sábado, 31 de julho de 2021

Truques de borla


 


No meu quotidiano, excepção feita a algumas ocasiões solenes (o meu casamento foi uma destas) uso uma mochila.

Maior, menor, de passeio, de carga, para levar para o trabalho, para fotografar… são práticas, não afectam em demasia a coluna vertebral e transportam todo o tipo de “tralha”. Tenho quatro em uso regular e em todas costumo transportar também uma câmara fotográfica.

Em todas elas tenho, na alça esquerda, um mosquetão. Na mochila que uso para ir fotografar, em particular para reportagem, tenho também na alça direita.

Uso este mosquetão para nele passar a correia da câmara quando a transporto fora da mochila. Devido à minha barriga, desde há muito que uso a câmara no ombro esquerdo. Tenho-a protegida pelo braço, não me bate na saliente barriga que possuo e é bem mais discreto.

Este mosquetão tem a função de, caso a correia escorregue do ombro (nada que não tenha já acontecido a quem use deste modo) garantir que não cai no chão. E, se passar e actuar algum membro da CAPA (Confederação dos Amigos da Propriedade Alheia) e lhe der um puxão, não a levam. Garantidamente, que já o comprovei.

Este método de segurança é possível (ou prático) se se usar correias finas, como eu gosto. Aquelas mais largas, publicitando a marca da câmara, são difíceis de entrar no mosquetão. Tal como são mais difíceis de enrolar em torno da mão, se o quisermos. Tal como são um chamariz para os elementos da CAPA.

Por outro lado, implica também o uso de maus mosquetões. Por maus quero dizer aqueles de alumínio, não muito resistentes, baratos e que, acima de tudo, não possuem um gancho de segurança entre a parte fixa e a parte móvel.

O motivo é simples: o macho desse gancho, em regra na parte fixa, acaba por prender no tecido da correia, dificultando em muito o fazer entrar ou sair dela na argola do mosquetão. Um encaixe simples, como se vê na imagem menor, é suficiente para a função.

O mosquetão na alça direita tem outra função.

Quando saio para fotografar multidões costumo levar também uma câmara bem compacta, tipo de bolso, que uso colocada num monopé. Em querendo, ligo-a, estico o monopé, activo o temporizador e elevo-a tão alto quanto braços e monopé permitem. Consigo assim imagens da multidão vistas de cima, ainda que enquadrando “a olho” e por palpite. Admito que (e orgulho meu) aqui por estas bandas foi método que inventei e que, durante algum tempo, não vi ninguém a usar. Nos tempos que correm já não sou o único.

Pois esse monopé, encolhido e com a câmara colocada, está sempre à mão, pendurado que está no mosquetão da alça direita. Atrapalha um pouco o movimento dos braços, mas só até estarmos habituados.

 

Truques que não guardo para mim e que fui criando com a prática de anos e alguns desaires pelo caminho.


By me

Suportes




Eu tinha 17 anos.

Pôs-se a possibilidade de ir em viagem de finalistas a Londres. A família não era abastada, longe disso, e não havia dinheiro para tais aventuras, mas com boas-vontades daqui e dali a coisa compôs-se. Incluindo a ajuda da família da minha namorada, que queria que eu fosse com ela.

O que não havia era como fazer o “para mais tarde recordar”. Eu tinha uma câmara desde os doze anos, mas fazer fotografia era caro e estava parada havia muito tempo. E era muito fracota. É muito fracota, que ainda a possuo.

Um parente decidiu chegar-se à frente e emprestar-me a sua. Recordo que era uma SLR mas não a marca. E possuía uma 50mm, mais que suficiente para os registos, digam hoje o que disserem sobre zooms e edições posteriores.

No dia em que me foi entregue (recordo o local exacto, a luz, a sombra da frondosa árvore, a mesa e os bancos de pedra) foi-me dada uma recomendação, entre outras, que não esqueci até hoje:

“Toma cuidado que ela só faz fotografias a cores!”

Quem ma emprestou já morreu, que o episódio é velho. As fotografias que fiz foram a cores e estão algures no arquivo, numa caixa que não sei qual. Já não olho para elas há anos e tenho a vaga memória de estarem rosadas, naquele tom de fotografias coloridas e mal processadas, em que a luz e a humidade são carrascos impiedosos.

E nunca virei a saber se esse meu primo, bem mais velho que eu, estaria a falar a sério se na brincadeira. Segui as suas indicações mas, na minha enorme ignorância sobre fotografia, aquela recomendação nunca me convenceu por aí além.

Anos mais tarde, já a fotografia fazia parte integrante da minha vida, disse-me uma senhora numa loja de fotógrafo em Castelo Branco que os rolos em Preto e Branco já não se fabricavam. E que não tinham. E eu, que tinha esgotado os que havia trazido de casa naquelas férias vadiando pelo país, acabei por ir comprar num dos outros poucos fotógrafos que a cidade tinha, ainda que tivesse penado para o encontrar.

Talvez que tivessem andado juntos na escola, aquela senhora e aquele meu primo, ainda que a geografia não o indicasse.


Vadiei pelo Preto e Branco durante anos. Porque o laboratório era meu, porque bem mais barato, porque o Ansel Adams era (e é) um mestre a tentar imitar.

