quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Num Setembro, há uns anos




Por vezes a fotografia vale por si mesma, sem mais explicações. Outras, há que contextualizar o fotografado para que faça algum sentido. Outras ainda será um texto ou uma ideia que necessita de uma ilustração. E é frequente considerar-se a ilustração fotográfica um género menor.

Recordo a dificuldade em ilustrar este texto, cujo rascunho foi redigido num caderninho numa mesa de café. Encontrar uma imagem, passível de executar ali, sem mais que o que tinha comigo, entre objectos, equipamento e luz. E que, de algum modo, correspondesse ao relatado, factual e subjectivamente. Foi o que me saiu.

 

Num Setembro, há uns anos

A noite fora curta. Muito curta.

Somado a isso, um dia passado em andanças que me fizeram recordar outros tempos, que tinha prometido não voltarem. Mas as promessas foram criadas para se quebrarem.

Em cima de tudo isto, um almoço particularmente tardio, uma tarde de muito calor e o suave embalar do comboio, acabaram com as minhas resistências: quando dei por mim, tinha acabado de passar a minha estação.

Saí na seguinte e, no largo que lhe é fronteiro, parei um pouco. À sombra. E fiquei, sem pressas, a ver o que acontecia no lago da estação de um bairro suburbano num fim de tarde domingueira que, sendo Setembro, bem que podia ser Agosto.

Uma moça, em idade de terceiro ciclo escolar, e com trajes a condizer, esperava impacientemente por algo ou alguém. Não era da zona, que foi confirmar com funcionários dos autocarros locais se estaria onde pensava. P’lo semblante, pareceu-me que sim.

Eis que pára um carro, com um rapazola já bem crescidote ao volante e que, p’la forma como abordou os incomuns sentidos rodoviários, também não seria dali.

Toca o telemóvel dela, que atende: era ele. E não se conheciam.

Aguardava ela, e trazia ele, um manual escolar. Que ela reconheceu de imediato com um “É mesmo este, obrigado!”

Volta ele p’ro carro e ela p’ra carrinha de onde saíra, onde uma mulher, ao volante, aguardava com mais duas garotas atrás.

Seguiram os dois veículos e eu fiquei a vê-los afastarem-se. E pensando com os meus botões que aquilo terá sido uma cedência gratuita de manuais usados. É bom ver tal coisa ao vivo.

E estou eu a pensar e a sorrir sobre isto, quando sou abordado.

Um velhote, andrajoso e com um olho inchado e fechado, vinha pedir-me um cigarro. “Mas só se puder ser e não lhe fizer falta”, disse-me.

“Claro!” e tirei a cigarreira do bolso, abrindo-a e estendendo-lha. “Sirva-se”.

Olhou para ela, olhou para a sua mão suja e calejada e deixou-me de boca aberta: “Se não se importa, tire o senhor.”

Dei-lhe quatro.

 

Por vezes, compensa adormecer no comboio!

 

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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Faltava pouco




É uma daquelas brincadeiras inocentes sobre comportamentos que qualquer um pode fazer:
Em vendo alguém consultar um aparelho de medida de tempo (de pulso, de bolso, de parede ou num telemóvel), assim que for de novo guardado perguntar de imediato “Que horas são?”.
Constatarão que a esmagadora maioria das pessoas olhará de novo para o relógio, porque não o sabe de cor.
Na verdade, quando olhamos para um relógio, aquilo que queremos saber ou aquilatar não é o valor nele indicado mas sim a sua relativização. Quanto tempo falta para ou quanto tempo já passou desde que. É cedo ou tarde.
O valor real, em horas, minutos ou segundos de pouca monta é. Que no momento seguinte estará alterado, pertencendo ao passado.

Assim, não fiquei de todo surpreendido ou incomodado quando fiz esta fotografia.
Olhando para o que este relógio de sol me indicava e comparando isso com o meu relógio de pulso, o telemóvel e a indicação da câmara fotográfica, obtive quatro informações diferentes. Mas pouco relevantes, já que estava exactamente na hora de fazer uma fotografia. Ou, em o preferindo, faltava pouco para dali a um pedaço.

Em última análise, e para os cépticos ou cientistas, será a demonstração prática de uma das leis de Murphy: aparelhos de medida iguais, nas mesmas condições, mostram resultados diferentes.

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terça-feira, 28 de setembro de 2021

Investigação ou divertimento




Não sei, com rigor, quantas freguesias e municípios tem o país.

Do mesmo modo, não sei quantos foram os candidatos a um lugar nestas eleições autárquicas. Vários milhares, estou certo.

Destes milhares, muitos foram os que apareceram aos eleitores em cartazes ou folhetos, afixados nos locais do costume, distribuídos de mão em mão ou colados nos locais mais insuspeitos. Mas todos eles tinham uma coisa em comum: a fotografia do cabeça de lista. Por vezes acompanhados dos seus lugares-tenentes ou do líder partidário nacional.

Assim, terão sido uns milhares de retratos, busto ou meio corpo, feitos de propósito para este acto eleitoral. Todos eles feitos com o intuito de convencerem os eleitores.

Mais do que servirem de documento de identificação, ou de apresentação (este sou eu), mais que serem a interpretação do fotógrafo sobre o fotografado, estes retratos têm um objectivo específico: convencer o público das suas capacidades governativas.

Sendo que são tantos, de tantas formações partidárias e tão espalhados pelo país, certamente que não usaram um único fotógrafo. Terão sido os fotógrafos locais ou regionais, pagos ou voluntários por uma causa, que terão feito o trabalho. Cada um com a sua abordagem, cada um a querer agradar ao cliente no seu objectivo.

Será interessante comparar todos esses retratos. Na sua qualidade técnica mas, e principalmente, nas poses escolhias, na luz usada, no enquadramento pensando na arte final. Até mesmo nas cores do vestuário pensando nas cores do cartaz. Nas mensagens subliminares que ali estarão plasmadas na tentativa, quiçá fútil, de convencer os indecisos na sua opção de voto.

Não me lembrei de fazer este estudo antes das eleições. Agora irei tarde para fazer uma recolha significativa.

Se por cá estiver daqui por quatro anos, e se disto me lembrar, acho que terei com que me entreter. E divertir, nas ligações ideológicas de cada retrato com o respectivo partido e zona do país.


