domingo, 27 de fevereiro de 2022

Lindo




Bom amigo fez-me presente desta pequena preciosidade:

O “British Journal Photographic Almanac” de 1946.

Segundo ele, tinha-o lá por casa, no meio de muita “tralha” e, no lugar de o deitar fora, decidiu passá-lo a quem lhe desse valor: eu.

Os meus agradecimentos e uma vénia p’la lembrança e presente.

Numa leitura rápida constatam-se diversos aspectos:

Na parte dos anúncios:

Vários vendendo câmaras de fotografia aérea. Será coisa estranha, caramba: quem compra, assim do pé para a mão, câmaras para instalar em aviões? Mas será menos estranho se se pensar que a data é 1946 e estas câmaras serão sobras da guerra.

Inúmeros fabricantes de objectivas, cada qual gabando a nitidez do seu produto. Hoje mais se preocupam com as resoluções das câmaras que com a qualidade das objectivas, para desalento de quem observa fotografia com olhos de ver.

Diversos fabricantes propagando as qualidades dos seus materiais fotossensíveis – papeis e negativos. E chamando a atenção para os pancromáticos e os orthocromáticos. Bem como película rígida e em rolo. Quem saberá, hoje, a diferença entre as sensibilidades cromáticas dos suportes?

Nos artigos para os formulários e respectivas vantagens deste ou daquele componente. Fixadores rápidos, reveladores de grão fino, viragens, toners, indicadores de acidez…

Um outro sobre retrato, que merece uma leitura atenta.

E um outro, que deveria ser lido pelos actuais fotógrafos e respectivos empregadores, sobre legislação de trabalho e do direito à imagem.

Quanto às fotografias exibidas… uma há que creio conhecer, não sei bem de onde, que não reconheço o nome do autor.

 

Por outras palavras, ofertaram-me um dia destes a versão de 1946 do Flickr, do Olhares, do facebook e do Google num só pacote.

 

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Uma espécie de auto-retrato




Ou como, de facto, o mundo é visto p’los nossos olhos: real, invertido e menor que o objecto.

O cérebro, essa coisa complicada que temos e que teima em tudo distorcer, é que inverte as coisas, fazendo parecer que o que está em cima é a cabeça e em baixo são os pés. 


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sábado, 26 de fevereiro de 2022

Sobre o tema do dia




O poder, o verdadeiro poder, não é possuir dinheiro.

O verdadeiro poder, e para dar um exemplo meio absurdo, é acordar de manhã e pensar: “Quero que toda a gente tenha a cabeça rapada como um careca. Eles e elas.” E, pouco tempo depois, toda a gente ter a cabeça rapada.

Este é o verdadeiro poder.

O dinheiro e as armas são apenas as ferramentas que permitem exercer o poder. O poder sobre os outros.

Podem-se usar diversos argumentos para o exercício do poder. Ou diversas estratégias. Desde o “Eu é que sei” até “Eu vos protegerei dos perigos”, desde o controlo sobre a comida e outros bens até à propaganda orientada.

O poder, o verdadeiro poder, é algo que pode ser exercido ou ambicionado por uma pessoa ou por um conjunto de pessoas. Se for por um conjunto de pessoas alargado a toda a população chamam-lhe democracia. Se for exercido por uma só pessoa, chamam-lhe autocracia. Se for apenas um pequeno grupo de pessoas tem o nome de oligarquia.

Regra geral, as autocracias e as oligarquias nunca se satisfazem com o poder que têm, ambicionando ir mais longe no exercício do poder e na amplitude ideológica ou geográfica. Diz-se que a ambição de poder é desmesurada.

Indo mais longe, as autocracias, tal como as oligarquias, acabam por ser ditaduras, em que as vontades de um ou de uns poucos se impõem sobre todos os outros. Raramente pacíficas. Muito frequentemente crueis e mortais.