Mas percebi, a dado passo, que o suporte e a técnica têm que ser usados em função daquilo que queremos transmitir e não podem ser limitadores do que queremos fazer.

Tenho para mim que a vida é a cores, que reagimos a elas como os cães aos cheiros, e é isso e dessa forma que quero mostrar.

O monocromatismo é apenas uma dessas formas.


By me 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

PDC




Um destes dias vi um pedaço de uma série televisiva portuguesa.

Trata-se de um enredo de época, não sei se rigoroso ou ficcionado e tenta dar-nos a ambiência de então: guarda-roupa, gestos e hábitos, adereços, locais…

Não tenho acompanhado a série e, deste episódio, só vi um pedaço, pelo que me vi meio baralhado com personagens e respectivos relacionamentos. Falha minha, provavelmente.

Ma houve uma coisa que me incomodou particularmente: a direcção de fotografia. A luz estava engraçada e apelativa, o uso de contrastes de temperatura de cor um pouco forçados mas mais ou menos adequados ao que me pareceu ser a situação…

O que não gostei mesmo foi o controlo de profundidade de campo. Por outras palavras, o facto de o fundo estar sempre desfocado ou pouco nítido.

É uma técnica e uma estética que nada tem de novo. Melhor dizendo, tem vindo a ser utilizada desde que se faz cinema (ou quase). Mas os bons realizadores ou directores de fotografia usam-na com parcimónia, como mais uma forma de pontuar esta ou aquela situação do enredo ou da relação entre personagens. Um pouco como se usam as escalas de plano (grande plano, contra-picado, amorcê ou sobre-o-ombro, conjunto… ou como na escrita, se usa a pontuação: ponto, virgula, reticências, exclamação…

Ver uns vinte minutos de uma ficção com o fundo sempre desfocado (o que deve ter dado uma boa trabalheira para o manter coerente entre e ao longo de todas as sequências)… Não gostei e, bem pior que isso, senti-me cansado.

Não sei bem o que dizem os especialistas na comunicação visual mas manter o espectador cansado não será, suponho, do mais recomendável a menos que seja esse o objectivo.

Não me pareceu que fosse.

 

Nota adicional – A imagem aqui exibida é meramente ilustrativa e um pouco forçada, feita por mim a correr aqui em casa. Em termos de curiosidade técnica, sempre acrescento que o formato do suporte foi APSC (1,5) e a objectiva uma 50mm f/1,2, na sua máxima abertura e a pouco mais de meio metro do primeiro plano, de que me orgulho de possuir. Já a luz foi a que entrava pela janela, difusa, compensada no primeiro plano com um reflector metálico. Quando queremos “brincar” com profundidade de campo, estas informações são uteis para quem saiba algo do assunto.


By me

O relojoeiro e o fotógrafo




Conheço um relojoeiro.
Já vai sendo raro, este conhecimento: alguém que sabe de mecânica de relógios e os repara.
A maioria dos relógios de hoje são eléctricos e o mais que se lhes pode fazer, em parando, é mudar a pilha. Talvez algo mais, mas não sei o quê.
A própria sociedade está feita, hoje, nesse sentido: Usar e deitar fora, que com isso se alimenta a indústria e o comércio.
Mas este relojoeiro, um pouco à moda antiga, mantém-se no activo, apesar de não ser idoso. Gosta do que faz e, sendo o mercado de reparação de relógios diminuto, complementa-o com o de antiguidades e velharias.
Foi numa feira dessas que o conheci. Vendeu-me um extintómetro, por um preço bem em conta. E, depois do negócio feito, perguntou-me para que servia e como se usava. Lá lho expliquei e ficámos à conversa.
Nessa conversa, ou numa outra noutras ocasiões, contou-me ele que é especializado em relógios europeus e russos. Que é neles que tem o saber e a prática e que só neles mexe. E que quando lhe aparece um cliente com um relógio mecânico japonês o remete para um outro mestre relojoeiro que tem essa especialidade.
Disse-me ele, em tom de brincadeira, que quando tem oportunidade mexe nos japoneses, mas sempre só pelo gozo e nunca fazendo disso depender o trabalho de um cliente.
“Talvez um dia”, disse-me, “complete a especialização nos nipónicos. Até lá fico-me com que sei e tenho por certo.”
Não fora por outros motivos, isto por si só agrada-me neste profissional: tem plena consciência do que sabe e é capaz de fazer e não usa clientes e os seus trabalhos em situações que não domina.
Um dia, em tendo um relógio de pulso europeu ou russo para reparar, é a ele que o vou levar. E, se for japonês, é a ele que vou perguntar sobre quem o faz.
Mas agrada-me ainda uma outra coisa: tendo uma especialidade e um negócio que funciona (mais ou menos, como todos os outros nos tempos que correm), faz questão de não ficar limitado e vai aprendendo outras linhas e especializações.