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segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Coisas




Colocar algo circular dentro de um rectângulo não é coisa fácil.

Raios e tangentes, perímetros e arcos, curvas e rectas… o universo é composto disto, mas nós incompatibilizamos o que é natural.

Esta é uma abordagem possível do conjugar linhas e dimensões, incluindo o tempo e acrescido da luz, tudo reduzido à planura e imobilidade de uma fotografia.

Digamos que não tinha nada que fazer e saiu-me isto.


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domingo, 26 de setembro de 2021

Sobre o direito à abstenção




Há quem defenda acerrimamente que o voto deveria ser obrigatório e punido quando não se cumprisse. Sou contra!

Desde logo porque as coisas obrigatórias me fazem alergia de pele.

Depois, e por motivos ideológicos, entendo que ninguém deve ser obrigado a participar nas coisas públicas. A abstenção deve ser um direito inalienável.

No entanto, “não há almoços grátis”!

O não querer participar na gestão da coisa pública significa que a coisa pública não lhe interessa. Nem o que bom ela possa ter, nem o que de mau. Na génese ou nas decisões.

Donde, em consciência, não pode ou não deve esperar que a coisa pública faça algo por si, quando nada faz por ela. Acção e reacção.

Por mim, e mantendo o direito de abstenção nas eleições, seja elas quais forem, os abstencionistas perderiam o direito aos benefícios oriundos da coisa pública e de se relacionarem com ela.

Devoluções de IRS ou de IRC? Esqueçam! Acesso a apoios no desemprego ou doença? Nem pensar! Poder candidatar-se a um emprego numa entidade pública? Negado! Habitação social? Não! Contractos de serviço com entidades públicas? Inaceitáveis!

Estas restrições, que são resultantes da gestão da coisa pública, ficariam suspensas até que regressasse à condição de eleitor activo, no acto eleitoral seguinte para o mesmo órgão público: autárquicas, legislativas, presidenciais ou europeias.

Dito de outra forma, quem não concorda com o sistema e com ele não colabora não pode dele beneficiar.

Recordo que há várias formas de protesto contra o sistema, como a de votar em branco ou nulo. Mas este protesto é activo. A passividade, o desinteresse, o deixar para os outros o ónus da culpa de um sistema que se contesta… É legítimo, mas não pode ser inconsequente.

Alguns países combatem a abstenção com a obrigatoriedade de voto, passível de multa se não cumprido. Discordo!

Se não concordo com coisas obrigatórias, as multas com valores fixos, tais como as de trânsito, não são equitativas. Um determinado valor pode ser muito pesado para quem tenha baixos rendimentos mas negligenciável para quem os tenha elevados.

Quem não quiser contribuir para a sociedade terá toda a liberdade de o fazer. Mas não pode esperar que a sociedade contribua para o seu bem pessoal.

 

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Foi a luz!




É a luz! Será sempre a luz que me fará arregalar o olhar e ficar preso num qualquer detalhe ou procurar uma qualquer perspectiva que a evidencie e melhor conte a história do momento. Ou uma qualquer estória ali sonhada.

Por vezes é o inverso: uma perspectiva simpática ou insuspeita que faz com que procure a solução lúmica para que a registe, nem que seja horas ou dias depois.

Neste caso foi tudo junto: a luz, a perspectiva, os códigos, o anonimato dos presentes, as mensagens subliminares, a gestão de espaço…

As informações do arquivo indicam-me a data. Ainda bem, que é coisa que esqueço com frequência. O que não esqueço são as circunstâncias em que fiz isto: local, equipamento, circunstâncias…

A fotografia tem, entre outros, o papel de auxiliar de memória. Mas tenho para mim que o que não ficar na memória pouco importante será pela certa.


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sábado, 25 de setembro de 2021

Amanhã não se esqueça de ir botar!




Pouco importa se é rijo que nem cornos, doce ou podre.
A escolha é sua e o seu futuro está nas suas mãos e na ponta dos seus dedos.
É fácil e é grátis. Até lhe emprestam a caneta!
Bote, que no botar é que está o ganho. O seu! O de todos nós!

(Nota extra: foi usada a técnica do ovo de Colombo)

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quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Dois episódios em torno de um fotógrafo que oferecia fotografias




O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.

Por mim, admito não me recordava dele, já que não é fácil fixar a cara de quem vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.

Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.

É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.


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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.

Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.

Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil, era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.

E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.

Quando preenchi o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista! A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!


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quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Meio minuto




Foi a última lua cheia deste verão. Por coincidência, aconteceu na última noite deste verão.

Claro que já ninguém dá importância às fases da lua nem às mudanças de estação. Tanto uma coisa quanto a outra acontecem desde que nascemos. Desde muito antes de nascermos. Em boa verdade, acontecem desde muito antes de o ser humano o ser. E, acreditemos ou não, acontecerão até muito depois de o ser humano deixar de o ser.

Convenhamos que, e mesmo que isto possa ferir a importância que nos atribuímos, se o universo não é infinito nem eterno, o Homem é-o muito menos. E muito menos importante do que supomos ser.

Os antigos, os muito antigos, consideravam estas coisas relevantes: as fases da lua, a duração dos dias e das noites, o posicionamento do sol… Importantes o suficiente para que, sem matemáticas ou maquinarias, se juntassem para erguer monumentos que assinalassem esses momentos. Para que honrassem o universo no seu todo e o simples facto de existirmos.

Hoje entendemos isto como inconsequente nas nossas vidas!

Com a urgência dos consumos desenfreados de inutilidades que nos pesam no quotidiano, menosprezamos aquilo que nos demonstra que somos efémeros, quase que insignificantes no universo e que, por muito que façamos, em quase nada nele influímos.

Sugiro que usem meio minuto que seja para pensarem nisto.

E desejo-vos que tenham um bom equinócio, com todo o amor que sejam capazes de dar e receber.


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terça-feira, 21 de setembro de 2021

Iconógrafo




Não mais sou fotógrafo!
Doravante considero-me, e assim gostarei de ser tratado, como iconógrafo, um fazedor de ícones.
Porquê esta mudança? Substancialmente devido às discussões que proliferam em tudo quanto é lado sobre se determinada imagem é ou não fotografia. As confusões sobre este tema são tantas que decidi colocar-me à margem delas.

