As
coisas são como são.
Em
tendo que remexer num computador que já tinha meio de parte, dou com este
texto. E a respectiva imagem.
Já
têm uns anitos, mas se o escrevesse hoje, não creio que mudasse uma vírgula.
Fica
como está!
Eu
e a luz
Ao
longo dos anos vários têm sido os que me questionam sobre a minha preferência
de uma luz de recorte (ou contra-luz, ou back light ou hair light ou luz de
trás) intensa.
Curiosamente
só de há uns tempos a esta parte me apercebi que, de facto, essa é a minha luz
preferida, seguida de perto por uma luz lateral em relação ao eixo de
observação ou de captação.
Por
resposta encontrei várias possíveis, de índoles bem diversas.
Numa
primeira abordagem, uma luz de recorte intensa é fácil de trabalhar e de, com ela,
se obterem resultados se não espectaculares, pelo menos menos comuns. É que
basta que a luz vinda de perto do eixo de observação seja suficiente para se
perceberem os detalhes e sem sombras contrastadas. A outra, a de recorte ou de
trás, pode ter a intensidade que se quiser (1:3, 1:5, 1:10, por comparação com
a frontal) que é aceitável alguma falta de controlo sobre ela desde que fique a
“queimar” ou quase.
Desta
forma, as definições dos diversos planos, os jogos de contraste assim criados e
o evidenciar do ou dos centros de interesse na imagem não só são fáceis de
criar como de fácil leitura por parte do público. Talvez que o factor preguiça
me tenha levado por este caminho.
Mas
outras repostas podem ser encontradas, não tão simples.
A
luz que vemos e que fotografamos é, as mais das vezes, a reflectida dos
objectos. Vinda de uma qualquer fonte (natural ou artificial, apenas disponível
ou laboriosamente trabalhada) os raios luminosos incidem no assunto e são
reflectidos. Em regra não na totalidade, já que parte dessa energia luminosa é
absorvida pelos materiais (e chamamos a isso cor) ou atravessa-os na proporção
em que são permeáveis (e chamamos a isso translucidez ou transparência).
Em
qualquer dos casos, definimos leis e regras científicas para a radiação,
reflexão e refracção, regras essas que quem usa a luz como matéria-prima tem
que conhecer medianamente bem.
Mas
a verdade é que a esmagadora maioria da luz que traduzimos em “ver” e em
“fotografar” é a reflectida. O que significa, na prática, que aquilo que vemos
e registamos é, apenas, a superfície dos assuntos. O seu interior, quer lhe
chamemos “recheio”, “alma” ou “para além de” fica oculto ou ofuscado por essa
reflexão de superfície.
Sendo
verdade sou um eterno curioso (um eufemismo para metediço) em relação ao que me
cerca, tenho tendência para tentar conhecer o mundo um pouco mais além da
superfície aparente.
Uma
forte luz de recorte ou contra-luz permite que, ao resvalar nas arestas ou
atravessar o assunto se for esse o caso, aquilo que vejo e registo vá um pouco
para além das aparências da superfície. Não apenas no conceito metafórico do
termo mas também no real, usando a translucidez ou transparência dos assuntos
fotografados.
Claro
está que este “ir para além da superfície” será, as mais das vezes, uma questão
interpretativa. Mas também o é toda e qualquer fotografia, por muito técnica ou
“fiel”que queiramos que seja.
E,
muito naturalmente também, esta não será uma abordagem que eu use exaustiva ou
exclusivamente. Mas, em situações normais, tenho tendência para a procurar ou
provocar.
As
explicações quanto a esta minha preferência não se ficam por aqui: acontece que
sou do contra!
Tenho
uma atitude de contestação generalizada na vida (já me disseram que a primeira
palavra que terei dito conscientemente terá sido “Não!”). Assim, e se a grande
maioria dos fotógrafos, conceituados ou anónimos, procura a luz frontal, mais
suave ou mais contrastada, na moda, na arquitectura, na paisagem, no retrato,
na paisagem, na reportagem, faz todo o sentido que a minha atitude
contestatária me leve a procurar outros caminhos, no caso, outros tipos de luz.
O próprio termo “contra-luz” é bem elucidativo!
Um
outro motivo, desta feita não congénito, pode explicar esta preferência por
fortes contra-luzes:
Há
mais de uma vintena de anos que perdi a capacidade de visão normal da vista
direita. Mantive a visão periférica, mas a frontal, a de detalhe,
transformou-se numa mancha cinzenta, irremediavelmente.
Com
esta “menosvalia” perdi também a capacidade de avaliar distâncias de forma
convencional: a visão estereoscópica desapareceu por completo. O que me levou a
encontrar soluções no quotidiano para resolver as coisas mais simples, como o
saber a que distância se encontra um carro, ou o enfiar a linha numa agulha ou
o descer de uma escada.
Mas
o cérebro humano é bem mais poderoso que aquilo que imaginamos e encontrei
inconscientemente soluções alternativas: o tamanho aparente dos objectos ou a
sua sobreposição (perspectiva, a ferramenta do fotógrafo) e, obviamente, as sombras
que eles provocam (luz, a matéria-prima do fotógrafo).
Acontece
que se as sombras se projectarem para além do objecto, não são visíveis porque
tapadas. É bem mais fácil calcular distâncias se as sombras se projectarem para
o nosso lado. Ou seja: se a fonte de luz que as provoca estiver para além do
objecto – o contra-luz.
Seja
como for, há que admiti-lo, esta preferência por este tipo de luz para
fotografia tornou-se bem mais fácil de pôr em prática com o recurso à
fotografia digital e ao processamento no computador. A tentativa e erro no
controlo de contrastes é muito mais acessível e bem mais barato (a custo zero e
tempo mínimo) que nos tempos do diapositivo ou do negativo.
Em
qualquer dos casos, e seja qual for o principal motivo ou motivos para se gostar
de um dado tipo de luz (ou composição, ou perspectiva, ou proporções de imagem
ou o que quer que seja) será bom que cada um o perceba e saiba. Para saber
porque o faz e disso tirar proveito ou, pelo contrário e se as circunstâncias
assim o exigirem como seja um cliente, poder evitar o excesso de
personalização.
E
parar para pensar naquilo que fazemos e de que gostamos, mais que gastar tempo,
é saber usá-lo.
By me
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