quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Mestres e livros



Uma ocasião, num exame de acesso a um posto de trabalho, uma senhora contestou o resultado.
Declarou ela que as questões colocadas na prova de cultura geral não constavam do livro de cultura geral que havia comprado e estudado.
Esta história, infelizmente, não é anedota nem inventada: aconteceu mesmo, com gente que conheço.

E vem ela a propósito de me terem pedido para mostrar ou recomendar alguns livros.
Caramba! Nada de mais difícil!
Qual ou quais os livros importantes sobre este ou aquele assunto? Qual ou quais os livros que servem ou serviram de base para aquilo que sei ou sou? Qual ou quais os livros que me marcaram neste ou naquele aspecto, neste ou naquele ponto da vida, e que posso recomendar?
Todos e nenhum!
A todos fui buscar um nico do que penso e faço, em nenhum está tudo o que penso e faço. E, nesta lista de todos e nenhum não incluo todos aqueles que não conheço nem nenhum dos que conheço mas ainda não tive oportunidade de ler.
Somos todos nós fruto do imenso somatório das nossas experiências, lidas, tidas ou pensadas, pelo que designar alguns excluindo todos os demais será como falar de sapatos referindo apenas o tacão.

Há um, no entanto, que evidencio pela história que tenho com ele.
Li-o tinha eu 21 anos e chegou-me às mãos através de um mestre e amigo. Intitulado “Photographic seeing”, foi escrito por Andreas Feiniger em 1973.
É um livro sobre técnica e estética fotográfica, norte-americano, e eu, faminto que estava de conhecimentos, li-o de fio a pavio.
Tentei comprá-lo ao mestre. Não mo vendeu. Tentei que mo oferecesse. Recusou. Tentei que me deixasse surripiá-lo. Não autorizou.
Os anos passaram, não consegui tê-lo de novo nas mãos e o mestre e amigo faleceu. E perdi o rasto ao livro. Sem, no entanto, o esquecer.
Uma ocasião, passados muitos anos e de conversa com uma livreira (daquelas verdadeiras, que fazem dos livros mais que um negócio, uma paixão) contei-lhe a história e ela disse-me que iria procurar por ele.
Passadas talvez duas ou três semanas contacta-me e diz-me que o encontrou e se eu estaria interessado. Claro que estava!
Ela mandou-o vir, eu fui buscá-lo e não perdi tempo: primeiro num jardim perto da livraria (que já fechou como tantas outras), depois no comboio, mais tarde em casa, no trabalho, no café, devorei-o por inteiro. Com o mesmo prazer de então e com uma dúvida agora surgida.
O que eu agora lia não era novidade nem surpresa. Mais ainda, concordava com a esmagadora maioria do que ali estava expresso. E o que ali estava e está, pese embora a desactualização técnica natural de 40 anos de diferença, estava e está tão actual agora como então.
A minha dúvida, que persiste até hoje, é sobre o motivo da minha concordância com ele: não sei se fiquei assim tão marcado e durante tantos anos por ele, se a minha própria evolução na fotografia me conduziu àqueles mesmos pensamentos e práticas.

Muitos outros livros, ao longo dos anos, me marcaram. Na vida em geral e na fotografia em particular. E, curioso ou não, muitos dos que me marcaram não são sobre fotografia. São sobre formas de estar, de agir, de pensar. Que, de um modo ou de outro, condicionam ou formam a minha forma de me relacionar com a fotografia e a imagem. No antes, no depois e no durante o click fotográfico.
Mas este nem que a vaca tussa não o largo. Ou dou. Ou vendo. Ou deixo surripiar.
Afinal, os mestres são exemplos que devemos considerar.


By me

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