Mas também conheço um fotógrafo. A bem dizer, conheço alguém que ganha a vida em torno da fotografia.
Possui uma loja, onde vende equipamento e presta diversos serviços, promove formação na área e tem trabalhos editados.
Uma ocasião, estava eu na loja dele de conversa e surge uma mocinha. Vinha para fazer fotografias “de passe”.
Mandou-a sentar no respectivo banco, a um 20cm de uma cartolina branca e fotografou-a com o flash da câmara. Foi ao computador, imprimiu, entregou-lhas, ela pagou e saiu.
Ainda mal ela tinha saído a porta, estava eu a perguntar-lhe porque não tinha ele ali instalado, em permanência, um flash “de recorte”. Bastava um daqueles pequenos, usados, que ali tinha, com uma célula slave, que também tinha, um transformador, até um manhoso que fosse. Chegava o banco uns 20cm à frente, punha uma pala no flash com cartolina e o resultado seria completamente diferente. Para melhor, claro.
A sua resposta foi de antologia: “Oh JC! Para o que é, isto chega!”

Há bons profissionais e maus atamancadores em tudo quanto é profissão. E, muito honestamente, não há trabalhos menores! Há trabalhos apenas, e todos merecem o mesmo empenho e o melhor que podemos e sabemos fazer.

A honestidade para com o cliente assim o obriga.


By me

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Citando




"Tal como uma pedra fosforescente que emite brilho quando colocada na escuridão e ao ser exposta à luz do dia perde todo o seu fascínio de joia preciosa, também o belo perde a sua existência se lhe suprimirmos os efeitos da sombra."

in "O elogio da sombra", by Junichiro Tanizaki
Imagem: by me

quarta-feira, 28 de julho de 2021

D'arquivo - Para mais tarde recordar ou não



O normal de acontecer em torno da minha câmara de madeira é boa disposição e sorrisos, por vezes mesmo gargalhadas.
O que antecede e sucede ao click da função, faço eu para que assim seja, quer aproveitando a surpresa sorridente do fotografado, quer porque tiro partido das recordações agradáveis que a câmara e eu mesmo provocamos, ali se passam uns bons minutos de satisfação.
Foi o caso de um homem, já na casa dos noventas, que me confessou que a primeira fotografia que fez foi numa câmara destas tinha ele 14 anos, vestindo o primeiro fato que possuiu. Foi fazê-la ao Campo Grande, em Lisboa, que era mais barato que nos outros fotógrafos de rua e muito mais barato que nos de loja. E fez, a pé, o percurso do Bairro Alto ao Campo Grande para não pagar o bilhete, que trabalhava 18 horas por dia numa taberna do bairro morando por cima, emprego bom, à época, para quem chegou da província para sobreviver.
Faz tempo que não o vejo por ali, pelo Jardim da Estrela.
Foi também o caso daquela senhora idosa, frequentadora diária daquelas sombras e bancos de madeira, que comentou, um destes dias, para as amigas com quem estava, que já ali havia feito uma fotografia. E, em tom bem mais alto, para que eu a ouvisse, afirmou: “Ainda a tenho! É uma recordação…!”
Falta-me saber o que aquela fotografia lhe recorda, já que foi feita ainda não há três meses.
Mas nem sempre o que acontece por ali, relacionado com a minha “Oldfashion”, é assim agradável ou bom de recordar.
Um destes, dias, a uns bancos de distância do meu poiso, um homem e uma mulher discutiam. A bem dizer era mais um monólogo que uma discussão.
Ele, com uns bons 25 anos a mais que ela, estava sentado, sem dizer o que quer que fosse, intercalando o olhar distante para o horizonte urbano com o levar à boca para umas goladas a garrafa de vinho que tinha na mão.
Ela, de pé à sua frente, reclamava ora em tom baixo, ora audível de onde eu me encontrava, que queria o cartão, que o cartão era dela.
A dado passo, oiço-o retorquir-lhe. “Olha! Vai mas é ali fazer uma fotografia!”, ao mesmo tempo que acenava com a cabeça para o meu lado.
Foi uma estreia, já que do muito que já ouvi sobre fotografia no geral e sobre a minha câmara em particular, nunca nada foi em tom de insulto ou como substituto de palavrão. E fiquei sem saber de que cartão se tratava, se de telemóvel se de Multibanco, que se foram embora sem que a questão ficasse resolvida, ao que me pareceu.
Mas, mais ou menos na mesma altura, não me recordo do dia exacto, um casal com criança de colo passam por mim. Ela a falar em tom baixo, mas ríspido, ele a tentar sorrir enquanto empurrava o carrinho da cachopita.
Parou ele, questionou o que é costume questionar e quis fazer o retrato. De família. Todos a sorrir como é da tradição. Esforço vão, que ela não o quis e a fotografia ficou-se por dois terços dos visitantes. Enquanto ela, de parte, mantinha o cenho franzido.
E mais ficou quando a viu, à fotografia, e confirmou o preço pedido: coisa nenhuma.
Quando se afastaram, continuou ela o discurso interrompido, por palavras e gestos, e continuou ele a tentar sorrir.
Desta feita, o fazer de uma fotografia não provocou nenhum sorriso. E não creio que, passados tempos, meses ou anos, sorriam pela recordação. Que há coisas que não são “Para mais tarde recordar!”

Nota adicional: Não estão à espera que o aqui retratado seja o interveniente no acima contado, pois não?