Aquilo que estamos agora a assistir no leste europeu mais não é que o confronto de várias ambições de poder, explícitas por parte de uns, implícitas por parte de outros. Imposições de formas de vida e de pensar, de organização da sociedade de acordo com parâmetros ideológicos, um país autocrático, quiçá oligárquico, com sonhos de poder imenso, ataca um outro sob pretextos de segurança e de direito histórico.

O atacado está interiormente dividido entre várias formas de organização de sociedade, diametralmente opostas, umas ditatoriais, outras pseudo democráticas. Em que as vontades e ideologias se confrontam desde há tempos, querendo cada uma impor-se à outra, já não tanto por propaganda e controlo dos meios de subsistência mas recorrendo a meios violentos. Sob o olhar complacente das autoridades, que intervêm se e só se a sua autoridade estiver posta em causa. O que torna este país presa fácil para quem não tem escrúpulos na forma de atingir o verdadeiro poder. Pessoa ou país.

Nas costas deste todo um conjunto de países, supostamente organizados, que passam o tempo a tentar regular as divergências internas, sentindo-se ligeiramente incomodados quando as questões externas afetam o seu conforto, mas pouco ou nada fazendo para as resolver na raíz.

Agora sentem-se ameaçados porque os problemas externos são no seu quintal, correndo o risco de lhes entrar pela porta. E sentam-se a discutir, muito democraticamente, como resolver aquele problema que lhes afeta o sono. Não sei se por ruidoso se por pesar na consciência.

Enquanto os autocratas ou oligarcas forem exercendo seu poder, o verdadeiro poder, enquanto o dinheiro correr a jorros para o alimentar e as armas os sustentarem, continuaremos a ver países a atacar países, povos a estrangularem povos, homofóbicos a esquartejarem gays, extremistas a exterminarem quem veste ou pensa diferente.

O mundo insurge-se com o ataque russo à ucrânia. Já ninguém fala no que acontece, há décadas, na palestina, ou no iemen, ou na patagónia.

E, no entanto, o que acontece é o mesmo: desejo de verdadeiro poder. Independentemente da escala do que se faz para o obter. Só que não no nosso quintal.


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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Fotografia e utilização




Não vale a pena pensar de outra forma!

Abertas que estão as hostilidades no leste europeu, estamos a ser bombardeados com informação. Opiniões de especialistas, políticos a falarem com alguma cautela mas hostis a uma das partes, repórteres e correspondentes no local, dizendo o que podem sobre os acontecimentos a que assistem...

A guerra está aberta e a comunicação social é uma das armas.

Claro que o imediatismo é importante. Não apenas o público quer saber como o negócio da informação vive de ser o primeiro a noticiar.

Uma das formas de comunicar, mas mais lenta, é a fotografia. Pese embora os meios de fazer e enviar as imagens recolhidas, o consumo de imagens prefere as que sejam animadas, com som, que encham os noticiários.

Veremos apenas daqui a uns tempos as “belas” fotografias da fente de combate, com material e gente a sofrer as consequências das decisões de quem está no conforto dos gabinetes. E, como é de esperar, mostrando os acontecimentos do ponto de vista do público a que se destina. E se os fotógrafos são ocidentais e vendem os seus trabalhos para jornais ou agências noticiosas ocidentais, serão quase de certeza imagens defensoras das perspectivas políticas ocidentais.

No entanto, esta abordagem parcial de um conflito mortal não é original.

Sugiro que se comparem as fotografias feitas há uns 150 anos, pouco depois da invenção da fotografia. Em particular as feitas na guerra da Crimeia com as da guerra civil Norte-Americana.

Se esta mostra imagens de destruição e de vítimas do conflito, numa clara demonstração da violência dos combates, já as feitas na Crimeia, por correspondentes Britânicos, são muito mais tranquilas, mostrando aquartelamentos e soldados em bom estado e saudaveis. Havia, neste caso, que tranquilizar os Ingleses sobre o que acontecia com os seus compatriotas na frente de combate.