Para todos os efeitos, as imagens são ícones.
Produzidas por meios foto-mecânico-quimico-eléctronicos, são o substituto de uma realidade, imagens representativas, ícones daquilo visto ou sentido pelo seu autor e como tal interpretado pelos que as vêem.
A alguns destes ícones é dada a categoria de fidedigno, por serem fiéis aos acontecimentos descritos. Fidedignos?!
Como pode uma imagem ou ícone ser fidedigno se apenas mostra duas de quatro dimensões?
Como pode ser cópia da realidade se deixa de fora quatro dos cinco sentidos?
Como pode ser fiel representação de um acontecimento se os bordos do seu enquadramento são como guilhotinas afiadas truncando do todo o visível apenas uma parte?

Por fotografia encontro num dicionário esta definição:
“do Gr. Phôs, photós, luz + graph, r de graphein, desenhar
s. f. arte de fixar numa chapa sensível, por meio da luz, a imagem dos objectos;
fig. Cópia fiel; retrato”

Eu ponho em causa quase tudo o que aqui se afirma, no que ao meu trabalho concerne:
- Não sabendo eu o que é uma “fotografia artística”, como já aqui o afirmei, não posso dizer que o que faço seja “arte”;
- Não uso chapas! Já as usei, nos tempos em que trabalhava com grandes formatos (saudades, caramba!). Agora uso película e flexível, em rolos ou, e é o que mais disso se aproxima, suportes digitais, em que o CCD se poderá comparar a uma chapa, mas não mais que isso;
- Cópia fiel não o é! Eventualmente uma fotocópia sê-lo-á, mas não aquilo que faço com a minha câmara.
O único aspecto com o qual concordo é a definição de “retrato”.
Efectivamente aquilo que faço (e entendo que todos os que usam câmaras fotográficas fazem) são retratos daquilo que vêem. Imagens subjectivas e interpretativas daquilo que vêem, sentem, pensam sobre o que está em frente da sua objectiva.

E depois do acto fotográfico, da captura da luz (essa efémera), é tudo trabalhado, subvertido, adulterado. Quer seja com químicos, com electrões, com a nobre prata ou os menos nobres corantes. Embutidos ou projectados sobre papel ou pedaços fosfóricos excitados por electrões.
Seja qual for a técnica usada, não são nunca, por nunca o serem, cópias fiéis da realidade mas tão só a minha interpretação dela. Da minha actividade resultam ícones do que vi, senti ou pensei!

E se até agora me intitulei de “fotógrafo” foi porque, tendo que haver um termo que definisse o que fazia, este era consensual: fotografia!
Mas, nos tempos que correm, são tantos os que a põem em causa, que argumentam se um dado trabalho será ou não fotografia, se esta ou aquela imagem é ou não arte fotográfica, que decidi deixar-me à margem de semelhantes discussões.
Aquilo que faço com a minha câmara, químicos e computador são ícones dos meus sentimentos.
E eu sou um iconógrafo!

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domingo, 19 de setembro de 2021

O bolo, a faca e a fotografia - história



 

Provavelmente, se vos apresentasse uma fatia deste bolo assim cortada, franzirieis o nariz.

“Um bolo cortado com uma faca ferrugenta? Não, obrigado!”

Eu pensaria o mesmo. Indo mais longe, e olhando mais atenção, estranharia também o formato da lâmina.

No entanto, devo dizer, tenho um orgulho imenso nesta faca, da qual não retiro nem um grama de ferrugem. E que não uso para cortar bolos, ou o que quer que seja.

Esta faca foi prenda de casamento de meus avós. O que, e considerando a idade que tenho, podeis palpitar a idade da boda e da faca.

Posso ainda acrescentar que o cabo é feito de alpaca, a “prata dos pobres”. A sua composição é cobre, zinco, níquel e prata, e o resultado abrilhantava as mesas de cerimónia de quem mais não tinha.

Quanto à deformação da lâmina, que vos asseguro estar particularmente fina de espessura onde vedes fina de largura, está assim porque afiada vezes sem conta ao longo de muitas dezenas de anos.

Mais acrescento, porque vi e não porque mo tenham contado, que esta era a faca com que se cortava o pão. Só o pão e a única faca e o pão era de quilo da semana, cozido que era ao sábado que havia que durar até ao sábado seguinte.

Já o bolo, esse, é fresquíssimo e cortá-lo-ei daqui a pouco com outra faca, que esta irá para o local onde tem estado, à vista, em minha casa.

 

Dados técnicos, para os que gostam destas coisas:

Pentax K7, ISO 400, jpeg. Pentax M 50mm f/1,2. 1/60, f/16.

Dois flashs a 180º, relação de contraste 1:2, o da esquerda com um difusor de 25cm, o de trás cru. Sem medição prévia de luz porque sem pilha no flashmeter.

Wireless para um flash, slave para o outro. Flashs e difusor em tripé, faca suportada por um “magic arm”. Câmara à mão.

Processado para o crop pretendido e ligeira redução de saturação de cor.

Adereços cá de casa, bolo feito pela minha mais-que-tudo.



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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Luto




Lamento ser portador de más notícias: O João do Grão morreu.

Na rua dos Correeiros, pertinho da Praça da Figueira, tinha mais de 200 anos e, ao que entendo, seria dos mais antigos de Lisboa.

Faleceu vítima de pandemia e ganância, mais um edifício comprado para transformação em hotel e, no negócio, lá chegaram a acordo com o restaurante. Que fechou portas.

Isto é uma notícia corriqueira neste século XXI e nesta cidade que corre atrás do lucro turístico mais ou menos rápido, descaracterizando-se e pouco pensando que dentro de alguns anos este fluxo minguará porque outros locais e cidades se valorizarão e teremos um centro da capital com hotéis e quejandos às moscas. Como aconteceu no pico da pandemia.

E hoje, quem se passear pela baixa da cidade, encontra-a descaracterizada, com lojas iguais às dos centros comerciais ou dos centros de outras capitais, com os mesmos produtos mas em língua portuguesa. Ou de recordações baratas, genuinamente inúteis. Orientadas para os forasteiros e que, com o previsível declínio do turismo a médio prazo, fecharão. Tornando o centro da cidade ainda mais deserto ou, em alternativa, uns bairros afectos aos de grandes posses, uma vez mais descaracterizando-a.