By me

Provas

A democracia representativa em que vivemos é a prova cabal de sermos cobardes e irresponsaveis.
Cobardes porque, escudados no secretismo do voto, não damos a cara pelas escolhas que fazemos.
Irresponsaveis porque sacudimos para uma "elite" a responsabilidade de gerir as nossas vidas através das leis que são feitas e dos usos que são dados aos recursos públicos.
Por outro lado, essa mesma elite não responde por erros que possa cometer no exercício do cargo nem por não cumprir promessas eleitorais.
Mais ainda: sendo que é essa elite que define as regras do jogo e que o jogo é confortável aos cidadãos comuns, nunca será tranquila, e muito menos pacífica, a mudança de regime.

By me

terça-feira, 27 de julho de 2021

Ser do contra




A propósito desta fotografia, feita meio a correr ontem com um telemóvel, entre o local onde jantei e o meu posto de trabalho a que regressava:

Eu sou do contra!

Quem me conhece sabe que assim é: se todos dizem “assim”, eu encontrarei argumentos para defender “assado”. Em muitos aspectos da vida, fotografia incluída.

E se os manuais e os académicos indicam que fotografia deve ser feita com a fonte de luz principal do lado de cá do assunto, ou nas costas do fotógrafo, eu prefiro procurar condições para que esteja do lado de lá do assunto, ou em contra luz. E tenho diversos motivos que me levam a tal, para além de “ser do contra”.

Por um lado porque um forte contra-luz (ou hair light ou luz de recorte) permite criar com facilidade distanciamento do assunto em primeiro plano ao fundo. Mesmo quando não existam elementos que pelo posicionamento, tamanho e organização (em suma – perspectiva) o permitam.

Por outro lado, e no caso de retrato, se a luz principal vier do lado de lá do retratado, o seu rosto estará iluminado mais difusamente, tornando menos evidentes rugas e outros relevos que serão, eventualmente, menos simpáticos de mostrar. Isto não significa que uma luz “crua” e sombras bem evidentes e vincadas sejam de evitar sempre. Depende do que me apetece fazer em função das circunstâncias, do retratado, da relação que tenho com ele ou ela e do que quero “contar”.

Por outro lado ainda, fotografar é registar a luz que se reflecte da superfície dos assuntos. Mas eu gosto de ir um pouco mais além e procurar o que está escondido por essa superfície. Usando uma frase batida, e no caso de seres humanos, de encontrar a alma do retratado. Se a luz principal estiver do lado de lá posso, se os assuntos permitirem, ver através deles. Através do cabelo, através das nervuras de folhas ou pétalas, através das texturas de tecidos…

Além do mais, e sendo certo que a fotografia é uma representação bi-dimensional de um universo que vemos a três dimensões com os nossos dois olhos, necessitamos, como de pão para a boca, de criar a ilusão de três dimensões numa superfície plana. O normal é usarmos a perspectiva, ou o tamanho aparente dos assuntos conhecidos, para tal. Igualmente normal é o definirmos, com a organização dos elementos dentro dos limites da imagem, linhas reais ou não de criem essa mesma ilusão. Mas também usamos a luz e a sua ausência – a sombra – para isso. Para nos ajudar a definir tamanhos e linhas que criem a noção de distância ou volume. Mas tenho por ser-me bem mais fácil mostrar texturas e volumes se as sombras estiverem para cá do assunto. E, consequentemente, se a luz principal estiver do lado de lá dos assuntos. Solos, cascas de árvores, paredes…

Voltando ao início, eu sou “do contra”. E se toda gente fotografa o pôr-do-sol mostrando-o e às suas cores, criando silhuetas e sombras profundas para cá, porque a principal fonte de luz está do lado de lá, eu gosto de fotografar o pôr-do-sol estando de costas para ele. Mostrando os assuntos quando a luz está mesmo muito baixa, criando ambiências ao receberem a luz solar bem quente, filtrada pela atmosfera, por vezes contrastando com o céu que, por estar em oposição ao sol, está azulão forte e criando o tal “ouro sobre azul” que tanto é elogiado. Além do mais, um bonito e quente sol escondendo-se numa linha de horizonte (marítimo, campestre ou citadino) é quase sempre igual em qualquer parte do globo. Mas aquele pináculo de igreja, aquele depósito de água, aquele rosto ou gesto, iluminados pela última réstia de sol… marcam um tempo e um lugar inimitável e indelével.

Claro que ser do contra não é fácil. Não é fácil sairmos da formatação visual e cultural que temos. Não é fácil que consigamos comunicar visualmente usando códigos não habituais para quem recebe. Não é fácil encontrarmos as condições que nos satisfaçam, técnicas e estéticas.

Mas se o acto de criar fosse coisa fácil, sem esforço ou mesmo dor, não teríamos prazer nele.

Eu sou do contra, fotografia incluída. E tenho prazer nisso.


By me

sexta-feira, 23 de julho de 2021

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Num estádio vazio, milhares de atletas desfilam sem rosto.

Orwell, Kafka, Nietzsche: havíeis de ter visto isto!