As fotografias não mentem. Agora a forma e com que intuitos são feitas dependem dos objectivos dos fotógrafos no local e da utilização que lhes forem dadas.


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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Prioridades




Ainda um dia alguém me vai explicar, como se eu fosse muito estúpido, porque é que as fotografias têm que ter o máximo possível de definição, nitidez, resolução.

Não que eu entenda que isso seja errado.

Mas não entendo que seja obrigatório, como que saído de um qualquer livro sagrado, e quem quer que não o faz incorra nos quintos do inferno dos fotógrafos.

É que, do meu ponto de vista, fotografia não é apenas documento. Eventualmente fiel ao assunto representado. Mas é, antes de mais, uma forma de expressão.

O fotógrafo, quando decide premir o botão ou, mais tarde, fazer a edição, está a materializar o que sentiu. De bom ou de mau. Ou a pedido.

Eventualmente, e porque o fotógrafo está inserido num sociedade que comunica e usa códigos para isso, usa os códigos em vigor. E estes passam pela facilidade de leitura e interpretação da fotografia exibida.

Mas nada impõe que os sentimentos sejam explícitos e claros. Tal como nada obriga a que o trabalho feito seja diferente do que o fotógrafo sentiu.

Se o fotógrafo se sente satisfeito com fotografias que faça e que não sejam nítidas, focadas, como uma resolução de assombrar, isso é que importa. E o agrado do público é acessório.

Claro que pode não pagar contas, mas isso é outra história. 


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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Desabafo de um tipo de mau feitio




Foi há pouco mais de uma semana.

Estava eu no trabalho, sentado numa mesa de volta de questões burocráticas no computador de serviço. Pousada a meu lado, a minha câmara.

Passa por mim um profissional da imagem que mira e remira a câmara e, no final, observa:

“Ah, uma Pentax! E faz 4K ou é só Full HD?”

Respondi-lhe que Full HD, mas que não tinha a certeza.

“Pois!”, retorqui-me. “Então está bem. Mas 4K é que é bom!”

Enquanto se afastava sem mais, fiquei a olhá-lo com cara de palerma, sem bem saber o que lhe dizer. Mas ainda consegui um:

“Sabes, comprei uma câmara fotográfica, não uma de vídeo.”

Passados uns segundos, já com ele fora de vista, é que me ocorreu uma resposta condigna:

“Bem, com uma 4K ou uma SD, tu não sabes fazer imagem equilibrada com as dos teus companheiros. Tal como não sabes captar um assunto em que respeites o espaço que ele necessita, visual ou auditivamente. De igual forma, o teu trabalho de equipa com os teus colegas é abaixo de sofrível. E achas que é a qualidade técnica da ferramenta que te vai melhorar o desempenho?”

Mas não pronunciei as palavras. Estas e outras que quase me gritaram na cabeça. Não só não adiantaria porque não me entenderia como iria criar um conflito inútil.

Este é o problema que grassa nos dias que correm!

A competição desenfreada a todos os níveis (individual, colectiva, indústrial, comercial...) faz com que o conteúdo seja negligenciado em favor da forma. A embalagem tem mais valor que o produto. A resolução é mais importante que a história. A semiotica mais não é que uma palavra complicada de significado obscuro.

Tenho estado a fazer uma tarefa ingrata: preparar uma casa para ser vendida. Ainda tem o recheio e sobre ele ainda não há decisões. Nela abundam livros, muitos livros, sobre as diversas facetas do audiovisual e da estética. E da psicologia. E da pintura. E do cinema. E da fotografia. E da arquitectura. E da comunicação oral, corporal, visual. Toda uma biblioteca que uma grande quantidade de gente que trabalha no ramo deveria conhecer. Pelo menos em parte.

Pensei, muito seriamente, em fazer chegar parte dela a uma ou outra escola, para proveito dos alunos. Actuais ou vindoiros. Desisti ainda antes de divulgar a ideia.

Que o saber, hoje, ou está na net ou não interessa. E se demorar mais de três ou cinco minutos a ser visto é chato, enfadonho, inútil. Só os cotas por isso se interessam.

