sábado, 26 de fevereiro de 2022

Sobre o tema do dia




O poder, o verdadeiro poder, não é possuir dinheiro.

O verdadeiro poder, e para dar um exemplo meio absurdo, é acordar de manhã e pensar: “Quero que toda a gente tenha a cabeça rapada como um careca. Eles e elas.” E, pouco tempo depois, toda a gente ter a cabeça rapada.

Este é o verdadeiro poder.

O dinheiro e as armas são apenas as ferramentas que permitem exercer o poder. O poder sobre os outros.

Podem-se usar diversos argumentos para o exercício do poder. Ou diversas estratégias. Desde o “Eu é que sei” até “Eu vos protegerei dos perigos”, desde o controlo sobre a comida e outros bens até à propaganda orientada.

O poder, o verdadeiro poder, é algo que pode ser exercido ou ambicionado por uma pessoa ou por um conjunto de pessoas. Se for por um conjunto de pessoas alargado a toda a população chamam-lhe democracia. Se for exercido por uma só pessoa, chamam-lhe autocracia. Se for apenas um pequeno grupo de pessoas tem o nome de oligarquia.

Regra geral, as autocracias e as oligarquias nunca se satisfazem com o poder que têm, ambicionando ir mais longe no exercício do poder e na amplitude ideológica ou geográfica. Diz-se que a ambição de poder é desmesurada.

Indo mais longe, as autocracias, tal como as oligarquias, acabam por ser ditaduras, em que as vontades de um ou de uns poucos se impõem sobre todos os outros. Raramente pacíficas. Muito frequentemente crueis e mortais.

Aquilo que estamos agora a assistir no leste europeu mais não é que o confronto de várias ambições de poder, explícitas por parte de uns, implícitas por parte de outros. Imposições de formas de vida e de pensar, de organização da sociedade de acordo com parâmetros ideológicos, um país autocrático, quiçá oligárquico, com sonhos de poder imenso, ataca um outro sob pretextos de segurança e de direito histórico.

O atacado está interiormente dividido entre várias formas de organização de sociedade, diametralmente opostas, umas ditatoriais, outras pseudo democráticas. Em que as vontades e ideologias se confrontam desde há tempos, querendo cada uma impor-se à outra, já não tanto por propaganda e controlo dos meios de subsistência mas recorrendo a meios violentos. Sob o olhar complacente das autoridades, que intervêm se e só se a sua autoridade estiver posta em causa. O que torna este país presa fácil para quem não tem escrúpulos na forma de atingir o verdadeiro poder. Pessoa ou país.

Nas costas deste todo um conjunto de países, supostamente organizados, que passam o tempo a tentar regular as divergências internas, sentindo-se ligeiramente incomodados quando as questões externas afetam o seu conforto, mas pouco ou nada fazendo para as resolver na raíz.

Agora sentem-se ameaçados porque os problemas externos são no seu quintal, correndo o risco de lhes entrar pela porta. E sentam-se a discutir, muito democraticamente, como resolver aquele problema que lhes afeta o sono. Não sei se por ruidoso se por pesar na consciência.

Enquanto os autocratas ou oligarcas forem exercendo seu poder, o verdadeiro poder, enquanto o dinheiro correr a jorros para o alimentar e as armas os sustentarem, continuaremos a ver países a atacar países, povos a estrangularem povos, homofóbicos a esquartejarem gays, extremistas a exterminarem quem veste ou pensa diferente.

O mundo insurge-se com o ataque russo à ucrânia. Já ninguém fala no que acontece, há décadas, na palestina, ou no iemen, ou na patagónia.

E, no entanto, o que acontece é o mesmo: desejo de verdadeiro poder. Independentemente da escala do que se faz para o obter. Só que não no nosso quintal.


By me

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