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Liberdade




Há uma vintena de anos publicava eu este textinho:


“Seja qual forma como tentemos abordar o tema, a verdade é que estamos sempre e eternamente presos.

Confinados a uma cela ou na superfície do planeta, com horários, cartões identificativos e códigos de conduta.

A qualidade da prisão é que varia. Alguns vêem no abrir da fechadura a sua liberdade, outros no vencer a atracção terrestre. Uma chave uns, asas outros. Há quem vá mais longe e não possua relógio ou recuse o bilhete de identidade.

Mas depois de cada fronteira, depois de cada quebrar de grilhetas, apenas constatamos que continuamos presos. Por outras grades, por outros conceitos, por outras obrigações.

Quando, há uns anos largos, conversava com um Argentino, logo a seguir à guerra das Malvinas ou Faulkland, dizia-me ele: “Nós? Somos livres! Podemos sair à noite e tudo!”

Ou ainda aquele outro jovem que dizia: “Esta semana estou livre. Os meus pais vão de férias para fora.”

Mas a liberdade não é um estado legal ou material. É um estado de espírito!

O exercício da liberdade começa, antes de mais, dentro de nós. Por aceitarmos ou não por limite o que nos impõem. O deixarmos ou não a nossa mente vogar e decidir o que fazemos. O termos ou não uma verdadeira consciência de nós mesmos e do que nos cerca.

A nossa verdadeira prisão somos nós próprios, na nossa condição de seres humanos de carne, osso e sangue. Pensantes e conscientes.

Quando formos capazes de saber e não apenas dizer, “eu posso”, com toda a plenitude do que isso significa, então seremos realmente livres.

Até lá, enquanto nos sentimos limitados por um planeta, regulamentos ou grades, mais não seremos que sempre prisioneiros daquilo que os nossos sentidos nos transmitem.

E tanto assim é que somos obrigados a comunicar codificando e descodificando estas letras e imagens, presos que estamos a estas convenções.”

Na altura recebi este comentário de uma leitura assídua:

“aki ha uns anos axava k seria livre no dia em k ganhasse a minha independencia...e k isso iria akntcer kd fizesse 18 anos e entrasse finalmente para a faculdade...

hmmmm....

19 anos....prestes a entrar ja no 2º ano de faculdade....

liberdade? onde é k ela está?

agora pergunto-me (ja com um bocadinho mais de consciencia do mundo e do país onde vivo) se algum dia knseguirei alcançar essa tao ambicionada liberdade...

mas será que sei realmente o que é ser livre?

alguma vez vou saber...?”


Espero, sinceramente, que ela tenha descoberto o que é liberdade de ser e de pensar. E que o seja!

Nota adicional - Tal como quase todas as outras, lembro-me do local e das condições em que fiz esta fotografia. 


By me 

domingo, 18 de julho de 2021

Curiosidade




Ficaremos sempre sem saber onde nos conduziriam estas escadas.

Talvez que ao castelo da Bela Adormecida, que em já tendo acabado há muito o baile, encerrou até à próxima história;

Talvez que ao Céu, que com o que por aqui há de pecado, dificilmente haverá quem suba por direito até lá;

Talvez que a um comício de político honestos, mas nem eles lá vão nem já há quem os procure;

Talvez que a uma casa assombrada e, por via das dúvidas, as autoridades interditaram o local.

Da próxima vez que aqui passar, irei dar uma olhada, que um sinal de trânsito é muito mais pequeno que a minha curiosidade!


By me

sábado, 17 de julho de 2021

Branca de Neve em palco



 

Quando eu comecei a fotografar, há mais de quarenta anos, a abordagem à fotografia era particularmente diferente da de hoje. Como é natural.

Preocupávamo-nos com o resultado, e todos os passos intermédios entre o ver e o mostrar eram os passos necessários, e por vezes chatos, para o conseguirmos. Incluindo o equipamento.

A escolha da câmara, o corpo, baseava-se na fidelidade mecânica e electrónica, no rigor da medição de luz e na robustez – sabíamos que, apesar dos cuidados, uma vez comprada haveria que durar e resistir aos acidentes.

A outra grande preocupação eram as objectivas. Luminosas, que as sensibilidades das películas eram “baixas”, mas, e principalmente, a qualidade óptica. Tínhamos acesso a essas informações e detalhes através de revistas da especialidade (francesas, inglesas, americanas) e pouco mais. Uma vez por mês lá íamos fazer o périplo pelas poucas lojas que as tinham, por vezes tínhamos que as reservar que apareciam por cá poucos exemplares, sempre na espectativa de terem um ou outro artigo que nos levasse mais longe. E nós mesmos as comparávamos, fazendo alguns testes de resolução, rendimento cromático, geometria…

A terceira grande preocupação eram os materiais fotossensíveis: películas, papéis e laboratório. Trabalhar com ISO 400 era quase que uma opção estética que o grão estava lá todo. E discutíamos reveladores e contrastes de papéis em preto e branco, num equilíbrio entre o resultado e a paciência de trabalhar no laboratório (o escuro, os cheiros, as máscaras na impressão e os processos de secagem e esmaltagem…) Já quanto à fotografia em cor, e para além dos fabricantes, havia que bem escolher o laboratório que o fazia. Não apenas os “standards” com que trabalhavam, como a constância de resultados. Volta e meia lá havia que mudar de laboratório, que o técnico mudava de emprego e íamos atrás dele pela qualidade do que fazia. Isto apesar de muitos usarem máquinas que automatizavam o trabalho. Mas o rigor com que elas eram controladas e a frequência com que os químicos eram mudados…

