quarta-feira, 30 de setembro de 2015

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Culigação é uma ligação pelo dito?

Deve ser, que esta já cheira realmente mal!
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Eu e a luz



As coisas são como são.
Em tendo que remexer num computador que já tinha meio de parte, dou com este texto. E a respectiva imagem.
Já têm uns anitos, mas se o escrevesse hoje, não creio que mudasse uma vírgula.
Fica como está!

Eu e a luz
Ao longo dos anos vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência de uma luz de recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de trás) intensa.
Curiosamente só de há uns tempos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de observação ou de captação.
Por resposta encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.

Numa primeira abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela, se obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que basta que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a “queimar” ou quase.
Desta forma, as definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e o evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de criar como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça me tenha levado por este caminho.

Mas outras repostas podem ser encontradas, não tão simples.
A luz que vemos e que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos objectos. Vinda de uma qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível ou laboriosamente trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são reflectidos. Em regra não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é absorvida pelos materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção em que são permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).
Em qualquer dos casos, definimos leis e regras científicas para a radiação, reflexão e refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem que conhecer medianamente bem.
Mas a verdade é que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em “fotografar” é a reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos e registamos é, apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe chamemos “recheio”, “alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa reflexão de superfície.
Sendo verdade sou um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me cerca, tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da superfície aparente.
Uma forte luz de recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou atravessar o assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco para além das aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do termo mas também no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos fotografados.
Claro está que este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou “fiel”que queiramos que seja.
E, muito naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou provocar.

As explicações quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que sou do contra!
Tenho uma atitude de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira palavra que terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande maioria dos fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais suave ou mais contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato, na paisagem, na reportagem, faz todo o sentido que a minha atitude contestatária me leve a procurar outros caminhos, no caso, outros tipos de luz. O próprio termo “contra-luz” é bem elucidativo!

Um outro motivo, desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por fortes contra-luzes:
Há mais de uma vintena de anos que perdi a capacidade de visão normal da vista direita. Mantive a visão periférica, mas a frontal, a de detalhe, transformou-se numa mancha cinzenta, irremediavelmente.
Com esta “menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma convencional: a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a encontrar soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o saber a que distância se encontra um carro, ou o enfiar a linha numa agulha ou o descer de uma escada.
Mas o cérebro humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as sombras que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).
Acontece que se as sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque tapadas. É bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para o nosso lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do objecto – o contra-luz.

Seja como for, há que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para fotografia tornou-se bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à fotografia digital e ao processamento no computador. A tentativa e erro no controlo de contrastes é muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e tempo mínimo) que nos tempos do diapositivo ou do negativo.

Em qualquer dos casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar de um dado tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem ou o que quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba. Para saber porque o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias assim o exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de personalização.
E parar para pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo, é saber usá-lo.

By me

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Está um montão de gente particularmente chateada e preocupada com as notícias vindas a lume sobre marcas de automóvel enganarem os consumidores e as regras nos produtos que vendem.
Não sei porquê tanto escândalo.
Há umas dezenas de anos que duas ou três marcas bem conhecidas portuguesas vêm fazendo o mesmo e, no entanto, há uns milhares de portugueses que continuam a acreditar no que anunciam.
Pior que isso: sabendo-o, continuam a assinar de cruz um contrato a prazo de quatro em quatro anos com essas marcas.

Não estará já na altura de mudarmos de fornecedor?
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Rosa azul 130



O teatro permite-nos fazer disto.


By me

terça-feira, 29 de setembro de 2015

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Juro!

Por vezes tenho vontade de comprar uma sirene de nevoeiro de navio e instala-la ligada sob a almofada daqueles que gostam de ter alarme no carro mas que nada fazem quando toca.

