quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Dois episódios em torno de um fotógrafo que oferecia fotografias




O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.

Por mim, admito não me recordava dele, já que não é fácil fixar a cara de quem vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.

Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.

É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.


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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.

Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.

Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil, era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.

E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.

Quando preenchi o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista! A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!


By me

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