sábado, 17 de julho de 2021

Branca de Neve em palco



 

Quando eu comecei a fotografar, há mais de quarenta anos, a abordagem à fotografia era particularmente diferente da de hoje. Como é natural.

Preocupávamo-nos com o resultado, e todos os passos intermédios entre o ver e o mostrar eram os passos necessários, e por vezes chatos, para o conseguirmos. Incluindo o equipamento.

A escolha da câmara, o corpo, baseava-se na fidelidade mecânica e electrónica, no rigor da medição de luz e na robustez – sabíamos que, apesar dos cuidados, uma vez comprada haveria que durar e resistir aos acidentes.

A outra grande preocupação eram as objectivas. Luminosas, que as sensibilidades das películas eram “baixas”, mas, e principalmente, a qualidade óptica. Tínhamos acesso a essas informações e detalhes através de revistas da especialidade (francesas, inglesas, americanas) e pouco mais. Uma vez por mês lá íamos fazer o périplo pelas poucas lojas que as tinham, por vezes tínhamos que as reservar que apareciam por cá poucos exemplares, sempre na espectativa de terem um ou outro artigo que nos levasse mais longe. E nós mesmos as comparávamos, fazendo alguns testes de resolução, rendimento cromático, geometria…

A terceira grande preocupação eram os materiais fotossensíveis: películas, papéis e laboratório. Trabalhar com ISO 400 era quase que uma opção estética que o grão estava lá todo. E discutíamos reveladores e contrastes de papéis em preto e branco, num equilíbrio entre o resultado e a paciência de trabalhar no laboratório (o escuro, os cheiros, as máscaras na impressão e os processos de secagem e esmaltagem…) Já quanto à fotografia em cor, e para além dos fabricantes, havia que bem escolher o laboratório que o fazia. Não apenas os “standards” com que trabalhavam, como a constância de resultados. Volta e meia lá havia que mudar de laboratório, que o técnico mudava de emprego e íamos atrás dele pela qualidade do que fazia. Isto apesar de muitos usarem máquinas que automatizavam o trabalho. Mas o rigor com que elas eram controladas e a frequência com que os químicos eram mudados…

Em seguida, e tendo encontrado o sistema de revelação e impressão certos, era a questão dos filtros. Não apenas a sua qualidade e pureza óptica como a forma como controlavam contrastes e temperaturas de cor. Porque, e não nos enganemos, as películas vinham calibradas de fábrica para luz de dia ou luz artificial (entenda-se incandescência) e, se não tivéssemos a película certa haveria que filtrar a câmara. E quando se incluíam luzes fluorescentes, haveria que ter os filtros certos ou os resultados seriam, no mínimo, estranhos. E medir temperatura de cor era coisa rara e muito cara, pelo que havia que ter o olho treinado. Claro que isto dos filtros saía caro: cada objectiva, por este ou aquele motivo, tinha diâmetro diferente das demais e haveria que ter vários diâmetros de filtros ou, opção mais económica, filtros grandes e anéis redutores para as objectivas mais estreitas. Com o que isso implicava no uso de párassois.

Recorde-se, entretanto, que as objectivas de ângulo variável, que todos hoje usam e a que chamamos “zoom”, eram peças menos comuns e, as de boa qualidade, particularmente caras. E pouco luminosas.

Acrescente-se uma outra preocupação não menos importante para quem a isso de dedicava: as fontes de luz. Suportes, potência, percas térmicas, temperaturas de cor, modeladores de luz… era toda uma panóplia de preocupações que rivalizava apenas com as inerentes às das películas e papéis e respectivo processamento.

Mas, no meio de todas estas questões técnicas, que nos levavam, por vezes, a discussões tão acesas quanto as futebolísticas, havia uma outra comum a todos e com a qual se gastava tempo e dinheiro sem chorar nem um nem outro: ver fotografias! Livros, revistas, exposições, amigos ou colegas… eramos sedentos de conhecimento, de saber como outros faziam e adaptar as suas opções técnicas e estéticas aos nossos próprios projectos e trabalhos. Ler os seus escritos, em livros ou entrevistas, conhecer as suas biografias e perceber os percursos técnicos, estéticos, filosóficos, que os levavam até ao ponto de fazerem os que se lhes conheciam. Aprender com os outros, sem receios de nos menorizarmos nas nossas tentativas e erros, aceitarmos as críticas e opiniões daqueles que respeitávamos, ponderarmos os nossos próprios percursos e experiências e corrigirmo-nos ou melhorarmo-nos…

Claro que os egos contavam, os elogios eram importantes e a competição feroz, fosse em que ramo fotográfico fosse. Mas também isso nos levava a afinarmos o que fazíamos, nas práticas e nos negócios se existissem, e a querermos aprender mais e melhor. Com o que fazíamos, com o que ouvíamos, com o que víamos.

As questões técnicas, nas suas diversas facetas, eram apenas o meio para atingirmos o fim: fotografias feitas com alma que atingissem a alma de quem as visse.

 

Nota adicional: ainda hoje me dá muito gozo sair com uma objectiva de focal fixa (ou primária como hoje se diz) e encontrar soluções de composição que me satisfaçam perante os diversos assuntos que possa encontrar. Ou, em alternativa, olhar para um assunto ou tema e saber escolher a objectiva certa para o que tenho em mente. A melhor zoom de que disponho funciona a dois tempos: pé-direito e pé-esquerdo.


By me

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