Auxiliares de memória



Vocês que me desculpem!
Mas quando vejo este tipo de conteúdo em sacos (ou mesmo fora deles) não consigo deixar de me lembrar de uma boa quantidade de nomes, e caras, que gostaria de ver bem calcetadas.
Aliás, até que poderiam ser mal calcetadas, por mim, por exemplo.
À distância, com força e pontaria, até esgotar a reserva de pedras.


Estou em crer que também terão alguns nomes ou caras que assim gostariam de ver tratadas.

By me 

Folhas d'aço



Folhas d’aço na floresta de betão  

By me


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Pensava que já não havia disto, mas parece que voltou a moda:

"Greetings to you, I am barrister Robert Kane. I'm contacting you to help me receive a huge sum of money belonging to my late client. He died some years back and since then no one has come for the money which is the reason i contacting since you bear same last name with him. Kindly get back to me as as you receive this mail for more details."
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Privatizando a democracia



Tenho vindo a afirmar o meu repúdio pela exclusividade partidária no acesso a lugares no parlamento.
A minha tese não tem colhido grande apreço junto de quem dela toma conhecimento. Ou nem contestam, ou fazem um sorriso irónico ou, aqueles que se dão ao trabalho de responder fazem-no com um “Pois, mas são os partidos que garantem a pluralidade de opiniões” ou “São eles o garante da democracia” e coisas semelhantes.
Mas continuo com a mesma opinião.
Não há leis ou vontades eternas, nem circunstâncias que se não alterem. E se, aquando da redacção da actual constituição, fazia sentido essa exclusividade, hoje não o faz.
Na época, 1975, os portugueses estavam ainda a aprender o que era viver em democracia, depois de mais de uma geração sem ela. A taxa de analfabetismo era gigantesca. O acesso à informação era diminuto e mesmo condicionado pelas lutas de poder e manipulação de conteúdos. Fazia sentido juntar em torno de organizações as tendências para que as escolhas no acto eleitoral fossem mais fáceis ou óbvias.
Hoje não é assim!
Ainda que existam analfabetos, a taxa é quase menos que residual. A democracia tem mais de quarenta anos. A informação está ao alcance de todos e de variadíssimas formas. A ausência de conhecimento sobre propostas e percursos dos candidatos só acontece se e só se os cidadãos as quiserem ignorar. Estejam os candidatos agrupados em torno de partidos ou não.
Por outro lado, o limitar o acesso ao parlamento à exclusividade de partidos impede que outras sensibilidades aí se façam ouvir. Limita a responsabilização dos actos dos deputados perante os eleitores. Facilita a disciplina partidária em desfavor da relação deputado-eleitor.
Mas eu explico um pouco melhor:
Um partido político, mesmo tendo por objectivo o estar ao serviço do país, é uma entidade privada. Só a ele acede quem pelos seus membros for aceite, tem que cumprir os estatutos previamente definidos, tem que respeitar a disciplina interna e a obediência às estruturas dirigentes. Por outras palavras (e de novo) um deputado eleito por um partido tem responsabilidades e fidelização ao partido bem antes e mais importantes que as que terá para com os eleitores.
Mais ainda: aquando de eleições as opções propostas aos eleitores são as de listas de pessoas pertencentes a partidos ou nelas aceites com o estatuto de independentes. Mas essas listas não são disponibilizadas aos cidadãos de uma forma clara e aberta. Quem as quiser saber terá que se dirigir algures a um local que não as assembleias de voto. O que impede, por exemplo, o recusar eleger alguém sobre quem se tem uma opinião negativa, já que nem se sabe que consta na lista daquele partido.
Da mesma forma, a substituição de deputados no parlamento acontece com um mínimo de publicidade. Uns saem, outros avançam e os eleitores nem se apercebem do facto. Excepto se forem muito atentos às notícias ou se se tratar de alguma figura proeminente no panorama político.