A minha câmara fotográfica irá fazer fotografias. Muitas fotografias, se eu for capaz disso. Talvez faça alguns vídeos, só por brincadeira.

Mas, mais que resoluções ou HD’s, interessa-me o que coloco dentro do rectângulo, com que significado e para contar o quê.

Que a imagem, estática ou animada, serve para contar coisas. Reais ou ficcionadas. Aos outros ou ao seu autor. O resto são minudências.

E, como diz o povo na sua sabedoria, “Quem não sabe dançar diz que o chão está torto.”


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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Porque hoje é hoje




Uma das características do meu projecto “Old Fashion” era a possibilidade de as fotografias ali feitas poderem ser publicadas na net.

Se essa possibilidade hoje nada tem de extraordinário, na altura era quase que uma inovação. Quase.

Claro está que os fotografados eram inquiridos sobre se o autorizavam ou não e a resposta registada e cumprida sacramentalmente.

Quando acontecia dizerem-me que não, e para além de anotar a resposta, perguntava se se importavam de me dizer o motivo da recusa. E sempre o soube.

Uma das respostas foi divertida.

Um casal, em que ela era extrovertida e faladora e ele reservado e calado, recusou a publicação. Disse ela que eram amantes, que ela já tinha assumido a relação mas que ele ainda não, pelo que não poderia haver publicidade.

A resposta primou pela originalidade, bem como o que ele disse de seguida: “E agora quem fica com a fotografia?”, já que eu tinha entregue apenas um exemplar, tal como combinado.

Claro que ela já estava a resolver a questão, ajustando com uma pequena tesoira o tamanho da fotografia à janela disponível no plástico da sua carteira de documentos.

Olhei eu para um e para outro, ela satisfeita, ele triste, a tratei de fazer segunda impressão, tão à borla quanto a primeira, que lha entreguei. Não creio que eu pudesse receber melhor pagamento que o sorriso com que ele me brindou.

 

Espero que hoje, passados que são tantos anos, ainda mantenham o enamoramento que então lhes vi nos rostos, agora bem mais às claras.

 

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Improvisos




E porque tive que falar em rolos reutilizaveis, recordo um episódio em que a capacidade de improviso foi a principal ferramenta:

Estava de férias, fotografava em preto e branco e comprava a película virgem em bonines de 30 metros, colocando-a à medida em invólucros usados.

Para o efeito usava um bobinador que muito facilitava a tarefa. Mas haveria que saber fazer a coisa.

Naquela cidade do interior, um dos rolos soltou-se no final do núcleo do invólucro. Barraca da grossa, que não poderia abrir a câmara em condições normais sem “queimar” e destruir a imagenns já feitas.

Ainda tentei, junto de dois fotógrafos locais, usar a sua câmara escura para o fazer, mas fui recusado. Suponho que o meu aspecto os tivesse assustado.

Mas eu sabia o que queria e as minhas mãos sabiam fazer sem que os olhos precisassem de confirmar. Improvisei!

Procurei um café cuja casa de banho estivesse minimamente limpa.

Em cima da tampa da sanita coloquei o meu casacão todo bem enrolado, dentro do qual estava a câmara e uma caixa de película Kodak. Recorde-se que estas são pretas e bem estanques à luz.

Metendo os meus braços pelos braços do casaco, mas pelas pontas das mangas, lá abri a câmara no meio daquilo tudo, desenrolei a película da câmara e voltei a enrola-la para dentro da caixinha plástica.

Entenda-se que já tinha alguma experiência em trabalhar com câmara escura portátil, para carregar chassis de grande formato e magazins de cinema.

Agora dentro de um casaco, em cima de uma sanita, foi uma estreia.


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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Manias linguísticas




No meu ofício temos tarefas ou trabalhos de rotina. Diários, semanais ou mensais.