Em seguida, e tendo encontrado o sistema de revelação e impressão certos, era a questão dos filtros. Não apenas a sua qualidade e pureza óptica como a forma como controlavam contrastes e temperaturas de cor. Porque, e não nos enganemos, as películas vinham calibradas de fábrica para luz de dia ou luz artificial (entenda-se incandescência) e, se não tivéssemos a película certa haveria que filtrar a câmara. E quando se incluíam luzes fluorescentes, haveria que ter os filtros certos ou os resultados seriam, no mínimo, estranhos. E medir temperatura de cor era coisa rara e muito cara, pelo que havia que ter o olho treinado. Claro que isto dos filtros saía caro: cada objectiva, por este ou aquele motivo, tinha diâmetro diferente das demais e haveria que ter vários diâmetros de filtros ou, opção mais económica, filtros grandes e anéis redutores para as objectivas mais estreitas. Com o que isso implicava no uso de párassois.

Recorde-se, entretanto, que as objectivas de ângulo variável, que todos hoje usam e a que chamamos “zoom”, eram peças menos comuns e, as de boa qualidade, particularmente caras. E pouco luminosas.

Acrescente-se uma outra preocupação não menos importante para quem a isso de dedicava: as fontes de luz. Suportes, potência, percas térmicas, temperaturas de cor, modeladores de luz… era toda uma panóplia de preocupações que rivalizava apenas com as inerentes às das películas e papéis e respectivo processamento.

Mas, no meio de todas estas questões técnicas, que nos levavam, por vezes, a discussões tão acesas quanto as futebolísticas, havia uma outra comum a todos e com a qual se gastava tempo e dinheiro sem chorar nem um nem outro: ver fotografias! Livros, revistas, exposições, amigos ou colegas… eramos sedentos de conhecimento, de saber como outros faziam e adaptar as suas opções técnicas e estéticas aos nossos próprios projectos e trabalhos. Ler os seus escritos, em livros ou entrevistas, conhecer as suas biografias e perceber os percursos técnicos, estéticos, filosóficos, que os levavam até ao ponto de fazerem os que se lhes conheciam. Aprender com os outros, sem receios de nos menorizarmos nas nossas tentativas e erros, aceitarmos as críticas e opiniões daqueles que respeitávamos, ponderarmos os nossos próprios percursos e experiências e corrigirmo-nos ou melhorarmo-nos…

Claro que os egos contavam, os elogios eram importantes e a competição feroz, fosse em que ramo fotográfico fosse. Mas também isso nos levava a afinarmos o que fazíamos, nas práticas e nos negócios se existissem, e a querermos aprender mais e melhor. Com o que fazíamos, com o que ouvíamos, com o que víamos.

As questões técnicas, nas suas diversas facetas, eram apenas o meio para atingirmos o fim: fotografias feitas com alma que atingissem a alma de quem as visse.

 

Nota adicional: ainda hoje me dá muito gozo sair com uma objectiva de focal fixa (ou primária como hoje se diz) e encontrar soluções de composição que me satisfaçam perante os diversos assuntos que possa encontrar. Ou, em alternativa, olhar para um assunto ou tema e saber escolher a objectiva certa para o que tenho em mente. A melhor zoom de que disponho funciona a dois tempos: pé-direito e pé-esquerdo.


By me

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Olhar e ver




Passamos por eles e pouca atenção lhes damos, a menos que nos incomodem ou deles façamos uso: os prédios.

Claro que há aqueles que até nos fazem parar, pela excelência que lhe atribuímos (forma ou função). Tal como há aqueles que, pela sua ruína ou feiura, quase que nos metem medo ou pena.

Mas, na sua maioria, ignoramo-los. E é pena que assim seja.

Por um lado porque não damos valor a todo o trabalho que lhe está associado no seu projecto e construção. Sendo que, as mais das vezes, a construção de um edifício é um negócio, um investimento, também é o concretizar de ideias ou sonhos. Do dono da obra ou do projectista ou arquitecto. Para já nem falar da mão de obra envolvida: pedreiros, carpinteiros, canteiros, canalizadores, electricistas, serventes… Já me aconteceu ouvir voz de orgulho apontar para um edifício e dizer “Fui eu que fiz”.

Mas, e deixando de parte estes aspectos de quem fez ou concebeu, ao ignorarmos os edifícios que não apenas por os usarmos perdemos o prazer dos detalhes, alguns particularmente discretos. A gestão do espaço, na forma e na função, na decoração geral ou de pormenor, nos apontamentos que, não sendo fundamentais na estrutura ou uso, diferenciam edifícios ou partes deles.

Repare-se neste exemplo: suponho que construído no início da primeira metade do século passado, modesto hoje e mais ou menos condenado ao camartelo e voragem da modernidade, mais década, menos década.