Indo mais longe na questão da disciplina partidária acima do respeito pelo eleitor, temos alguns casos relativamente recentes que bem o evidenciam.
Um deputado que foi punido pelo seu partido por, no parlamento, ter votado à revelia da disciplina partidária o orçamento de estado do ano em curso;
A ameaça de expulsão de militantes que se candidataram ou apoiaram outras candidaturas que não as do seu partido aquando de eleições autárquicas;
O ser notícia de primeira página haver deputados que se propõem votar contra o orçamento de estado de um dado ano, ainda que apresentado pelo seu partido.
Ou seja: os membros de um partido devem obediência, antes de mais, ao seu próprio partido. E só depois podem agir em prol dos seus eleitores, tal como se comprometeram.

Ora eu tenho como dogma que um eleito representa os interesses dos eleitores antes de mais. E isso não é possível se ele tiver outros interesses mais relevantes.
Defendo, assim, que o acesso ao parlamento, onde são feitas as leis que regem o país e as relações entre cidadãos, deve ser aberto a todos os cidadãos, inscritos ou não em organizações privadas. E que respondam, antes de mais, aos eleitores que os elegem.
Que isto de ter entidades privadas a gerir a coisa pública a que chamamos de País só se encaixa na democracia à luz das opiniões dos partidos que têm estado a governar e cujo objectivo é, claramente, destruir o estado em favor de privados.


A democracia não é privada!  

By me

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Rosa azul 054



Tenho para mim que um fotógrafo é um contador de histórias.
Histórias suas, histórias dos outros, histórias reais, histórias ficcionadas. Mas é um contador de histórias.
Um bom contador de histórias, usando a fotografia para tal, fica-se pela imagem fotográfica.
Será ela suficientemente elucidativa para que a imagem mental criada pela fotografia em quem a vê para que mais nada faça falta. E a história fique contada.
Por vezes, os meios necessários a tal são de tal modo complexos e dispendiosos que tal não se consegue. Intervenientes, espaço, tratamento cénico e de luz, tempo… as mais das vezes as histórias que queremos ficam por contar porque algo ou muito nos falta. Ou capacidade criativa para tal.

A grande vantagem da fotografia de cena (teatro, cinema, vídeo) é que a história está toda lá. A única coisa que o fotógrafo tem que fazer é aproveitar todo o manancial de representação, encenação, cenários e luz e a história está naturalmente contada.
Se em muitas imagens, se em poucas imagens, já depende da capacidade de quem fotografa, o poder de síntese e o conhecimento da história a contar.

Foi este o caso. Creio que está aqui bem retratada esta personagem. Pelo menos como eu a vi, por entre representação, espaços e luz.

Um obrigado a quem tal me proporcionou.

By me 

Rosa azul 099



Há fotografias das quais me orgulho de ter feito.
Esta é uma delas!
O mérito, a ter algum, é o de ter estado no momento certo no local certo.
Que na representação e na iluminação em nada intervim.

Foi bom ter, de novo, a oportunidade de fotografar as tábuas.

By me 

Temos pena



Temos pena, há quem diga.

Excepto o pombo.  

By me

A Lua no bosque



Sei que muitos terão sido os que esta noite estiveram de olhos postos no alto, com ajuda das suas câmaras, a fotografarem a Lua.
Numa noite em que se conjugou a raridade de esta se encontrar mais perto de nós com o respectivo eclipse. Ou, se quisermos, em nós próprios quisemos ofuscar a luz dos namorados, ensombreando-a.
Um desafio à perícia fotográfica e às capacidades dos equipamentos.
Não me entretive com tal.
Por um lado, porque à hora em que tal aconteceu e foi notório, teria eu que estar a dormir que a jornada será longa e dura.
Em seguida porque os deuses não foram particularmente simpáticos aqui para os meus lados e brindaram-nos com uma neblina que, para além de fresca e húmida, nos limitava a visibilidade.
Por fim, por saber que um qualquer registo da Lua será um qualquer registo da Lua, não sendo possível a quem o vir assegurar se trata de uma Lua grande e num momento especial se uma Lua normal captada com equipamento potente. E é sabido como os jogos de escalas e perspectivas, com ajudas de editores de imagem, podem facilmente enganar os incautos.