Apesar de serem todos trabalhos de equipa, há sempre um responsável, alguém que dá o nome e a cara pelo trabalho de todos. E que coordena o que se vai fazendo.

Em tempos tínhamos um desses trabalhos, agora fora de produção. Tinha uma excelente aceitação por parte de quem o consumia e era um dos ex-libris da empresa.

Mas o seu responsável era exequeravel no trato com a equipa, ou com parte dela. Apesar de todos termos orgulho no resultado final, odiávamos ter que o fazer por causa do comportamento e atitudes desse responsável.

E esse nosso asco era tal que nem dizíamos o nome da tarefa. Mais: quem tivesse a desdita de o dizer sem querer, enquadrado em qualquer outra frase ou sentido, era “punido” com o pagamento de uma rodada de cafés a quem estivesse por perto e o ouvisse.

Alguns de nós, para fugirmos à punição, alterámos o nosso vocabulário corrente, usando outros termos equivalentes por rotina. Ainda hoje, passados tantos anos, evito dizer o termo, usando o verbo “suceder”.

A exemplo deste episódio do passado distante uns vinte anos e noutras circunstâncias, passei agora a usar o verbo “bastar”, nas suas diversas conjugações. Assim evito deslises e dizer uma palavra que me remete para algo maldito do nosso presente.

Manias!

 

Imagem roubada da net


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Grafias




Há dez anos contava eu esta história.

Foram uns tempos que, felizmente, consegui transformar em divertidos, com diversos episódios que, bem mais que divertidos, me mostraram que a espécie humana não está tão à beira do precipício quanto podemos pensar.

E faz bem, em certas ocasiões, lembramo-nos disso.



“Isto é uma fotografia.

Melhor dizendo, isto é a grafia feita por algo com comprimentos de onda bem diferentes dos da luz.

Por outras palavras, isto é uma radiografia.

Faz o registo daquilo que não vemos porque, por exemplo, coberto de carne. Humana, neste caso.

Em boa verdade, é daquelas grafias, ou imagens, que estamos sempre desejando nunca ver ou, melhor ainda, nunca sermos o objecto registado.

Trata-se, para ser rigoroso, da minha mão esquerda, com um belo de um ossinho fracturado, e antes ainda de ter sido engessada.

Há sempre uma primeira vez para tudo na vida e, hoje, tocou-me esta.

Isto e mais a história, realmente mirabolante, que contarei assim que me habituar (e terei bastante tempo para isso) a usar somente a mão direita no teclado.


Bem como somente a mão direita para um montão de outras coisas.”


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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Vertendo velharias


Se eu bem recordo, o mais complicado de fazer nesta fotografia foi o conseguir retirar o fundo da garrafa para conseguir controlar o fluxo de líquido que verteria.

Azeite, um ferro em brasa e muito cuidado para o conseguir fazer entrar pelo gargalo sem lhe tocar. Com muita paciência consegui à primeira.

Em seguida foi o conseguir posicionar a garrafa. Guita, fita adesiva, molas de roupa, braçadeiras de mangueira... tudo o que tinha à mão.

Já os cubos de gelo aguentaram todo o tempo que quis, mesmo sob o calor das lâmpadas de 500w que usei para iluminar a cena. Feitos de acordo com um truque apendido num almanaque de fotografia: gelatina alimentar incolor, água e formas de gelo. Infalível e com o aspecto e capacidade de flutuar do gelo convencional.

O resto foi enquadrar tudo com a câmara de grande formato que estava a usar, controlando a profundidade de campo no vidro despolido com o auxílio de uma lupa, colocar o chassis carregado com diapositivo em película rígida para 3200K, usar uns filtros para “aquecer” o fundo, bem medir a luz e premir o cabo disparador.

Mais que recordar, sei que só fiz uma fotografia, que isso era parte do desafio que nos haviamos imposto: fazer uma só fotografia a “publicitar” um produto sem evidenciarmos a respectiva marca.

Saudáveis competições que fazíamos, uns quantos amantes de fotografia, sem classificações nem prémios, algures na primeira metade dos anos ’80.