Três pisos acima do térreo, mais uma cave para fazer render espaço e negócio. Podemos deduzir, sem muita dificuldade e pela disposição das janelas, que todos eles terão uma gestão de espaço muito semelhante, excepção feita ao térreo e cave, pelo rasgar da porta exterior.

No entanto, cada piso tem personalidade própria, expressa pelo desenho de cada janela e respectivas sacadas ou varandas: nenhuma no térreo; uma no primeiro, central e dominante; uma no segundo, mas ladeada por duas portas-janelas com balaustrada; uma corrida no terceiro, igualitária e em jeito de remate. Tudo isto, suponho, para definir graus de importância por andares e quebrar a uniformidade sempre enfadonha de uma fachada igual no seu todo, pobre e triste.

Mas outros detalhes podem sobressair, se neles atentarmos. Vejam-se os limites laterais da fachada, em pedra: na separação do primeiro para o segundo andar, tão bem definida como do térreo para o primeiro, um ligeiro e pequeno friso saliente. Completamente inútil no que a estrutura concerne, terá apenas como função a definição de espaços e respectivas importâncias. Tal como eventuais importâncias de classes sociais de quem ali trabalhem ou residam.

Atente-se, também, ao topo do edifício: um murete de protecção ao telhado e retenção das águas da chuva, com algeroz oculto (note-se a equidistância bem medida do cano vindo do telhado em relação às janelas que o ladeiam). Mas o murete, funcional e estrutural, é antecedido por um friso em cantaria. Trabalhado. Não muito, mas trabalhado. Não precisaria de o ser e terá custado alguma coisa ao dono da obra. Apenas está ali para definir o “fim” do prédio e “dar um toque de classe” ao conjunto. Apenas estético.

As modas e os materiais vieram modificar a forma como são concebidos os edifícios: Não se poderá dizer que sejam mais pobres ou mais ricos naquilo que mostram: apenas a forma segue a função e ambas dependem do custo: materiais, tempo, localização…

Vale a pena caminhar pela cidade (qualquer uma) e usar de algum tempo a observar os detalhes do edificado. E comparar edifício com edifício, quarteirão com quarteirão, recriar a expansão da cidade e observar como as estéticas mudaram e evoluíram em função de tantas variantes.

Não sou arquitecto, nem pouco mais ou menos. Mas gosto de pensar (ou imaginar) os sonhos que rodearam e rodeiam cada edifício: desde quem o imaginou a quem o utiliza, passando por quem o construiu. E em todos, mesmo armazéns industriais, encontrar a beleza inerente, mesmo que escondida num friso ou algeroz.


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terça-feira, 13 de julho de 2021

Palavras




Ao procurar algo num dicionário (um daqueles em papel, pesado, com muitas palavras e letras, sabem?) encontro um termo que pensava ser fantasia:

“Pornocracia”.

E o que sobre ele se diz é:

“(Gr. Pórnê, prostituta + krateia < krateia, força, poder) s. f. Influência ou preponderância das cortesãs na governação pública”

 

Já numa outra publicação, desta feita on-line, encontro este texto:

“Saeculum Obscurum é um termo que designa um período na história do Papado que se estendeu da primeira metade do século X, com a instalação do Papa Sérgio III em 904 por sessenta anos, e terminou após a morte do Papa João XII em 963. Algumas fontes afirmam que este período foi menor, tendo durado apenas 30 anos e terminado com 935 com o reino do Papa João XI. O período foi primeiramente identificado e nomeado pelo Cardeal italiano e historiador eclesiástico César Barônio em seu Annales Ecclesiastici, no século XVI, cuja fonte primária foi de Liutprando de Cremona. O historiador Will Durant se refere ao período de 867-1049 como o ponto "mais baixo do papado" . Outros estudiosos têm utilizado termos pejorativos para este período, como Pornocracia ou ainda Governo de Meretrizes, ambos inventados por teólogos protestantes alemães no século XIX.”

 

Mudem-se datas e está tudo dito, não?


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segunda-feira, 12 de julho de 2021

Histórias contadas


 


Por vezes é apenas a luz que transforma algo de banal em qualquer coisa de excepcional.

E a fachada de um prédio, inócua que aparenta, pode contar muitas histórias: explícitas, implícitas ou tão só imaginadas.


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domingo, 4 de julho de 2021

Boa ou má?




Tenho para mim que não há boas ou más fotografias.

O conceito de bom e de mau é um conceito social que, muitas vezes, entra em conflito com as opções de quem fotografa.

Pior: Limita quem fotografa a fazer o seu trabalho pela opinião da sociedade, deixando para trás, tantas vezes, a sua própria capacidade de inovar e criar.

Entendo que uma fotografia é boa quando consegue satisfazer o seu autor. Quando ele olha para ela e se revê no que nela “lê” e sente. Isto é uma boa fotografia!

A partir daqui entra em campo a questão do gosto dos demais e da eficácia da comunicação.

Se a fotografia agrada à maioria leva o carimbo de boa. Se também agrada aos especialistas será excelente.

Mas, e antes de mais, a fotografia, o trabalho realizado que transformou aquilo que foi visto e sentido naquilo que o fotógrafo entende por um equivalente fotográfico, tem que agradar ao seu autor.