Esta que aqui vedes data de 2012. Feita perto da meia-noite, num Agosto simpático, com uma mais que modesta câmara de bolso.

By me 

domingo, 27 de setembro de 2015

Opiniões



Um destes dias emiti uma opinião sobre o trabalho jornalístico.
O tema dá pano para mangas e não era o local ou o tempo para tal.
Mas quem me ouviu ficou melindrado. Afinal, estava a entrar-lhe em casa.

Tenho o azar de saber, mais ou menos por dentro, o que são “critérios editoriais”, o que é escolher-se este ou aquele profissional para “cobrir” este ou aquele assunto, o que é não se cruzar fontes ou que fontes se cruzam, o que é o contraditório… e quais as reacções perante críticas ou observações sobre a exactidão desta ou daquela abordagem.

A minha opinião, baseada numa já longa experiência, não é a melhor, pese embora tenha o grato prazer de conhecer excepções.

Quanto ao resto, e para usar uma frase de um compincha de trabalho, “A minha opinião vale o que vale: vale um.”

By me

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Parece que Pedro Passos Coelho terá afirmado “Vamos combater o ciclo vicioso da pobreza”.

Acho que ele não sabe o desejo que os cidadãos têm disso, começando desde logo por correr com ele e os da sua pandilha para os quintos do inferno.
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Prazer/ódio

Vejamos as coisas desta forma:
Três horas e meia a trabalhar com níveis rondando os 80 Lux, com variações até aos 40 Lux ou 160 Lux sem aviso prévio (rondando o EV 9, com variações até EV 7½ ou EV 10, para quem preferir) com avaliação nas variações sempre a “olhómetro” e com uma taxa de sucesso de 98,5% é obra!

Os fundos negros e a luz pontual é algo que agrada a inúmeros encenadores e desenhadores de luz. Qualquer fotógrafo odeia isso!
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Sobre o mau uso da fotografia e de como ela pode “mentir” com o acréscimo de umas palavrinhas



As coisas são como são, infelizmente.
Há coisa de três semanas esta fotografia começou a ser divulgada nas redes sociais, junto com outras equivalentes, relatando ser a fuga desesperada dos refugiados para a Europa.
Agora surgem as mesmas imagens como sendo a fuga desesperada de europeus para África, durante a segunda guerra mundial.
A demagogia e as mentiras fazem-me saltar a tampa, principalmente quando gente crédula vai na conversa e faz passar mensagens que nada têm de verdade.
Estas imagens são, como se constatará no link abaixo ou, em querendo, com uma pesquisa que cada um queira fazer, da fuga em massa da Albânia para Itália, em 1991.
Nada têm a ver, portanto, com a Síria, a Líbia, o Afganistão, a Turquia…


Acrescente-se, em abono da verdade e de acordo com o que pude saber aqui e ali, que estes desgraçados não foram particularmente bem tratados à sua chegada a Bari, na Itália.

http://imgur.com/gallery/OL3YC

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sábado, 26 de setembro de 2015

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A vida é uma enorme interrogação, pontuada aqui e ali com algumas exclamações entremeadas com reticências.

Ponto final   
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Once upon a time...



Uma câmara quase que arcaica nos tempos que correm e com menos resolução que muitos telemóveis de hoje;
Uma objectiva de entrada, das baratinhas;
Um tripé;
Um candeeiro de secretária;
Uns pedaços de cartolina preta;
Uma folha cartolina branca segura com a mão.  


Mais para quê?

By me

Gostava!



Gostava de poder aqui colocar pelo menos uma das imagens que fiz ontem.
Para que aqui ficasse o testemunho fotográfico de um prazer que tive.
Não posso!

As fotografias foram feitas num ensaio geral de um espectáculo teatral, que estreará hoje e, mesmo que feitas por mim, em boa verdade não me pertencem. Pertencem a todos aqueles e aquelas que deram, dão e darão o seu melhor para que durante um pedaço a plateia possa viver aquela história assim contada: ao vivo e a cores, sem intermediários e com a generosidade que é apanágio do teatro.
Não me pertencem!