A minha ligação ao João do Grão é velha de muitos anos. Mais de quarenta. Boa comida, atendimento simpático, quase caseiro, preços acessíveis… Pese embora só lá ir tomar uma refeição de quando em vez, que essa não é uma zona onde vá amiúde, quando ontem ali passei e quis saber o que tinha acontecido, fui saudado por três ex-funcionários, agora a trabalhar em restaurantes e esplanadas contíguas.

Disse-me um deles: “Casei, os meus filhos fizeram-se homens, os meus netos nasceram e eu a trabalhar ali. Custou-me!”

A mim também!


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quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Fica para história (ou não)




As guerras dos números nunca terminarão.

Entre organizadores, detractores e entidades oficiais, os métodos de contagem, cabeças ou metro quadrado, com arredondamentos por cima ou por baixo, o querer esconder ou exaltar, nunca se saberá com rigor quantas pessoas estiveram na rua neste dia. Falou-se em mais de um milhão, em Lisboa e em todo o país.

Independentemente de ficar para a história (ou não) que um punhado de gente, formando o grupo informal QSLT e usando as redes sociais de modo inédito, tivesse conseguido mobilizar uns bons 10% dos portugueses para um protesto contra as políticas governamentais e o endividamento do país no seu todo e de cada cidadão em particular, uma coisa não será esquecida:

A memória de todos os que se manifestaram em 15 de Setembro de 2012, fez ontem nove anos.

Por mim, e para além de tudo o que foi contado e reportado, o que me espantou realmente foi a velocidade com que se marchou por Lisboa. Como se aquelas centenas de milhares de pessoas tivessem pressa de chegar a algum lado e que algo acontecesse. Em todas as manifestações em que estive desde ’74, e foram muitas, nunca vi nada de semelhante.

Não creio e não espero voltar a viver algo de semelhante. Porque desejo que aquelas condições do país que levaram à criação do grupo não se repitam. E porque dificilmente se voltará a conseguir mobilizar tantos cidadãos e de tantos e diversos quadrantes políticos.

 

QSLT – Que Se Lixe a Troika, queremos as nossas vidas


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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Especulações fotográficas



 

Dei por ele quando contornou o coreto. E o meu olhar parou nele porque tinha uma mochila técnica com um tripé preso de lado. “Um cão reconhece outro cão”, como diz o povo.

Mas eu estava sentado num banco, a tentar encontrar em mim ou em redor um espírito anímico que não encontrava. Conheço muito bem aquele jardim, mas já lá não ia há uns anos, bem desde antes do início da pandemia. E havia por ali algo que eu não reconhecia, pese embora continuarem a existirem crianças e jovens nas suas brincadeiras, gente a passear bebés nas suas cadeirinhas, idosos nos bancos de conversa, namorados de passeio… Aquilo que conhecia e saber que ali iria encontrar. Mas havia algo intangível que deveria sentir e não conseguia. Problema meu, pela certa. E estava ali sentado, tentando encontrar isso mesmo para conseguir fotografar o que quer que fosse.

Passado pouco tempo os meus olhos dão com ele, de novo. Estava junto a uma árvore icónica do local, de conversa com um pequeno grupo que me pareceu ser uma família, e montava o tripé no qual colocou um flash.

“Boa!”, pensei. ”Com aquele eixo e sob a copa daquela árvore vai ter uma excelente luz de recorte com o sol, que compensará com o flash. E como os arbustos estão lá longe, ficarão fora de foco. Deve ficar bonito.”

Fez os testes óbvios e começou o trabalho. Para tristeza minha.

O casal, com o pequenote ao colo ou nas cavalitas, ficaram na sombra, encostados ao enorme tronco, sem que um raiozito de sol directo lhes iluminasse a cabeça, os cabelos, os ombros…

Mais de perto ou mais de longe, com a zoom mais aberta ou mais fechada, lá foi fazendo o seu trabalho, com o flash cru a mais de 45º com a objectiva e mais baixo que as suas cabeças. E, pelas posições relativas de modelos, árvore e flash, com a sombra deles projectada no tronco, rugoso e vetusto.

Caramba! Conheço o local, os eixos, as luzes, as horas… e aquilo parecia-me um desperdício, o não aproveitar o astro-rei para dar realce àquela família. E, juro, estive vai-não-vai para lá ir meter o nariz. Claro que não fui!

Não era eu o encarregue do trabalho e, nem sequer os conhecendo, não seria bem recebido pela certa.

O resultado que eu sugeriria seria algo como isto, com a vantagem de a “luz de enchimento”, no lugar de ser a reflectida do chão e pouco controlada como aqui, seria a do flash, sendo o próprio a definir eixo, dureza e intensidade.

Esta imagem foi feita mais ou menos nesse mesmo local, mais ou menos à mesma hora e mês e com uma câmara que ali tenho guardada e que, apesar de nova na altura, tem hoje quase quinze anos de idade com o que isso implica de resolução e etc.

Não pretendo dar lições a ninguém, menos ainda se não mas pedirem. Entre outros motivos, porque aparentaria uma arrogância que acho que não tenho.

Mas aquele trintão bem medido bem que poderia prestar um pouco mais de atenção à qualidade da luz, em vez de se preocupar tanto com a quantidade.

Digo eu isto, que tenho a mania que percebo alguma coisa do assunto, que adoro o sol do outro lado da objectiva e que me farto de fazer asneiras com a minha câmara.

 

Nota adicional – Não vi o resultado do seu trabalho, pelo que tudo isto será mera especulação, com um bom bocado de maledicência com origem na minha própria frustração de me ter vindo embora do jardim sem uma imagem digna de se mostrar.


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segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Fiascos




Para os que não sabiam, apesar de os noticiários e jornais terem andado a falar disso há mais de uma semana, hoje foi o primeiro dia em que “deixou de ser “obrigatório” usar máscara na rua, excepto quando não se puder manter distância de segurança”.

Sabendo disso e porque ter falado do assunto há dias, deu-me vontade de voltar a fotografar olhos. Agora que os rostos estariam a descoberto.

Que fiasco!

Desde logo porque a luz estava péssima, em quantidade e em qualidade.