Claro que a fotografia também é uma forma de comunicação. Por isso existem os livros, as galerias, os álbuns, os grupos. As mais das vezes fotografa-se para outros vejam e sintam o que o fotógrafo viu e sentiu.

E quando tal acontece, a fotografia é eficaz na sua função de comunicar.

Mas também sabemos que comunicar, mesmo que com fotografia, implica o partilhar de códigos comuns. Tal como a escrita. Ou a música. Ou a escultura. Se quem o vê não entender os códigos usados por quem o fez, a ponte da comunicação não existe.

Daí que exista uma tendência generalizada em fotografar usando de códigos (técnicas e estéticas) que sejam do entendimento generalizado dos destinatários. Algum tipo de formalidade no fazer de fotografia.

Esta formalidade, este usar de códigos generalizados na fotografia, acaba por fechar portas à capacidade que cada um possa ter de se satisfazer com o que faz sem pensar nos outros. Acaba por limitar a criatividade absoluta, obrigando a criar de acordo com os códigos instituídos.

Mais do mesmo, portanto!

Claro que os chamados “profissionais” a isso são obrigados. Têm que agradar aos clientes!

A sua principal preocupação, ao fotografar, é que os sentimentos expressos nas fotografias que fazem, se alguns, sejam entendidos por quem lhes paga o trabalho. Que é isso que deles se espera.

Se a gestão do espaço e dos elementos nele (composição), se a nitidez ou as relações entre o claro e o escuro não estiverem de acordo com a técnica e estética em vigor (os códigos de comunicação) dificilmente será vendida. Quer seja uma fotografia de um acontecimento social, uma reportagem de guerra, paisagem ou vida animal. Não aparecerá numa revista ou jornal, ninguém a verá num cartaz publicitário nem constará no álbum de casamento.

Será uma necessidade do fotógrafo definir aquilo que lhe agrada e aquilo que agrada ao consumidor. E ter a coragem de o assumir.


Nunca disse a um aluno ou formando “Essa fotografia é má!”

O mais que fiz foi dizer-lhe “Não gosto” ou “Não entendo”. E, acto continuo, pedir que ma explicasse, que sobre ela discorresse em voz alta. E que me dissesse se ela correspondia ao objectivo a que se tinha proposto. E se esse objectivo era pessoal ou comunicação de massas.

A classificação de boa ou má seria a dele, de acordo com isso e com a conversa.


Que o mais importante é a satisfação do próprio. O resto é socialização. 


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sexta-feira, 2 de julho de 2021

O ontem e o amanhã




 A conversa foi com um colega, daqueles com quem se pode conversar.

Vinha ele todo entusiasmado falar-me do que se antevê para breve: uma câmara com 70 megamixels. “O que isso irá permitir fazer, vê bem! Ampliar a mosca lá do outro lado da rua e não ter grão!”

Pensei em falar-lhe de como não adianta ter superfícies fotossensíveis tão perfeitas se se estiver a usar fundos de garrafa como objectiva. Pensei em explicar-lhe o que é o círculo de confusão admissível e escalas de reprodução Mas daria bastante trabalho e haveria que recorrer a fórmulas que não sei de cor. Afinal, os livros servem para guardar o conhecimento e tê-lo à disposição.

Mas tentei fazer-lhe ver que a evolução da tecnologia só é útil se com ela criarmos coisas. Que, para continuar a fazer o mesmo ou sem qualidade, não adiantam os megapixels.

E expliquei-lhe o que são basculamentos e descentramentos. De como com estes se consegue controlar perspectiva de modos quase impossíveis com processadores de imagem sem algum tipo de perca de qualidade. E de como com aqueles se fazem alterações de profundidade de campo impensáveis com qualquer objectiva convencional ou computador.

A explicação decorreu numa pausa de trabalho, que era para ser de um cigarro e acabou por ser de três.

Perguntou-me ele desde quando se fazia disto e disse-lhe que desde sempre ou quase que existem câmaras que não rígidas como as que conhecemos hoje. E que o meu sonho fotográfico seria ter um banco óptico com costas digitais. Bem fora dos meus orçamentos, excepto de euromilhões e afins.

Sugeri-lhe que fosse ver como eram as boas fotografias publicitárias, ou de interiores, ou de arquitectura, de há uns vinte ou mais anos para trás: controlo de geometria, nitidez e profundidade de campo, ajustes de gama e exposição, saturações, tudo isso feito sem digitais mas com dedos, olhos e cérebros. Que o digital, mesmo sendo muito bom e simplificado para o utilizador, não dispensa esses três. Nem a criatividade.

Terminámos com uma frase batida e em coro: “Se juntarmos aquilo que eu não sei com aquilo que tu não sabes, daria uma enorme biblioteca!”


E termino eu agora desejando que as tecnologias evoluam para que consiga fazer o que não sou capaz hoje com as actuais. Mas não me tirem algumas das técnicas antigas, que ainda terá que correr muita água por sob a ponte antes que sejam completamente inúteis. O truque, digo eu, é conseguir juntar o melhor de dois mundos: o que foi e o que virá!


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