Foi um regresso às origens.
Foi fotografando o que acontece nas tábuas que comecei, com muito orgulho e humildade. Foi com aqueles actores e actrizes que aprendi um pouco do pouco que sei. Foi com aquela encenadora (Luzia Maria Martins, de seu nome) que aprendi um bom pedaço do que é ir para além da superfície para mostrar o que está para além da superfície.
Aconteceu então, tal como agora, completamente por acaso. Como acontecem quase sempre as coisas boas da vida.
E o prazer foi idêntico. Tal como as dificuldades (Caramba! Porque é que os palcos têm sempre pouca luz????)
Não aconteceu agora aquela matemática terrível do ter que gerir a quantidade de imagens possíveis antes de mudar de rolo. Tal como não aconteceu a questão, igualmente terrível, da gestão das temperaturas de cor.
Mas aconteceu o recorrer às mesmas objectivas, fiéis que são mesmo passados trintas e tal anos.
E aconteceu, acima de tudo, o prazer de usar a fotografia para contar histórias!


Tentar reviver o passado é um disparate. Mas há ocasiões em que quase acontece.

By me

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Apontamento a ter em linha de conta no próximo dia quatro, pese embora a contradição filosófica.

By me

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

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Receita para um sorriso franco em três tempos:
Temperado a gosto com um sorriso discreto, serve-se a qualquer hora ou local

Primeiro tempo:
“Boa tarde.”, diz ele ou ela quando chego ao balcão ou me sento à mesa.
Segundo tempo:
“Obrigado, para si também: boa tarde!”, respondo.
Terceiro tempo:
Olhar de surpresa de quem está à minha frente, seguido do almejado sorriso.


Raramente falha  
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Vendedores



Porque é que eu não gosto lá muito de cuscar nas grandes superfícies com material ou equipamento fotográfico?
Porque, e por mais que pergunte, em nenhuma delas sabem o que é um “slave”. Ou mesmo um “escravo”. Ou, explicando por miúdos, um “trigger foto-eléctrico para flashs”.

Um dia um desses vendedores teve o desplante de me chamar de burro (textual) ao estarmos em contradição sobre o termo “objectiva” e “lente”.
Num outro local, uma discoteca, uma vendedora disse-me que se um determinado tema musical que eu procurava não estava na net isso significava que não existia.
Um outro, no caso uma secção de informática e comunicações, afirmou-me peremptoriamente que determinado artigo já não existia, quando eu o tinha visto à venda na loja do lado novinho em folha.

Fazem-me pena, estes vendedores.

Não apenas não conhecem os produtos que vendem como não sabem exercer o ofício de vendedor.

By me

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Gosto à brava daquelas empresas e pessoas que correm atrás do último grito da tecnologia, que se babam perante catálogos e que não perdem uma feira ou demonstração.
E que continuam a fazer o mesmo produto, insípido e sem criatividade.

Aliás, gosto tanto destas empresas e pessoas como deste governo.

Romarias



Vadiar um pouco pela baixa lisboeta é também uma romaria da saudade. Fotográfica.
Que os espaços que alguma vez se relacionaram com fotografia (consumíveis, equipamento, laboratório) estão quase todos fechados.
Transformismos comerciais, alguns mudaram de ramo, alguns tentaram ser lojas da moda, outros ficaram impolutos, como se a própria loja fosse uma fotografia.
Ele era o JC Alvarez, ele era a casa Ângulo, ele era o Libersil, ele era a Profoto, ele era a Filmarte, ele era a Afari, a última destas a fechar…
Restam, ao que sei, a Fotosport, a Instanta e a Fotocolor. Esta última já nem tem, pelo que vi um destes dias, material usado para venda.