 

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

A lei do funil




As coisas são o que são e ou bem que são aceites ou bem que são mudadas.

A Assembleia da República é considerada a Casa da Democracia. É nela que têm assento os representantes eleitos dos Cidadãos para regrem a coisa pública e as leis que vigoram no País.

As diversas tendências de pensamento ali representadas correspondem, em princípio, ao que os Cidadãos escolheram e têm por correcto ser feito. E as decisões são tomadas nas respectivas proporcionalidades dos eleitos.

Polémica do momento é o haver um rumor sobre um hipotético boicote à eleição de um vice presidente na Assembleia da República de entre os deputados do partido Chega.

Este sente-se ofendido porque, e de acordo com o regimento parlamentar, os quatro maiores partidos podem propor um nome para o cargo. E a prática habitual é ser eleito.

Mas o termo é “eleito”. Por outras palavras, os deputados votam nos nomes propostos, tendo que haver uma maioria absoluta para que seja aprovada cada uma das pessoas propostas.

Em havendo deputados ou conjuntos de deputados que não queiram alguém a exercer um cargo no Parlamento diferente do de apenas deputado, é legítimo que votem contra. E se a maioria dos deputados votar contra uma pessoa, ela não é eleita. Tal como os candidatos a deputados são ou não eleitos pelos Cidadãos. Tal como os candidatos a Presidente da República são ou não eleitos pelos cidadãos.

Estas são as regras em funcionamento, resultantes do sistema democrático em vigor.

Se o partido Chega não quer aceitar a Democracia em vigor, nesse caso pode-se perguntar porque se candidatou a uma eleição para um Parlamento livre e democrático.

A menos que esse partido entenda que a Democracia e as regras são boas quando lhe convém e não são boas quando lhe são desfavorável. A chamada “Lei do funil”.

Nada que me espante, considerando o que consta ou se sabe sobre as ideias e as práticas dos membros deste partido.


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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Aprender com os antigos




Uma das recordações da minha infância é o do calor exterior comparado com a frescura dentro de casa.

Esta era, por regra, acompanhada por uma espécie de penumbra, já que as persianas, ou veneziadas, estavam descidas, impedindo a luz solar e a sua radiação de entrar. Junto com a corrente de ar por ter as vidraças abertas, era uma sensação bem agradável, quando comparada com a agressão estival da rua.

Nada que hoje não se possa reproduzir em nossas casas, alternando com os ares condicionados e o que implicam de comsumo energético.

Mas havia um detalhe então que hoje não é comum encontrar. Pelo menos nas construções modernas: o modelo de persiana.

Tal como estas duas, permitiam descer até baixo mas angula-las em relação às vidraças, permitindo uma franca circulação de ar sem que a luz entrasse.

Já vão sendo raras, as janelas assim guarnecidas. Não sei se por causa dos materiais com que são feitas, se pelo seu custo, se por modismo...

Certo é que, em passendo aqui pelos nossos vizinhos espanhóis, nas zonas onde o estio é violento, o sistema mantem-se mesmo que em construções recentes.

 

Muito se fala em aquecimento global, em consumos energéticos, em políticas verdes... mas o certo é que a civilização pouco se preocupa de facto com isso, ou iria aprendendo com os antigos formas simples de climatizar as habitações sem grandes tecnologias.

Um outro bom exemplo de como a civilização não se preocupa com estas questões, é ver como as construções novas, com boas classificações energéticas, não possuem estendais.

A roupa lavada deverá ser seca em máquinas de secar ou estendias em estendais interiores e retracteis, que não se pode “desfeiar” fachadas com cores e peças variadas. Perdendo as características humanas dos espaços, transformadas em belas réplicas das maquetas a presentadas mas com poucos sinais de por lá habitarem pessoas.

A habitabilidade e definição territorial do indivíduo perde-se em favor dos gabinetes de arquitetura, posturas municipais e uniformização dos espaços.

