Durante uns tempos, uns anos, fui mantendo um projecto
fotográfico cujo resultado visual foram umas centenas de imagens como esta.
O enquadramento escolhido foi este para todas, já que o
título dado foi “Um olhar”.
As pessoas fotografadas eram conhecidas ou desconhecidas. A
grande maioria desconhecidas, abordadas nas ruas ou em espaços comerciais, gente
que, de algum modo, possuía um olhar que apelava a “fazer um boneco”. Claro que
os locais que mais imagens me proporcionaram foram jardins e manifestações de
rua. Nos primeiros porque a disposição dos presentes é, geralmente, de maior descontracção
e afabilidade, sendo mais fácil aceder a um pedido estranho como este. Nos
segundos porque quem está presente e se manifesta está a dar a cara por algo em
que acredita e tem menos problemas em ser fotografado por um desconhecido.
Uma boa parte das vezes ao meu pedido obtive uma
resposta-padrão: “porquê?” ou “Para quê?”. A isto contrapunha com um argumento
que quebrava quase toda a resistência: “Gosto de fotografar coisas bonitas!” Um
pouco de lisonja saudável ajuda sempre.
Após fazer a fotografia e uma verificação rápida, dois dedos
de conversa, que começavam amiúde com isto: “Sabe que tenho uma câmara muito
mal-educada, que dá números às pessoas fotografadas? As pessoas não são
números! Que nome devo colocar nesta?” Isto dito já com um bloco de notas na
mão.
Também isto abanava o visado. Os homens, em regra,
disparavam logo um nome, sem hesitações. Dele, eu repetia o nome próprio e
anotava-o. Já as senhoras… Hesitações, tentativa de não responderem, nome
inventado na hora… Talvez que um quarto das situações com senhoras tivesse tido
esta reacção. Quando a resposta era assumidamente negativa, aventava eu um que
perguntava se poderia usar. Recordo “A menina das tintas”, ou “A menina dos
cigarros”, ou ainda “Maria, a estudante”. Nunca as minhas opções foram
recusadas e sempre tiveram por resposta um sorriso.
O tempo passa e os projectos vão-se gastando, ficando os
seus autores cansados deles. Haverá que passar para outros ou ficaremos a
repetirmo-nos numa rotina enfadonha. Este projecto não foi excepção e terminou.
Melhor dizendo, está suspenso. Já só fotografo olhares se um qualquer motivo
mos evidenciar anormalmente.
Em qualquer dos casos, estas imagens requerem condições
especiais para serem feitas, para além das características do modelo.
Desde logo a luz: quantidade e qualidade. Quantidade para
que se possa trabalhar com uma profundidade de campo prática e simpática.
Qualidade para conseguir ter alguma uniformidade de ambos os lados do nariz e
não evidenciar por demais as rugas existentes.
Em seguida a perspectiva. Haverá que manter alguma distância
do rosto para se conseguir este enquadramento sem que o nariz, proeminente ou
não, fique “abatatado”. Além do mais, e quando o modelo é alguém desconhecido e
abordado no momento, estar demasiado próximo é intimidatório, criando uma expressão
no olhar de medo ou incómodo.
Por outro lado ainda, para se conseguir esta escala de
reprodução a uma distância de conforto, haverá que usar uma objectiva um pouco
potente. Eu uso um 70/300mm que, na sua máxima distância focal acrescida do pára-sol,
é comprida. Também não é confortável para um modelo desconhecido.
Em qualquer dos casos, o que acaba por ter graça neste
projecto suspenso há uns sete ou oito anos, é não suspeitar então que hoje
seria isto que vemos de rostos desconhecidos, debaixo de telha ou debaixo do
sol.
By me
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