Depois porque ou as pessoas não andam informadas, ou lhes ficou o hábito ou ainda têm receio. A maioria estava de máscara posta, mesmo que a mais de dois ou três metros de outro humano.

Quanto aos que não a tinham, ou estavam concentrados nas suas vidas ou caminhavam apressados para os seus destinos e não me foi possível fazer uma abordagem que fosse.

O dia só melhorou, em termos de luz, quando o sol estava já bem baixo no horizonte. O que me poderia ser útil, mas as pressas em regressar a casa ao fim do dia eram demasiadas.

Não desisto eu e amanhã, apesar de as previsões meteorológicas serem semelhantes, vou tentar num jardim cosmopolita.

Que hoje, foi isto o melhor que consegui fazer.

 

Nota adicional: a tal luz de que gosto.

Nota técnica, para os que gostam disso - Pentax K7, Sigma 70/300, 1/60, f/8, ISO 400.


By me

Luz e perspectiva




“A luz é a minha matéria-prima, a perspectiva a minha ferramenta”.

Esta é a expressão que define a minha relação com a fotografia. Tanto uma quanto a outra são as bases para o que faço.

E se quanto à luz não tenho dúvidas de que prefiro a luz que vem de lá, de frente para o fotógrafo, já quanto à perspectiva é-me bem mais difícil de definir qual a minha perspectiva preferida.

Fiz várias vezes um exercício com amigos e compinchas, antes do advento do digital: um local (praça, rua, “vila”), um tempo (uma hora, duas horas), um número de exposições (24 ou 36). Tudo isto para ser cumprido, cada um por si, sem intervenções reciprocas nem outros limites que os acima descritos e a visão de cada um.

Sendo certo que cada um de nós possuía várias objectivas (as zooms ainda não eram tão populares quanto hoje) acabávamos por constatar que as opções eram bem distintas. Havia quem preferisse fotografar com quase extremo grande-angular 24mm; havia quem optasse pela omnipresente  50mm; havia quem se baseasse em pequena teleobjectiva. A minha preferida era uma 90mm. Por vezes uma 135mm.

Estas opções individuais implicam, como se sabe, menores ou maiores distâncias aos assuntos e não apenas o quanto dele se vê. E esta distância de trabalho, se excluirmos as limitações que nos possam ser impostas pelo local, são esclarecedoras sobre a forma como quem fotografa se relaciona com o mundo.

Se não nos esquecermos que “a câmara fotográfica mostra tanto ou mais do que acontece atrás dela que à frente dela”, há todo um montão de tratados de psicologia, sociologia, antropologia e outras coisas acabadas em “ia” que se podem escrever sobre a matéria.

Por mim, e com o passar dos anos, continuo a gostar de trabalhar com meia-tele. Ou mesmo uma telobjectiva potente. Claro que há situações em que estou limitado pela objectiva que tenho disponível ou pelo espaço de trabalho.

Nestas ocasiões, o meu “gozo” é encontrar soluções técnicas e estéticas para, com o ângulo de visão disponível, conseguir contar o que quero.

Noutras, a história só se conta mesmo com uma grande angular, que me coloca e ao espectador dentro da acção, transmitindo para além de qualquer dúvida o que sinto. Este é um exemplo.

 

Posto tudo isto fica aquela pergunta incómoda porque a maioria dos que usam fotografia, creio eu, não pensou nisto: Qual a distância focal que preferem?


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sábado, 11 de setembro de 2021

Um olhar - copy/past



 

Durante uns tempos, uns anos, fui mantendo um projecto fotográfico cujo resultado visual foram umas centenas de imagens como esta.

O enquadramento escolhido foi este para todas, já que o título dado foi “Um olhar”.

As pessoas fotografadas eram conhecidas ou desconhecidas. A grande maioria desconhecidas, abordadas nas ruas ou em espaços comerciais, gente que, de algum modo, possuía um olhar que apelava a “fazer um boneco”. Claro que os locais que mais imagens me proporcionaram foram jardins e manifestações de rua. Nos primeiros porque a disposição dos presentes é, geralmente, de maior descontracção e afabilidade, sendo mais fácil aceder a um pedido estranho como este. Nos segundos porque quem está presente e se manifesta está a dar a cara por algo em que acredita e tem menos problemas em ser fotografado por um desconhecido.

Uma boa parte das vezes ao meu pedido obtive uma resposta-padrão: “porquê?” ou “Para quê?”. A isto contrapunha com um argumento que quebrava quase toda a resistência: “Gosto de fotografar coisas bonitas!” Um pouco de lisonja saudável ajuda sempre.

Após fazer a fotografia e uma verificação rápida, dois dedos de conversa, que começavam amiúde com isto: “Sabe que tenho uma câmara muito mal-educada, que dá números às pessoas fotografadas? As pessoas não são números! Que nome devo colocar nesta?” Isto dito já com um bloco de notas na mão.

Também isto abanava o visado. Os homens, em regra, disparavam logo um nome, sem hesitações. Dele, eu repetia o nome próprio e anotava-o. Já as senhoras… Hesitações, tentativa de não responderem, nome inventado na hora… Talvez que um quarto das situações com senhoras tivesse tido esta reacção. Quando a resposta era assumidamente negativa, aventava eu um que perguntava se poderia usar. Recordo “A menina das tintas”, ou “A menina dos cigarros”, ou ainda “Maria, a estudante”. Nunca as minhas opções foram recusadas e sempre tiveram por resposta um sorriso.

O tempo passa e os projectos vão-se gastando, ficando os seus autores cansados deles. Haverá que passar para outros ou ficaremos a repetirmo-nos numa rotina enfadonha. Este projecto não foi excepção e terminou. Melhor dizendo, está suspenso. Já só fotografo olhares se um qualquer motivo mos evidenciar anormalmente.

 

Em qualquer dos casos, estas imagens requerem condições especiais para serem feitas, para além das características do modelo.

Desde logo a luz: quantidade e qualidade. Quantidade para que se possa trabalhar com uma profundidade de campo prática e simpática. Qualidade para conseguir ter alguma uniformidade de ambos os lados do nariz e não evidenciar por demais as rugas existentes.

Em seguida a perspectiva. Haverá que manter alguma distância do rosto para se conseguir este enquadramento sem que o nariz, proeminente ou não, fique “abatatado”. Além do mais, e quando o modelo é alguém desconhecido e abordado no momento, estar demasiado próximo é intimidatório, criando uma expressão no olhar de medo ou incómodo.

Por outro lado ainda, para se conseguir esta escala de reprodução a uma distância de conforto, haverá que usar uma objectiva um pouco potente. Eu uso um 70/300mm que, na sua máxima distância focal acrescida do pára-sol, é comprida. Também não é confortável para um modelo desconhecido.

 

Em qualquer dos casos, o que acaba por ter graça neste projecto suspenso há uns sete ou oito anos, é não suspeitar então que hoje seria isto que vemos de rostos desconhecidos, debaixo de telha ou debaixo do sol.


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sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Estiquei-me com as palavras, desculpem



 

Não sei, com rigor, como fazem os demais humanos. Mas eu olho em redor para os lados, e não para cima e para baixo. Enfim, as mais das vezes.

É para ver as montras, para falar com outros, para ver o trânsito, para não bater no poste… é para os lados e em frente que dirijo o meu olhar.

Claro que para cima e para baixo também. De relance para baixo enquanto caminho, para verificar se há algum buraco ou prenda de cão. Para cima para verificar a possibilidade de chover ou para o papel, enquanto escrevo. Ou para admirar as estrelas. Ou aquele olhar de alto a baixo para manter a distância com alguém, de um modo semi insultuoso. Mais modernamente, para o ecrã do telemóvel.

Mas, regra geral, olho em frente e para os lados. Na horizontal.

Talvez por ter essa necessidade de saber o que acontece em redor, numa faixa horizontal, eu tenha dois olhos. Lado a lado e não acima e abaixo.

É por isso que ao fotografar, e porque quero fazer com a fotografia aquilo que o cérebro não faz – materialização do que vejo – que registo na horizontal. A esmagadora maioria das vezes na horizontal. E mesmo quando o assunto principal que quero descrever é vertical (um poste de iluminação, uma árvore, um corpo humano, um rosto…) procuro encontrar forma de isso colocar num rectângulo horizontal. É um desafio pessoal, o fazê-lo.

Indo mais longe, as proporções do rectângulo que prefiro são assumidamente bem mais largas que altas. O 3x4, o 9x16, o 1/1,5 que os fabricantes nos propõem com os seus formatos standard não me satisfazem. Não correspondem ao modo como me relaciono visualmente com o universo.

O que desde cedo me levou, ainda antes de me aperceber do porquê, a reenquadrar as fotografias que fazia e faço, procurando essa horizontalidade que é a minha. Primeiro no laboratório, com as réguas do marginador, por vezes nem o usando mas tão só a guilhotina. Mais tarde com as ferramentas de recorte que os editores de imagem permitem.

Isto tornou-se tão natural em mim que, ao olhar pelo visor da câmara, seja óptico, seja electrónico, já estou a visualizar o enquadramento final, sabendo que parte do que nesse momento estou a ver será retirado. Exactamente o mesmo tipo de raciocínio que tenho no que respeita a exposição e controlo de contraste ou cor. A prática repetida permite isto.

Claro que também é um exercício interessante o obrigar-me a usar os limites do formato da câmara para fazer o enquadramento final. As câmaras tipo “polaroid” a isso obrigam. E as de médio formato em 6x6. Tal como aquela filosofia fotográfica antiga do “enquadramento original”, bastante em linha com o “momento decisivo”.

Mas só uso isso como exercício de estilo, como forma de quebrar as minhas rotinas, como elemento disciplinador, obrigando-me a pensar um pouco mais que apenas considerando o instinto.

Entenda-se que esta abordagem da horizontalidade não é um dogma dos fabricantes. Nem de hoje nem de nunca.

Desde logo com as câmaras folding, de película 120. Toda a sua construção e publicidade levavam a que se usassem na vertical, obtendo negativos 6x7 ou 6x9 verticais. O que se tornava incómodo ao fazerem-me fotografias de paisagem ou de grupos.

Hoje temos os smartfones. Os botões físicos ou de ecrã convidam, sem sombra de dúvida, a fotografar-se, ou mesmo videografar-se, na vertical. Todo o handling, toda a ergonomia dos aparelhos está feita nesse sentido e é preciso alguma ginástica manual para o contrariar.

Estou em crer que sei o porquê disto, apesar da aparente arrogância do que penso.

O utilizador comum destes aparelhos fotografa maioritariamente pessoas. Uma pessoa, duas pessoas ou, com as tendências narcisistas da web, o próprio. E o corpo humano é vertical. No seu todo ou na maioria dos rostos.

E dá trabalho fazerem-se fotografias horizontais de assuntos verticais. Haverá que bem escolher a distribuição dos elementos (o principal e os demais) dentro do rectângulo, ou o resultado não será satisfatório.

Além do mais, e ainda considerando o tipo de utilização comum, estes aparelhos estão equipados maioritariamente com objectivas de distância focal fixa, habitualmente grande angular. Isolar um rosto na horizontal com uma grande angular implica alguma distância, uma perspectiva nem sempre fácil de conseguir.

Se os utilizadores não estiverem satisfeitos, mesmo que seja por não saberem fazer melhor, escolherão na próxima compra algo que os satisfaça. Ergonomia para na vertical, pois então.

Acrescente-se que a velha carteira de plástico com fotografias impressas e que se exibe para mostrar a outra metade da laranja, as férias, o rebento ou o neto, já não se usa. Está plenamente substituída pelo brilho electrónico dos smartfones, capazes guardar umas centenas de imagens sem rebentar as costuras dos bolsos ou aumentar o volume da malinha de mão. Como se segura um smartfone? Na vertical, pois então. E se a imagem não ocupar todo o ecrã, fica pequena de se ver e haverá que o rodar, o que não é prático. Donde, fotografe-se na vertical para bem exibir na vertical!

De algum modo, os fabricantes de electrónica de consumo vão influenciando a forma de fazer e ver imagens. Criando novos conceitos, quiçá novas estéticas.

Novos ou não tanto, convém lembrar. Que a pintura, feita tantas vezes por encomenda para ficar pendurada numa parede, entre uma ombreira de porta e um armário, ou para obstar às paredes grandes de edifícios de alto pé direito, ou ainda para subjugar os crentes no interior dos templos ou para enaltecer os senhores. Ainda hoje, na galeria dos retractos dos Presidentes da República existente no respectivo palácio presidencial o formato é o clássico: vertical.

 

Aquilo que não conseguiram ainda fazer foi que o humano tenha um olho na testa e outro mais abaixo. Vemos o mundo na horizontal, por muito que nos queiram convencer do contrário!

E eu, que procuro mostrar o que vejo com os olhos da cara e os olhos da alma, fotografo maioritariamente na horizontal.

Deixo-vos a pergunta que não carece de resposta pública mas que gostaria que a dessem para vós mesmos: fotografam como e com que orientação?


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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Raismapartam!




Leio uma notícia onde me contam que Pablo Alborán e Cecilia Krull gravaram uma versão de “Grândola, Vila Morena”, como parte da banda sonora da nova temporada de “La Casa de Papel”. E forneciam o link para ouvir.

Claro que não nos permitem ouvir todo o tema a menos que nos registemos numa plataforma. Mas fui procurar por aí.

Raismapartam, que fiquei arrepiado de cima abaixo!

Passados todos estes anos, e estando eu já em curva descendente, ainda me emociono com esta música e letra, com tudo que ela significou, significa e significará.

Tanto quanto o lema da Revolução Francesa: “Liberté, égalité, fraternité”

Raismapartam!

 

A imagem? D’arquivo, ícone de emoções. E de frente para a luz!


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Um desabafo



 

Em tempos, para ser mais rigoroso faz agora oito anos, fiz on line uma proposta incomum:

Um encontro de utilizadores de equipamento Pentax, num domingo e numa praça pública de Lisboa, com o fito único de partilharmos experiências e materiais.

Que todos nós que lidamos com fotografia há anos, desenvolvemos técnicas ou truques, encontrámos esta ou aquela peça menos comum, estamos gulosos por aprender e descobrir algo que não vem nos manuais.

Não se tratava esta proposta de uma feira de vaidades ou de negócio de compra e venda, mas antes de partilha. Tão só o permitir conhecer e experimentar aquelas peças que cobiçamos ou que desconhecemos. E ouvir e contar histórias e estórias próprias de quem fotografa.

Por mim, propus-me comparecer com uma objectiva Novoflex, como a da imagem. E com um “periscópio” ou visor de ângulo recto. E com uma “corrente de autoclismo”. E mais um ou dois gadgets, artesanais ou de fábrica.

Se foi um sucesso? Claro que foi! Um sucesso de ausências! Para além da minha pessoa, nem mais uma alminha compareceu ou disse on line que compareceria.

Creio que a competição é feroz e ninguém quer mostrar os seus “trunfos” parafernálicos. Mas, em contrapartida, ninguém quer aprender com os trunfos dos outros. Conhecidos ou desconhecidos. A menos que seja no anonimato de ir vendo no youtube, ou no alimentar o ego exibindo-se no youtube.

Claro que foi mais um capítulo numa lição que vou tendo ao longo da vida: “Se for de borla não presta!”, é a opinião generalizada.

Agora se for um workshop, pago antecipadamente, com palavras pomposas e certificados bonitos e impressos ao quilo… aí há sempre quem compareça, que se envolver pagamentos é porque vale a pena!

 

Acho que o conceito de partilha desinteressada é algo que se aprende e esquece ainda durante a pré-primária.


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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Fugaz e perpétuo




Já na estação, ponderava eu se valeria a pena fazer o registo. A luz não estava fácil, a perspectiva também não, e o que quer que fizesse requeria algum trabalho ou “aldrabice” posterior.

E enquanto o pensava, ouvi a meu lado:

“Dá-me um cigarro?”

Olhei, meio em sobressalto, meio tranquilo.

Os seus olhos negros, mais negros ainda que o tom de pele, contrastavam sob aquela luz com o invulgar alvo dos cabelos bem encaracolados.

E se a luz não me permitiria tirar partido deles, não seria isso que impediria uma das minhas réplicas.

“Faltou a palavra mágica!”

Olhou para mim, os seus olhos pareceram ficar ainda mais negros, sorriu e retorquiu:

“Tem razão. Um pouquinho de educação não fica mal a ninguém. Se faz favor, dá um cigarro?”

Sorri-lhe e dei-lho, naturalmente, dos poucos que ainda tinha na cigarreira. E dei-lhe lume.

“Obrigado”, disse-me depois de expelir a primeira fumaça. “Sabe, os tempos andam de tal forma que nos esquecemos do principal. Boa noite e obrigado.” E afastou-se.

Fiquei a olhá-lo enquanto se afastava e, como eu, esperava pelo comboio. Depois, voltei aos céus.

Ela já estava mais perto de onde eu a queria e não resisti.

O escorrer do tempo e o movimento perpétuo ficaram naquela fraçãozinha de segundo que é uma obturação.

Mas na minha memória ficaram-me aqueles olhos negros como a noite, que sorriram e se alumiaram quando disse obrigado. 


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terça-feira, 7 de setembro de 2021

Outros olhares




Repare-se como nas artes convencionais (pintura, escultura, arquitectura) as coisas feias não são objecto de abordagem.

Procura-se o belo, o transcendente, o divino, o sonho… mas o mau, o feio, o lixo, o incómodo… ficam de parte no trabalho dos artistas. Mesmo noutras artes tradicionais (escrita, dança música…) raramente as abordam.

Talvez que a escrita (prosa ou poesia) nos relatem o menos bom, como a tristeza ou a infelicidade. Por vezes mesmo o horror. Num misto entre a arte e o desabafo.

Mas o certo é que os artistas (e quem lhes consome o que produzem) não dão ao mal, ao feio, ao lixo, relevo ou atenção.

Creio que é o advento da fotografia, mais a contemporânea que a inicial, que faz daquilo de que não gostamos um “objecto de arte”, mostrando com maior ou menor crueza os males do mundo e do Homem. O mal que faz aos seus iguais e o mal que deixa no mundo.

A fotografia veio, creio, transformar aquilo de que não gostamos em algo que observamos amiúde. Por vezes com deleite misturado com horror.

Veio a fotografia fazer-nos gostar daquilo de que não gostamos, apreciar o que nos incomoda, transfigurando o errado em banal.