Mas já nem sou só eu que vou relembrando o que foi, na baixa lisboeta.
São as memórias vivas que vêm ter comigo.
Como aquele cigano que se ali faz o seu negócio habitual e que vem ter comigo, primeiro não me reconhecendo, depois relembrando e falando de outros que por ali andaram, das mudanças nos titulares dos negócios e dos espaços e das fotografias que lhes fiz.
Ou como aquele ex-aluno de há uma boa dezena de anos, que estando de passagem pela cidade, me aborda e com quem falamos dos tempos que foram e dos tempos que são.
Ou aquele outro, já velhote e reformado, que me vem perguntar quando volto eu para o Jardim da Estrela.


Vadiar na baixa lisboeta é como que uma romaria da saudade. Algumas bem vivas e que se recomendam, outras nem tanto.  

By me

Dois episódios em torno de um photógrapho que oferecia photographias



O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.
Por mim, admito, não me recordava dele, já que não é fácil fixar uma cara que vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.
Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.
É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.

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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.
Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.
Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.
E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.

Quando preenchia o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista! A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!

By me

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Mais de cem anos



Retiro esta fotografia de um livro intitulado “Smithsonian war – a photo history”.
Na sua legenda pode ler-se:
“Boer women and children at a concetration camp on the veldt in the southern spring (October) of 1900. The summer of 1900-01 (December- February) was one of the hottest on record, and was followed by a winter (July-August) of exceptional severity, with heavy snow on the high veldt, and temperatures falling well below freezing. Sheltered in belt tents, with no reable suply of clean water, and unused to living in such densely packed communities, epidemics of everything from measles to typhoid fever swept through the camps, killing more than 28.000 Afrikaaners and 13.000 Africans.”

Suponho que nada de equivalente, mesmo que na décima parte, esteja a suceder na fronteira sudeste europeia ou no centro europeu.
É que, em olhando 5 jornais electrónicos hoje pelas 21.30 horas, não vi na primeira página nem uma linha sobre o caso.

Talvez que o fluxo de refugiados tenha estancado de vez e os que estão dentro fronteiras europeias estejam já bem instalados e seguros.

By me 

Uma história que poderia ser de fadas mas que mete bruxas



Era uma vez… uma rede social.
E essa rede social abrangia muita gente, que viviam em muitos locais, uns mais isolados e distantes, outros mais cosmopolitas e centrais.
Uma ocasião, a uma das pessoas que vivia num desses locais distantes saltou-lhe a tampa.
Não é que seja raro, isso do saltar a tampa a alguém. Até devia acontecer mais vezes.
O problema é que não se sabe como saltou a tampa, nem para onde rolou a tampa.
Ora todos nós sabemos como é bera ficar sem tampa: pode entrar qualquer coisa que se não queira, pode sair qualquer coisa que se não queira, fica o conjunto desirmanado… uma tristeza.
Sabendo disto, alguém que vivia numa zona central onde havia muitas tampas disponíveis ofereceu-se para encontrar uma tampa certa ou compatível e envia-la para essa tal zona distante e isolada. A troco de fosse o que fosse, desde que originário dessa zona isolada e distante. Uma espécie de “ela-por-ela”, como nos contos de fadas.
Encontrou-a, fez o embrulho adequado, estampilhou-a de acordo com as normas e enviou-a para o tal local isolado e distante. E foi entregue, para contento das partes.

Ainda hoje, passados todos estes anos, estou à espera da contra-partida, ou de um obrigado que seja.

E não! Não se tratava de tampa ou testo de tacho, caçarola ou sertã.

By me 

Perspicácias



“Para malandro, malandro e meio”, diz o povo na sua sabedoria.

