Já na estação, ponderava eu se valeria a pena fazer o registo. A luz não estava fácil, a perspectiva também não, e o que quer que fizesse requeria algum trabalho ou “aldrabice” posterior.
E enquanto o pensava, ouvi a meu lado:
“Dá-me um cigarro?”
Olhei, meio em sobressalto, meio tranquilo.
Os seus olhos negros, mais negros ainda que o tom de pele, contrastavam sob aquela luz com o invulgar alvo dos cabelos bem encaracolados.
E se a luz não me permitiria tirar partido deles, não seria isso que impediria uma das minhas réplicas.
“Faltou a palavra mágica!”
Olhou para mim, os seus olhos pareceram ficar ainda mais negros, sorriu e retorquiu:
“Tem razão. Um pouquinho de educação não fica mal a ninguém. Se faz favor, dá um cigarro?”
Sorri-lhe e dei-lho, naturalmente, dos poucos que ainda tinha na cigarreira. E dei-lhe lume.
“Obrigado”, disse-me depois de expelir a primeira fumaça. “Sabe, os tempos andam de tal forma que nos esquecemos do principal. Boa noite e obrigado.” E afastou-se.
Fiquei a olhá-lo enquanto se afastava e, como eu, esperava pelo comboio. Depois, voltei aos céus.
Ela já estava mais perto de onde eu a queria e não resisti.
O escorrer do tempo e o movimento perpétuo ficaram naquela fraçãozinha de segundo que é uma obturação.
Mas na minha memória ficaram-me aqueles olhos negros como a noite, que sorriram e se alumiaram quando disse obrigado.
By me
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