escola.

E terão as imagens feitas hoje o valor comercial que esta teve nessa altura? Ou, indo um pouco mais longe: durarão as fotografias deste género, feitas com as técnicas e os suportes de hoje, tanto tempo?

 

Fica o alerta aos pais e avós dos tempos modernos para que acautelem e preservem as suas fotografias. E, se quiserem pôr a sorrir ou pensar daqui por umas dezenas de anos os que hoje são pimpolhos, ponham-lhes o preço atrás.

 

Texto by me

sábado, 14 de novembro de 2020


 


Foi há umas semanas.

Numa página de venda de material fotográfico alguém publicitava uma objectiva. Nada de especial.

O que tornava o anúncio fora do comum era o local onde a objectiva estava exibida: numa estante, frente a livros!

É uma das coisas que é esquecida, as mais das vezes, por quem quer fotografar um objecto: concentra-se nele, dando pouca importância à envolvente. E esta é quase tão importante quando o assunto principal.

Cria a ambiência que cria a carga emotiva ao tema ou objecto em causa. As linhas, as cores, a luz, os objectos por sim mesmos, o contraste ou concordância com o assunto… Tudo isto faz a diferença entre uma fotografia banal e uma que sobressaia da normalidade.

 

Decidi eu, num momento de ociosidade, fazer algo de semelhante. Escolhi um conjunto fotográfico em particular e com história e uma prateleira da minha estante. Esta não foi escolhida em função dos livros que lá constavam. Confesso que foi preguiça e optei por uma com poucos objectos à frete a serem retirados e a uma altura conveniente para não ter que fazer ginástica com as luzes e o tripé da câmara.

Já os objectos… Talvez se enquadrem no que têm atrás.

A câmara foi-me gentilmente oferecida, numa memória ou recordação de um bom amigo falecido.

A objectiva, um pouco mais antiga que a câmara, foi comprada numa loja de artigos usados e, para minha surpresa, tem exactamente a minha idade. A sua qualidade, creio eu, é superior à do actual dono.

O estojo, da mesma época do resto, foi comprado com a objectiva, como que fazendo conjunto, pese embora ser de outra marca.

Fica o exercício, feito meio a correr, com o intuito de matar o tempo e honrar uma fotografia que conseguiu prender-se a atenção.

Fica a informação adicional de que nada desta imagem está à venda.


By me

Photógrapho compulsivo




 Sou um photógrapho compulsivo!

Registo o que me aparece pela frente e me surpreenda, pela positiva ou negativa. Sempre, ou quase! Porque gosto de guardar o que de bonito vejo, porque quero denunciar o que de feio encontro. Seja por questões éticas ou estéticas.

Por vezes as minhas fotografias mostram o que senti, outras bem que precisam do reforço de umas palavras, de uma contextualização.

Neste caso… Bem, neste caso não sei se lá estará o que vi ou senti.

Mas a verdade é que, perto das dez da manhã e antes do café que me haveria deixar de bem com o mundo, enchi a alma com estes padrões, um misto da mão humana e do que a natureza é capaz de fazer, em qualquer buraquinho, quando recebe sol após uns dias de chuvadas.

Juro que bebi o café com bolo muito mais bem disposto e sorridente!


By me

sexta-feira, 13 de novembro de 2020




 Fico a saber que o mesmo partido que fez uma aliança com o Chega para formar governo nos Açores vem agora propor a utilização dos militares no comando das operações no combate à pandemia.

O que é que se passa neste país e que rumo está a tomar?

By me

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Ciclos


 


Esta fotografia tem sete anos. Feita em frente à casa da democracia, foi um grito de desespero, como muitos outros que vi e ouvi nesses tempos da Troica. Muitos outros, nas ruas e na vergonha e privacidade dos lares.

Eu esperava, acabada que foi a tróica, não voltar a ver ou ouvir disto. Pelo menos com a intensidade de então. Enganei-me!

O ciclo de sete anos, referido em inúmeros relatos e tempos, completou-se e estamos de novo a atravessar momentos em que este cartaz faz sentido para muita gente.

A única diferença de então para cá é que é muito mais difícil de atribuir culpas às gestões humanas. A natureza, tenha o nome que tiver, tem os seus próprios ciclos e impõe-nos, façamos o que fizermos.


By me

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Sobre a prática da democracia



 

Aquilo que me incomoda com a aliança entre o PSD e o Chega não é o facto de ter acontecido. Não sou eleitor ou simpatizante de nenhum deles, pelo que não me representam.

O que me atrapalha é não ter a certeza sobre os seus eleitores estariam informados que tal aliança poderia acontecer, considerando as diferenças ideológicas e de práticas entre ambos.

Ora se os deputados eleitos pelo povo foram-no para o representar e se fizerem ou decidirem coisas que os seus representados nem desconfiavam que pudessem fazer ou contrária à sua vontade…

Então haverá algo de errado no conceito e prática de democracia.


By me

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Protestos e opções


 


Ao que parece, a Ordem dos Médicos emitiu um parecer sobre prioridades nas urgências ou cuidados intensivos caso não haja vaga para todos os que chegarem. Por outras palavras, há indicações sobre quais serão preferidos e quais os preteridos.

Por outras palavras, mais duras de dizer ou ler, quais os que serão salvos e quais os que serão deixados a morrer.

Já há quem venha a terreiro a protestar. Que as coisas não podem ser assim, que todos têm direito aos melhores cuidados, que não se pode deixar ninguém à sua sorte…

Ora bem: ao que sei (e posso estar errado) esta escolha ou critério é comummente usada em cenários de guerra ou de catástrofes naturais em que os feridos chegam em catadupas e o pessoal médico ou de enfermagem não tem capacidade para tratar todos. Têm a dura função de escolher entre os que podem salvar e os que não podem.

De igual modo, sei que em tempos, nos partos complicados em que não é possível salvar mãe e nascituro, a regra era salvar a mãe. Não sei se ainda será assim.

Para os que protestam, lembro que se não estancarmos o fluxo de doentes nas urgências, a dado passo nem nos corredores caberão. E os que por lá andam a tentar salvar vidas terão que decidir, entre dois casos, qual vale a pena salvar.

Quais serão os critérios? Eu não quereria de ter que tomar uma decisão dessas. E o existirem orientações sobre o que fazer quando não houverem ventiladores suficientes, ou quejando, será uma boa ajuda às consciências dos que, já muito cansados e sem mãos que cheguem para todos, tenham que decidir.


By me

De arquivo, mas sempre actual




Uma ocasião pediram-me para usarem esta fotografia numa revista electrónica.

Claro que me senti lisonjeado e acedi, com a ressalva que ela tinha sido feita em torno do soneto “Liberdade querida e suspirada”, de Bocage, e que deveria ser publicada junto com ele. Acederam.

Qual não foi o meu espanto quando vejo, tempos depois, o referido soneto escrito sobre o lado esquerdo da fotografia. Letras brancas sobre o fundo escuro.

Não gostei. Nem um nico. Que, ao fazê-lo, todo o jogo claro/escuro que eu tinha criado se perdia com a mancha branca das letras. Não gostei!

Disse-o a quem o havia feito, tive que insistir e ser veemente e, vantagem dos processos digitais e on-line, foi alterado: o soneto escrito ao lado da fotografia, ambos impolutos e originais.

Não aceito que um editor de uma publicação subverta assim o trabalho criativo de um fotógrafo, seja o trabalho bom ou mau.

Sendo dado como pronto pelo autor, qualquer alteração sobre ele é criar nova obra, já não passível de respeitar a ideia original. Não aceito!

De igual modo não aceito que fotografias sejam impressas a duas páginas. Numa revista talvez escape, tal como num jornal. Mas não, de forma alguma, num livro.

A união das folhas, e porque a lombada e espessura do livro assim o obriga, impede o ver-se continuadamente todos os elementos (objectos, formas, cores, luzes, movimentos) que constam na imagem, desvirtuando-a e criando outras formas de leitura.

Uma fotografia impressa a duas páginas não é a fotografia original mas antes uma outra, com outro “ritmo”, gestão de interesses, sentidos de leitura, fraccionando-a mesmo.

E se o fotógrafo que a criou quis colocar algo em determinado ponto do espaço, desvalorizando todos os outros, não faz sentido, melhor, é um aviltar o trabalho original o impedir essa leitura ou importância.

Não gosto, não quero, não consumo!

Vem tudo isto a propósito de ter estado na “Feira do Livro da Fotografia”, em Lisboa. E que ainda decorre hoje, Domingo.

Nesta feira, entre outros aspectos, dá-se ênfase aos trabalhos de autor, às publicações que, mesmo com tiragens reduzidas, representam as abordagens de fotógrafos contemporâneos que usam este meio para divulgar os seus trabalhos. A sua forma de ver e sentir o mundo. Só posso aplaudir.

Acontece que alguns destes trabalhos exibem imagens a duas páginas. Impedindo o acesso integral à fotografia original.

Comentei isso com uma das pessoas que estava numa das bancas e a resposta surpreendeu-me. Ou não.

Perante o meu “Porque é que insistem em publicar fotografias a duas páginas?”, ouvi:

“Ah… e tal… é para dar ritmo ao livro… um livro não é apenas as fotografias exibidas, também tem personalidade própria…”

Ora batatas!

Então quando escolhemos um livro estamos a querer ver as fotografias de um determinado fotógrafo ou estamos a querer ver o trabalho de um determinado editor ou paginador?

Não questiono o trabalho destes. Ao fim e ao cabo, o tamanho das páginas, a ordem pela qual as fotografias são exibidas, se na página esquerda se na direita, se ao alto ou ao baixo, se todas com a mesma orientação ou salteadas… tudo isto faz parte do trabalho criativo de quem concebe e pagina um livro.

Agora, por favor:

Não queiram, com o pretexto da criatividade do paginador ou editor, subverter, adulterar, estragar, o trabalho de quem fotografou e que, no fundo, é a razão de ser do livro em si.

Vim da Feira da Livro da Fotografia com cinco livros. Que me deixaram com a carteira mais leve mas com a alma bem mais alegre. Trabalho de autor, compilações, texto, localização geográfica, históricos.

Mas nenhum com fotografias a duas páginas.


A liberdade criativa de um termina quando começa a liberdade criativa do outro!


By me

domingo, 8 de novembro de 2020

Prós e contras

 

Convenhamos que o Corona Vírus não tem apenas aspectos negativos.

Por causa dele, serão reduzidos ao mínimo, quando não a zero, os almoços ou jantares de natal das empresas ou de grupos profissionais, onde gente que passa o ano a cortar na casaca ou a espetar facas nas costas faz de conta que se dá muito bem, numa hipocrisia institucionalizada e obrigatória.


By me

sábado, 7 de novembro de 2020

“No jornalismo não se toca!”

 


 

Há uns dias, poucos, um discurso em directo do presidente dos EUA foi interrompido por três estações de televisão norte americanas.

Os jornalistas das respectivas estações de TV justificaram de imediato o facto, afirmando que o discursante estava a dizer inverdades, falsidades, mentiras.

Podemos aplaudir a decisão. Quer seja pela justificação, quer seja pela antipatia que se possa ter pelo Trump.

E se o segundo motivo se prende com emoções e preferências, já o primeiro está ligado a uma espécie de código de conduta dos jornalistas, em que a verdade estará acima de tudo.

No entanto eu pergunto: quem é que conhece algum outro caso em que a “verdade” tenha sido invocada para se interromper um discurso do respectivo presidente? Indo mais longe, quem é que conhece um caso, num país do chamado “mundo ocidental” em que a transmissão em directo de um discurso do respectivo presidente tenha sido interrompida?

Ou, de outro modo, conseguem imaginar que isto pudesse acontecer nos EUA se o discursante não estivesse na curva política descendente?

 

Vistas as coisas de outra perspectiva, o impedir alguém de falar, bloqueando-o, tem um nome feio que nos remete para outras épocas de má memória: censura.

Claro que oiço falar em ética jornalística, em códigos de conduta, em critérios editoriais, em respeito para com o público… São muitos os argumentos possíveis para justificar este acto censório. Que acontece, na prática, quando se retransmite um discurso, em que só as partes “importantes” são mostradas.

Mas num directo, em que o presidente do país está a falar, mesmo que na condição de candidato… é a primeira vez que de tal oiço falar.

E, o que é mais estranho, não oiço a classe jornalística a pronunciar-se contra um acto de censura feito pelos seus pares. Enfim: soube de uma ou outra opinião, isolada e pouco divulgada.

Mas, no seu todo, aconteceu um silêncio cúmplice ou um aplauso mais ou menos entusiasmado.

Eu diria que este foi o mais despudorado acto a que já assisti por parte do quarto poder. Poder este que, em oposição dos restantes três (legislativo, executivo e judicial), não é eleito pelo que não responde perante o povo que não pelas tiragens ou audiências e respectivo lucro.

 

Nota pessoal: Não gosto do actual presidente dos EUA. Nem da sua postura nem da forma como tem intervindo com os demais países. Mas também não gosto da forma como o quarto poder se entende acima de qualquer crítica ou das instituições democráticas, podendo exercer hoje impunemente aquilo que tanto criticou quanto ao passado: censura.


By me

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Códigos


 


Vivemos num mundo de imagens. Algumas bem claras e inequívocas, como a fotografia, o cinema e o vídeo. Outras, meros códigos ou convenções, como os sinais de trânsito ou os ícones informáticos. Outras ainda de interpretação nem sempre imediata, como é o caso dos logótipos comerciais.

De uma forma ou de outra, este produzir e consumir imagem tem por objectivo a simplificação da comunicação. Dentro da linha de “uma imagem vale mil palavras!”

E a evolução e a complexidade da tecnologia também assim o impele e obriga. Quem se recorda  dos computadores e das linhas de comando complexas, com palavras, letras e sintaxe rigorosas? Hoje o consumidor banal desconhece-as, usando tão só imagens e códigos visuais coloridos. Tal como noutras máquinas, os painéis de controlo são essencialmente compostos de símbolos e ícones, no lugar de palavras ou letras. Gradual mas firmemente, a imagem vai substituindo a palavra escrita.

E se isto sucede nos comunicadores formais de grande volume (industriais, media, audiovisual), sucede também com os comunicadores de pequeno porte mas a quem se destinam os primeiros: os consumidores individuais.

A tecnologia da imagem (fotografia, vídeo, infografismo) está ao alcance de quase qualquer um nas sociedades ocidentais, sendo que a sua posse e uso se torna quase que um símbolo de posição social, tal como o automóvel ou a marca de roupa que se veste.

A própria comunicação escrita convencional – a palavra – está a sofrer mutações. A técnica vai permitindo substituir as palavras e letras por símbolos gráficos – ícones de emoção, animados ou estáticos. Ou, mais simples ainda e menos tecnológico, a quantidade de letras usada na escrita vai diminuindo, com siglas, contracções e aglutinações.

De uma forma ou outra, a sociedade tecnológica e de consumo em que vivemos nos chamados “países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento”, a palavra escrita vai definhando em favor da imagem ou do grafismo visual.

Indo ainda mais longe e fazendo futurologia radical, estou em crer que dentro de algumas gerações (quatro, cinco, seis?) a escrita como a conhecemos hoje será um atavismo, usada apenas por lentes e estudiosos. Talvez também em documentos formais ou oficiais.

Esta hipotética evolução que antevejo não é nem boa nem má: é evolução. Mudanças nos hábitos e culturas, levadas a cabo pela tecnologia e globalização, tal como os copistas monásticos e os iluministas o foram com o advento da imprensa.

Mas, no meio de tudo isto, nesta sociedade em mutação baseada na imagem e comunicação, falha um aspecto vital: a preparação dos cidadãos.

A formação académica de base, de crianças e jovens, baseia-se nas letras e palavras, que ainda é a base actual da comunicação.

Mas não os prepara para saberem produzir ou consumir imagens. Prepara-os para saberem interpretar um texto escrito (por um romancista, jornalista ou um formulário) mas não para saberem ler uma fotografia, interpretarem um filme ou vídeo, descodificarem publicidade. E se não o souberem ler, interpretar, descodificar, serão estes agora jovens futuros adultos analfabetos. E serão alvos fáceis para os que, em sabendo-o, usem desse conhecimento em favor dos seus interesses económicos, políticos, ideológicos de qualquer género.

A cultura dos códigos iconográficos e da imagem está já aí! Sem que a maioria de nós de tal se aperceba. E um povo ignorante, inculto, desatento, é o sonho de qualquer governante, magnata ou líder religioso:

Dócil e obediente!

 By me