Passamos por eles e pouca atenção lhes damos, a menos que
nos incomodem ou deles façamos uso: os prédios.
Claro que há aqueles que até nos fazem parar, pela
excelência que lhe atribuímos (forma ou função). Tal como há aqueles que, pela
sua ruína ou feiura, quase que nos metem medo ou pena.
Mas, na sua maioria, ignoramo-los. E é pena que assim seja.
Por um lado porque não damos valor a todo o trabalho que lhe
está associado no seu projecto e construção. Sendo que, as mais das vezes, a
construção de um edifício é um negócio, um investimento, também é o concretizar
de ideias ou sonhos. Do dono da obra ou do projectista ou arquitecto. Para já
nem falar da mão de obra envolvida: pedreiros, carpinteiros, canteiros,
canalizadores, electricistas, serventes… Já me aconteceu ouvir voz de orgulho
apontar para um edifício e dizer “Fui eu que fiz”.
Mas, e deixando de parte estes aspectos de quem fez ou
concebeu, ao ignorarmos os edifícios que não apenas por os usarmos perdemos o
prazer dos detalhes, alguns particularmente discretos. A gestão do espaço, na
forma e na função, na decoração geral ou de pormenor, nos apontamentos que, não
sendo fundamentais na estrutura ou uso, diferenciam edifícios ou partes deles.
Repare-se neste exemplo: suponho que construído no início da
primeira metade do século passado, modesto hoje e mais ou menos condenado ao
camartelo e voragem da modernidade, mais década, menos década.
Três pisos acima do térreo, mais uma cave para fazer render
espaço e negócio. Podemos deduzir, sem muita dificuldade e pela disposição das
janelas, que todos eles terão uma gestão de espaço muito semelhante, excepção
feita ao térreo e cave, pelo rasgar da porta exterior.
No entanto, cada piso tem personalidade própria, expressa
pelo desenho de cada janela e respectivas sacadas ou varandas: nenhuma no
térreo; uma no primeiro, central e dominante; uma no segundo, mas ladeada por
duas portas-janelas com balaustrada; uma corrida no terceiro, igualitária e em
jeito de remate. Tudo isto, suponho, para definir graus de importância por
andares e quebrar a uniformidade sempre enfadonha de uma fachada igual no seu
todo, pobre e triste.
Mas outros detalhes podem sobressair, se neles atentarmos. Vejam-se
os limites laterais da fachada, em pedra: na separação do primeiro para o
segundo andar, tão bem definida como do térreo para o primeiro, um ligeiro e
pequeno friso saliente. Completamente inútil no que a estrutura concerne, terá
apenas como função a definição de espaços e respectivas importâncias. Tal como
eventuais importâncias de classes sociais de quem ali trabalhem ou residam.
Atente-se, também, ao topo do edifício: um murete de
protecção ao telhado e retenção das águas da chuva, com algeroz oculto (note-se
a equidistância bem medida do cano vindo do telhado em relação às janelas que o
ladeiam). Mas o murete, funcional e estrutural, é antecedido por um friso em
cantaria. Trabalhado. Não muito, mas trabalhado. Não precisaria de o ser e terá
custado alguma coisa ao dono da obra. Apenas está ali para definir o “fim” do
prédio e “dar um toque de classe” ao conjunto. Apenas estético.
As modas e os materiais vieram modificar a forma como são
concebidos os edifícios: Não se poderá dizer que sejam mais pobres ou mais
ricos naquilo que mostram: apenas a forma segue a função e ambas dependem do
custo: materiais, tempo, localização…
Vale a pena caminhar pela cidade (qualquer uma) e usar de
algum tempo a observar os detalhes do edificado. E comparar edifício com
edifício, quarteirão com quarteirão, recriar a expansão da cidade e observar
como as estéticas mudaram e evoluíram em função de tantas variantes.
Não sou arquitecto, nem pouco mais ou menos. Mas gosto de
pensar (ou imaginar) os sonhos que rodearam e rodeiam cada edifício: desde quem
o imaginou a quem o utiliza, passando por quem o construiu. E em todos, mesmo armazéns
industriais, encontrar a beleza inerente, mesmo que escondida num friso ou
algeroz.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário