sábado, 11 de setembro de 2021

Um olhar - copy/past



 

Durante uns tempos, uns anos, fui mantendo um projecto fotográfico cujo resultado visual foram umas centenas de imagens como esta.

O enquadramento escolhido foi este para todas, já que o título dado foi “Um olhar”.

As pessoas fotografadas eram conhecidas ou desconhecidas. A grande maioria desconhecidas, abordadas nas ruas ou em espaços comerciais, gente que, de algum modo, possuía um olhar que apelava a “fazer um boneco”. Claro que os locais que mais imagens me proporcionaram foram jardins e manifestações de rua. Nos primeiros porque a disposição dos presentes é, geralmente, de maior descontracção e afabilidade, sendo mais fácil aceder a um pedido estranho como este. Nos segundos porque quem está presente e se manifesta está a dar a cara por algo em que acredita e tem menos problemas em ser fotografado por um desconhecido.

Uma boa parte das vezes ao meu pedido obtive uma resposta-padrão: “porquê?” ou “Para quê?”. A isto contrapunha com um argumento que quebrava quase toda a resistência: “Gosto de fotografar coisas bonitas!” Um pouco de lisonja saudável ajuda sempre.

Após fazer a fotografia e uma verificação rápida, dois dedos de conversa, que começavam amiúde com isto: “Sabe que tenho uma câmara muito mal-educada, que dá números às pessoas fotografadas? As pessoas não são números! Que nome devo colocar nesta?” Isto dito já com um bloco de notas na mão.

Também isto abanava o visado. Os homens, em regra, disparavam logo um nome, sem hesitações. Dele, eu repetia o nome próprio e anotava-o. Já as senhoras… Hesitações, tentativa de não responderem, nome inventado na hora… Talvez que um quarto das situações com senhoras tivesse tido esta reacção. Quando a resposta era assumidamente negativa, aventava eu um que perguntava se poderia usar. Recordo “A menina das tintas”, ou “A menina dos cigarros”, ou ainda “Maria, a estudante”. Nunca as minhas opções foram recusadas e sempre tiveram por resposta um sorriso.

O tempo passa e os projectos vão-se gastando, ficando os seus autores cansados deles. Haverá que passar para outros ou ficaremos a repetirmo-nos numa rotina enfadonha. Este projecto não foi excepção e terminou. Melhor dizendo, está suspenso. Já só fotografo olhares se um qualquer motivo mos evidenciar anormalmente.

 

Em qualquer dos casos, estas imagens requerem condições especiais para serem feitas, para além das características do modelo.

Desde logo a luz: quantidade e qualidade. Quantidade para que se possa trabalhar com uma profundidade de campo prática e simpática. Qualidade para conseguir ter alguma uniformidade de ambos os lados do nariz e não evidenciar por demais as rugas existentes.

Em seguida a perspectiva. Haverá que manter alguma distância do rosto para se conseguir este enquadramento sem que o nariz, proeminente ou não, fique “abatatado”. Além do mais, e quando o modelo é alguém desconhecido e abordado no momento, estar demasiado próximo é intimidatório, criando uma expressão no olhar de medo ou incómodo.

Por outro lado ainda, para se conseguir esta escala de reprodução a uma distância de conforto, haverá que usar uma objectiva um pouco potente. Eu uso um 70/300mm que, na sua máxima distância focal acrescida do pára-sol, é comprida. Também não é confortável para um modelo desconhecido.

 

Em qualquer dos casos, o que acaba por ter graça neste projecto suspenso há uns sete ou oito anos, é não suspeitar então que hoje seria isto que vemos de rostos desconhecidos, debaixo de telha ou debaixo do sol.


By me

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