Visto de outro modo, mais que qualquer outra forma de arte, a fotografia está a mudar os nossos conceitos, pessoais ou colectivos, sobre o que é certo ou errado, o que é o bem e o que é o mal.


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segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Lola


De arquivo, de um domingo de Setembro de há mais de uma dúzia de anos

 

Nunca vos aconteceu? Acordarem de manhã com uma música no ouvido? Pois a mim acontece-me volta e meia.

Nunca percebi muito bem o motivo de tal e muito menos os critérios para que seja essa e não qualquer outra. Por vezes é uma mais popular e simples, outras uma mais pesada e “rocalhada”, por vezes ainda uma qualquer outra menos comum e insuspeita.

Pois nesta manhã de domingo, que tinha previsto ir passar no Jardim da Estrela, dei comigo a sair da cama com a Marselhesa no ouvido. O “Allons enfans de la patrie” não havia meio de querer parar de sair pela boca, ecoando na cabeça, materializado mais por assobio que cantado, que só sei a primeira linha. E nada o justificava, que não o tinha ouvido recentemente, não tinha visto nenhum filme desta língua, nem mesmo ouvido qualquer música com esta origem nos últimos tempos.

Não prestei muita atenção ao facto. Até porque o conceito que à época, o acompanhou – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – fazem parte da minha maneira de estar na vida.

E eis que dou comigo, em pleno Jardim da Estrela, com concerto musical por fundo, a fotografar desesperadamente. Foi uma tarde altamente proveitosa, sob diversos pontos de vista, incluindo o número de imagens efectuadas. Felizmente levava reservas de energia e matéria-prima, ou teria ficado apeado.

Com o que eu não contava foi o ter que usar dos meus parcos conhecimentos da língua francesa com transeuntes, fotografados ou não. Em regra o inglês sobrepõe-se, sendo que é o actual “esperanto”. Mas esta foi uma tarde francesa.

E, dos diversos contactos que tive nesta língua, evidencio com particular ênfase esta mocinha que aqui vedes. Depois de uma troca de fotografias, fiquei sabendo que, para além de marselhesa de origem, é estudante de fotografia. E, mesmo estando de férias, não dispensa a sua câmara e o seu uso. Recomenda-se!

O que também se recomenda é reparar com atenção no que tem nas mãos: uma Bronica 6x45. Película formato 120, doze fotografias por rolo, nada de zooms ou artifícios electrónicos. É com esta ferramenta que aprende o ofício, suponho que também com qualquer outra digital que possua. Mas esta foi a que escolheu para trazer nas férias.

Digam lá o que disserem os pedantes da fotografia contemporânea, a fotografia faz-se pensando, mesmo a reportagem. E esta câmara é uma das que obriga a tal exercício. Pela forma como é manuseada, pelo custo de cada imagem, pela sobriedade das opções. Há que saber o que se faz antes de o fazer. Ou, por outras palavras, há que saber o porquê antes de se encontrar o como.

Fica daqui o meu aplauso à Lola, assim se chama ela, bem como à escola onde estuda que a incentivou a tal.

Au revoir!”

 

Nota adicional, acrescentada hoje mesmo – Esta é a tal luz de que tanto gosto e procuro. Vinda do lado de lá, sempre.


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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Ser bonito




Ser bonito, ou feio, não é uma característica intrínseca do que quer que seja: gestos, pessoas, objectos.
Depende, antes sim, de quem vê, dos conceitos que tem e da interpretação do que vê ou analisa.
Dirão alguns que este prédio é feio. O revestimento, se bem que prático e, em tempos, na moda dos construtores civis, não será aquilo que os estetas chamarão de belo. A uniformidade com que a parede está rasgada por aquilo a que damos o nome de janela é também algo que só o Homem produz: a natureza não quer nada com simetrias e regularidades. Também, dirão alguns, não é bonito exibir (ou ver) a roupa a secar ao sol, quantas vezes roupa que mais valeria estar escondida. Por seu lado, os simulacros de jardim ou, em o preferindo, o faz de conta de não se viver aereamente, serão bons de ver em estando perto e não a esta distância.
Mas, caramba, eu gosto de ver isto! Cada uma destas janelas, e dos vasos, e da roupa, e das persianas, até das antenas parabólicas e da ferrugem que escorre pelos azulejos e estendais, me fala de quem lá vive, dos pequenos nada que constituem cada uma das vidas de quem atrás das vidraças vive e dorme, de quem aquele vestuário usa, de quem aquelas plantas rega.
E se o Ser Humano, na forma como existe enquanto indivíduo ou grupo, não é belo, então o conceito de beleza não existe, mais não sendo que pretexto para justificar os enquadramentos sociais, regras e consumos impostos.
Este prédio é bonito, pelo que é e pelo que significa.

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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Sem interesse




Há fotografias que não têm interesse algum.

Não contam uma história ou estória, não são particularmente apelativas nem na forma nem no conteúdo, provavelmente não apelam a memórias de quem fotografou ou de quem vê.

Digamos que é uma característica humana, o não dar atenção ao normal, às rotinas, ao indiferente. E aos fotógrafos ainda mais.

O fotógrafo é, entendo eu, alguém que tem um sentido de ordem e organização do universo muito rigoroso, só se preocupando ou só lhe chamando a atenção aquilo que quebra essa organização. Belo ou horrendo. E, consequentemente, não registando a banalidade, o sempre igual, a rotina do quotidiano.

A menos, claro, que esse seja o seu objectivo.

Acontece-me, de quando em vez, acordar para este tema. E forçar-me a fotografar exactamente aquilo que não tem interesse algum. Nem de forma nem de conteúdo.

Volta e meia, a minha abordagem é fotografar do local exacto onde estou, com a perspectiva possível e sem escolher assunto ou momento. As mais das vezes usando um telemóvel. Noutras ocasiões elaboro um pouco mais, usando o equipamento que possa ter comigo e alterando a perspectiva e/ou exposição para que, do banal e uniforme, possa surgir algo com algum interesse visual. Pelo menos para mim e no momento.

Disse alguém (lamento não recordar quem) que o que importa numa fotografia não será o que estava à frente da objectiva mas antes o que estava atrás dela.

Quem sou eu para desmentir tal verdade?


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