quarta-feira, 14 de julho de 2021

Olhar e ver




Passamos por eles e pouca atenção lhes damos, a menos que nos incomodem ou deles façamos uso: os prédios.

Claro que há aqueles que até nos fazem parar, pela excelência que lhe atribuímos (forma ou função). Tal como há aqueles que, pela sua ruína ou feiura, quase que nos metem medo ou pena.

Mas, na sua maioria, ignoramo-los. E é pena que assim seja.

Por um lado porque não damos valor a todo o trabalho que lhe está associado no seu projecto e construção. Sendo que, as mais das vezes, a construção de um edifício é um negócio, um investimento, também é o concretizar de ideias ou sonhos. Do dono da obra ou do projectista ou arquitecto. Para já nem falar da mão de obra envolvida: pedreiros, carpinteiros, canteiros, canalizadores, electricistas, serventes… Já me aconteceu ouvir voz de orgulho apontar para um edifício e dizer “Fui eu que fiz”.

Mas, e deixando de parte estes aspectos de quem fez ou concebeu, ao ignorarmos os edifícios que não apenas por os usarmos perdemos o prazer dos detalhes, alguns particularmente discretos. A gestão do espaço, na forma e na função, na decoração geral ou de pormenor, nos apontamentos que, não sendo fundamentais na estrutura ou uso, diferenciam edifícios ou partes deles.

Repare-se neste exemplo: suponho que construído no início da primeira metade do século passado, modesto hoje e mais ou menos condenado ao camartelo e voragem da modernidade, mais década, menos década.

Três pisos acima do térreo, mais uma cave para fazer render espaço e negócio. Podemos deduzir, sem muita dificuldade e pela disposição das janelas, que todos eles terão uma gestão de espaço muito semelhante, excepção feita ao térreo e cave, pelo rasgar da porta exterior.

No entanto, cada piso tem personalidade própria, expressa pelo desenho de cada janela e respectivas sacadas ou varandas: nenhuma no térreo; uma no primeiro, central e dominante; uma no segundo, mas ladeada por duas portas-janelas com balaustrada; uma corrida no terceiro, igualitária e em jeito de remate. Tudo isto, suponho, para definir graus de importância por andares e quebrar a uniformidade sempre enfadonha de uma fachada igual no seu todo, pobre e triste.

Mas outros detalhes podem sobressair, se neles atentarmos. Vejam-se os limites laterais da fachada, em pedra: na separação do primeiro para o segundo andar, tão bem definida como do térreo para o primeiro, um ligeiro e pequeno friso saliente. Completamente inútil no que a estrutura concerne, terá apenas como função a definição de espaços e respectivas importâncias. Tal como eventuais importâncias de classes sociais de quem ali trabalhem ou residam.

Atente-se, também, ao topo do edifício: um murete de protecção ao telhado e retenção das águas da chuva, com algeroz oculto (note-se a equidistância bem medida do cano vindo do telhado em relação às janelas que o ladeiam). Mas o murete, funcional e estrutural, é antecedido por um friso em cantaria. Trabalhado. Não muito, mas trabalhado. Não precisaria de o ser e terá custado alguma coisa ao dono da obra. Apenas está ali para definir o “fim” do prédio e “dar um toque de classe” ao conjunto. Apenas estético.

As modas e os materiais vieram modificar a forma como são concebidos os edifícios: Não se poderá dizer que sejam mais pobres ou mais ricos naquilo que mostram: apenas a forma segue a função e ambas dependem do custo: materiais, tempo, localização…

Vale a pena caminhar pela cidade (qualquer uma) e usar de algum tempo a observar os detalhes do edificado. E comparar edifício com edifício, quarteirão com quarteirão, recriar a expansão da cidade e observar como as estéticas mudaram e evoluíram em função de tantas variantes.

Não sou arquitecto, nem pouco mais ou menos. Mas gosto de pensar (ou imaginar) os sonhos que rodearam e rodeiam cada edifício: desde quem o imaginou a quem o utiliza, passando por quem o construiu. E em todos, mesmo armazéns industriais, encontrar a beleza inerente, mesmo que escondida num friso ou algeroz.


By me

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