terça-feira, 27 de julho de 2021

Ser do contra




A propósito desta fotografia, feita meio a correr ontem com um telemóvel, entre o local onde jantei e o meu posto de trabalho a que regressava:

Eu sou do contra!

Quem me conhece sabe que assim é: se todos dizem “assim”, eu encontrarei argumentos para defender “assado”. Em muitos aspectos da vida, fotografia incluída.

E se os manuais e os académicos indicam que fotografia deve ser feita com a fonte de luz principal do lado de cá do assunto, ou nas costas do fotógrafo, eu prefiro procurar condições para que esteja do lado de lá do assunto, ou em contra luz. E tenho diversos motivos que me levam a tal, para além de “ser do contra”.

Por um lado porque um forte contra-luz (ou hair light ou luz de recorte) permite criar com facilidade distanciamento do assunto em primeiro plano ao fundo. Mesmo quando não existam elementos que pelo posicionamento, tamanho e organização (em suma – perspectiva) o permitam.

Por outro lado, e no caso de retrato, se a luz principal vier do lado de lá do retratado, o seu rosto estará iluminado mais difusamente, tornando menos evidentes rugas e outros relevos que serão, eventualmente, menos simpáticos de mostrar. Isto não significa que uma luz “crua” e sombras bem evidentes e vincadas sejam de evitar sempre. Depende do que me apetece fazer em função das circunstâncias, do retratado, da relação que tenho com ele ou ela e do que quero “contar”.

Por outro lado ainda, fotografar é registar a luz que se reflecte da superfície dos assuntos. Mas eu gosto de ir um pouco mais além e procurar o que está escondido por essa superfície. Usando uma frase batida, e no caso de seres humanos, de encontrar a alma do retratado. Se a luz principal estiver do lado de lá posso, se os assuntos permitirem, ver através deles. Através do cabelo, através das nervuras de folhas ou pétalas, através das texturas de tecidos…

Além do mais, e sendo certo que a fotografia é uma representação bi-dimensional de um universo que vemos a três dimensões com os nossos dois olhos, necessitamos, como de pão para a boca, de criar a ilusão de três dimensões numa superfície plana. O normal é usarmos a perspectiva, ou o tamanho aparente dos assuntos conhecidos, para tal. Igualmente normal é o definirmos, com a organização dos elementos dentro dos limites da imagem, linhas reais ou não de criem essa mesma ilusão. Mas também usamos a luz e a sua ausência – a sombra – para isso. Para nos ajudar a definir tamanhos e linhas que criem a noção de distância ou volume. Mas tenho por ser-me bem mais fácil mostrar texturas e volumes se as sombras estiverem para cá do assunto. E, consequentemente, se a luz principal estiver do lado de lá dos assuntos. Solos, cascas de árvores, paredes…

Voltando ao início, eu sou “do contra”. E se toda gente fotografa o pôr-do-sol mostrando-o e às suas cores, criando silhuetas e sombras profundas para cá, porque a principal fonte de luz está do lado de lá, eu gosto de fotografar o pôr-do-sol estando de costas para ele. Mostrando os assuntos quando a luz está mesmo muito baixa, criando ambiências ao receberem a luz solar bem quente, filtrada pela atmosfera, por vezes contrastando com o céu que, por estar em oposição ao sol, está azulão forte e criando o tal “ouro sobre azul” que tanto é elogiado. Além do mais, um bonito e quente sol escondendo-se numa linha de horizonte (marítimo, campestre ou citadino) é quase sempre igual em qualquer parte do globo. Mas aquele pináculo de igreja, aquele depósito de água, aquele rosto ou gesto, iluminados pela última réstia de sol… marcam um tempo e um lugar inimitável e indelével.

Claro que ser do contra não é fácil. Não é fácil sairmos da formatação visual e cultural que temos. Não é fácil que consigamos comunicar visualmente usando códigos não habituais para quem recebe. Não é fácil encontrarmos as condições que nos satisfaçam, técnicas e estéticas.

Mas se o acto de criar fosse coisa fácil, sem esforço ou mesmo dor, não teríamos prazer nele.

Eu sou do contra, fotografia incluída. E tenho prazer nisso.


By me

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