Numa conversa sobre conceitos e práticas fotográficas, quis eu confrontar os presentes com uma brincadeira clássica no que concerne a imagem e sua análise: apresentei-lhes duas imagens e o seu oposto, ou seja, as mesmas mas invertidas da esquerda para a direita.
Sabia que iriam dar com a coisa, uns mais, outros menos, mas levei o desafio mais longe: qual delas a original?
As imagens foram escolhidas de entre as que possuo em livros e das que gosto, pese embora a sua impressão, aceitável, tenha sido fracota. Mas tive o cuidado de escolher duas que não contivessem nenhum código visível: letras, sinalização de trânsito ou quejando. Nenhuma indicação implícita ou explícita sobre sentidos de leitura.
Algumas discussões em torno do assunto até que um dos presentes levantou-se lá do fundo, aproximou-se de uma delas, olhou com cuidado e declarou com solenidade qual a original e qual a invertida, num dos casos. E argumentou:
“Tem que ser esta, ou estaria a vestir uma camisa de senhora, que abotoa ao contrário das dos homens.”


Acho que vou ter mais cuidado na escolha de fotografias numa próxima vez.

By me 

Votar



Não posso concordar, de forma alguma, com o voto obrigatório.
Existe isso em alguns países, entendo as motivações, que são várias, mas não posso concordar!
A participação na vida do colectivo é um acto que, sendo um dever moral e social, não pode ser imposto. Ou se legitimaria muitas outras imposições de má memória.
Mas também não posso aceitar que aqueles que entendem não votar, protestem depois com os resultados das eleições. Caramba! Não participa, não faz nada para o resultado, e contesta os actos e decisões dos demais?
Indo mais longe, não posso concordar que um cidadão que, em consciência, decide não participar na vida e gestão da sociedade, queira depois que essa mesma sociedade contribua para a sua própria vida. A famosa “lei do funil” que criticamos em muitos políticos, também é criticável a cada cidadão em particular.

Por isso, e se eu tivesse algum poder de decisão no que à lei eleitoral concerne, mudava-a.
Mantendo o inalienável direito de abstenção, retirava a cada um desses cidadãos o direito a acederem a benesses da sociedade decididas pela sociedade.
Por exemplo:
Não ter devoluções de impostos ou acertos de contas com o estado;
Não ter acesso a candidatar-se a um lugar público, quer como eleito, quer como funcionário;
Não aceder a bibliotecas, museus e outras instituições de cultura a custo zero ou com descontos…

Estas interdições durariam tanto tempo quanto durasse o resultado eleitoral em cujo acto não colaborasse.
Tal como estariam definidas, bem claras, as situações de excepção, como deslocações ao estrangeiro, doença ou outras.

Tenho a abstenção como um direito legítimo.

Não aceito é que se exija que a sociedade colabore connosco quando nós não colaboramos com ela!

By me

Códigos



E porque ontem surgiu em conversa, aqui fica uma velharia que, sendo-o, não deixa de ser actual:

“Códigos

Neste mundo em que vivemos, as diferenças culturais são mais que muitas e bem evidentes: a língua, as danças, a gastronomia, os trajes, a mitologia…
Viajar de um ponto para outro distante pode ser pouco menos que um salto no escuro. A capacidade de comunicação fica reduzida a muito pouco, se não se dominar a língua, escrita ou falada. Sobram dois recursos, mais ou menos globais: o gesto e a imagem, desenhada ou não.
Esta é, sem sombra de dúvida, a parte da comunicação mais universal. Um cavalo é um cavalo, na Europa, Ameríndia ou Ásia. Com excepção de alguns pontos ainda não penetrados pela “civilização”, quem souber usar a imagem, sabe comunicar.
Mas os padrões não são iguais. Há algumas diferenças, ainda que subtis, dividindo o planeta em alguns grandes blocos. Quer tenha sido o desenho que influenciou a escrita (fonética ou ideográfica) ou vice-versa, a verdade é que a forma como a imagem se estrutura no espaço que ocupa varia.
Horizontal ou vertical, esquerda/direita ou ao contrário, a organização dos elementos pictóricos tem regras e significados diferentes.
A globalização (que não apenas económica mas, e principalmente, cultural) tende a padronizar estes aspectos, tal como outros. Mas a cultura não é algo que se imponha por decreto, como provou a falhada revolução cultural chinesa.
Se na fotografia, cinema e televisão, áreas que além de criativas são também bastante técnicas, no quotidiano, na vida diária de cada um, as coisas são um pouco diferentes.