Já os cidadãos e o seu conforto e preferências pessoais mais não são que consumidores obrigatórios, normalizados por códigos binários e conceitos estéticos castrantes.

 

Nota adicional: esta fotografia foi feita numa bem fresca tarde de inverno.


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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Deduções ou certezas




Foi numa segunda-feira.

Como  é que tenho tanta certeza?

Porque em famílias tradicionais, com trabalho de segunda a sexta e a mulher em casa – comum em bairros sociais – o fim de semana é dedicado à família e, se for caso disso, para ir à igreja. Muda-se a roupa de casa (cama, mesa, banho, etc) e é à segunda-feira que a lides domésticas regressam, incluindo a lavagem de roupa. Dependendo do clima, à terça ou quarta já não se vê tanta roupa a secar nos estendais.

Nos tempos actuais, com o papel da mulher a repartir-se pelo trabalho fora de casa e a lide doméstica, e com os horários diferenciados, estas tarefas acontecem quando é possível.

Muito se pode dizer, especulando ou não, sobre a vida dos nossos concidadãos se prestarmos atenção às traseiras das casas.


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Rigor, só que não




Um relógio é um aparelho de medida. Nada de novo nisto.

Mede aquilo que não é palpavél nem visível, o que torna o aparelho e as suas medições subjectivas.

Dizer que é meio-dia e vinte ou meio-dia e quarenta e cinco é nada significativo se pensarmos num intervalo de um mês, por exemplo.

Mas serve esse aparelho para regular a ctividade humana. Os cães, por exemplo, não se preocupam com as posições dos ponteiros ou os algarismos visíveis.

Mas quando nós, humanos, temos um compromisso, uma das primeiras coisas que tentamos honrar é o respectivo prazo ou momento de execução. Tal como um montão de outras actividades para as quais o tempo e a sua medição é importante, senão mesmo vital.

A navegação, marítima, aérea ou terrestre depende da medição do tempo e dos seus intervalos. Tal como a actividade laboral, na marcação de início e fim. Já nem falo nos aparelhos que usamos com a maior banalidade – telefones portateis e computadores – em que o seu funcionamento interno depende de frequências e estas mais não são que uma forma de medir o tempo ou algo por unidade de tempo.

Assim se percebe, o relógio e o que ele nos mostra acaba por ser algo imprescindível na actual sociedade. E a sua regulação é vital. Tal como a sua tirania.

Mas sentimos estranho, desagradável mesmo, que num interface de transportes colectivos, existam relógios parados. Ou com ausência de ponteiros ou de algarismos. Ficamos sem saber a quantas andamos, se o belo do comboio ou autocarro já partiu ou ainda não chegou ou se temos ou não oportunidade de um cigarrito ou mesmo de um café.

O pior mesmo é quando funcionam na sua contagem e exibição mas estão desregulados. Uns minutos ainda se toleram. Caramba! Todos nós conhecemos as leis de Murphy e sabemos que dois aparelhos de medida iguais, nas mesmas circunstâncias, mostram resultados diferentes. Relógios incluídos.

Agora que tenham diferenças de uma hora?!

É o que sucede neste local onde, aquando da mudança de hora semestral, este exemplar não foi acertado. Mostra-nos a hora de verão e está na origem de inúmeros sustos dos incautos ou ignorantes da desregulação, ao olharem para ele e se aperceberem que estão uma hora atrasados, seja lá para o que for.

Até os que o sabem, como eu, demoram um ou dois segundos a descodificar o tempo e este seu medidor e a tranquilizarmo-nos.

Sendo que este local faz parte dos meus trajectos a caminho do trabalho, já pensei em contactar quem disto trata e pedir a respectiva correcção. Mas sempre me deixei ficar na quietude de quem gosta de ver o susto estampado nos rostos de quem ali chega e para ele olha.

Ninguém disse que sou perfeito ou que não tenho uma costela de sádico. Talvez até seja parente de quem não o acertou, quiçá propositadamente.


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