A imagem acima é disso um exemplo. É uma nota Afgã, divulgada por cá através de um jornal.
Os códigos de escrita estão bem definidos. Escrita regional, para os locais entenderem, e caracteres mais ou menos universais para definir valor e origem. Até aqui pouco há de invulgar.
Mas observem-se os desenhos, os cavalos em particular. Correm da direita para a esquerda, num galope livre e intenso.
Uma leitura superficial pouco nos dirá mas, a nós ocidentais, mas não nos atrairá ou agradará. De acordo com os nossos padrões, correm “para trás”, uma atitude retrógrada. Poderíamos mesmo dizer que estão a fugir de algo. Mas para os Afgãos, onde a escrita e a leitura se fazem da direita para a esquerda, este é o sentido da liberdade, do progresso, do futuro.
Esta imagem será, eventualmente, evocativa de um qualquer momento histórico local, que dificilmente será o de uma derrota militar. A interpretação dos utilizadores desta nota será a de confiança e de confiança naquilo que o dinheiro significa.

Para aqueles que como eu vivem e dependem da imagem, esta questão de orientar os elementos que a constituem para um lado ou para o outro é banal. Fazemos isso quase que por instinto, usando-o como uma ferramenta de base.

Mas convém sempre lembrarmo-nos que os nossos códigos não são universais e que a nossa comunicação depende da nossa capacidade em usar uma linguagem conhecida e familiar do destinatário.“

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Piada velha



Confesso que é daquelas a que não resisto. Velha como a Sé de Braga mas, para muitos, novinha em folha.
Em entrando no café aqui da rua para comprar pão, diz-me uma empregada que já me conhece:
“É café?”
Como resposta:
“Quem? Eu? Não! Sou mesmo uma pessoa. Mas o que eu quero é uma bica e duas bolinhas, por favor.”

Fica ela a olhar p’ra mim, ficam os demais clientes, que me viram entrar e a tirar o boné, a olhar p’ra mim, um sorriso colectivo, e eu lá bebo o meu cafezinho, pago e saio. Com a câmara dependurada no ombro, o meu pão quentinho no saco de pano e a satisfação de ter feito sorrir alguém hoje.  

By me

Coisas boas



Não tem muito que saber: a vida é plena de coisas boas e de coisas más.
Cabe-nos dar o valor a cada uma delas, de acordo com a nossa alma.

No grupo das coisas boas, entre as dez melhores que me pode acontecer com a roupa vestida, não tenho dúvida em colocar esta:
Estar com um grupo de gente, falando ou explicando coisas que até nem são simples, e ir vendo aquele brilho nos olhos, muito especial, de “já entendi”, a acender. Um aqui, outro ali, outro mais além, um agora, outro depois, como se luzes de natal se tratassem.

A vida está cheia de coisas boas. Esta é uma delas!

By me

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Clinex editorial




Começamos a perceber algumas coisas quando lemos ou ouvimos jornalistas substituírem o termo “refugiados” por “migrantes”.
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Aviso



Em caso de sinistro (sismo, incêndio, visitas ministeriais):

A)   Mantenha a calma;
B)    Avise os serviços de segurança;
C)    Use escadas e nunca o elevador;

D) Não faça selfies nem publique em redes sociais antes de se encontrar no exterior e em local seguro.  

By me

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Uma fotografia por dia

Nem sabe o bem que lhe fazia

By me

O cano de uma pistola pelo cu



Saiba-se: o texto que se segue não é meu. A fotografia sim, o texto não.
Tem o título que tem e foi escrito em 2012 por Juan José Millás. Publicado no jornal El País, em Espanha.
Poderia ter sido escrito e publicado hoje, por um qualquer conterrâneo e publicado num qualquer jornal nacional.
Se os directores dos nossos media tivessem a coragem de o publicar.


“O cano de uma pistola pelo cu

Se percebemos bem - e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.

E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.


Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.”

By me