Por vezes a fotografia
vale por si mesma, sem mais explicações. Outras, há que contextualizar o
fotografado para que faça algum sentido. Outras ainda será um texto ou uma
ideia que necessita de uma ilustração. E é frequente considerar-se a ilustração
fotográfica um género menor.
Recordo a dificuldade em
ilustrar este texto, cujo rascunho foi redigido num caderninho numa mesa de
café. Encontrar uma imagem, passível de executar ali, sem mais que o que tinha
comigo, entre objectos, equipamento e luz. E que, de algum modo, correspondesse
ao relatado, factual e subjectivamente. Foi o que me saiu.
Num Setembro, há uns anos
A noite fora curta. Muito
curta.
Somado a isso, um dia
passado em andanças que me fizeram recordar outros tempos, que tinha prometido
não voltarem. Mas as promessas foram criadas para se quebrarem.
Em cima de tudo isto, um
almoço particularmente tardio, uma tarde de muito calor e o suave embalar do
comboio, acabaram com as minhas resistências: quando dei por mim, tinha acabado
de passar a minha estação.
Saí na seguinte e, no
largo que lhe é fronteiro, parei um pouco. À sombra. E fiquei, sem pressas, a
ver o que acontecia no lago da estação de um bairro suburbano num fim de tarde
domingueira que, sendo Setembro, bem que podia ser Agosto.
Uma moça, em idade de
terceiro ciclo escolar, e com trajes a condizer, esperava impacientemente por
algo ou alguém. Não era da zona, que foi confirmar com funcionários dos
autocarros locais se estaria onde pensava. P’lo semblante, pareceu-me que sim.
Eis que pára um carro,
com um rapazola já bem crescidote ao volante e que, p’la forma como abordou os
incomuns sentidos rodoviários, também não seria dali.
Toca o telemóvel dela,
que atende: era ele. E não se conheciam.
Aguardava ela, e trazia
ele, um manual escolar. Que ela reconheceu de imediato com um “É mesmo este,
obrigado!”
Volta ele p’ro carro e ela
p’ra carrinha de onde saíra, onde uma mulher, ao volante, aguardava com mais
duas garotas atrás.
Seguiram os dois veículos
e eu fiquei a vê-los afastarem-se. E pensando com os meus botões que aquilo
terá sido uma cedência gratuita de manuais usados. É bom ver tal coisa ao vivo.
E estou eu a pensar e a
sorrir sobre isto, quando sou abordado.
Um velhote, andrajoso e
com um olho inchado e fechado, vinha pedir-me um cigarro. “Mas só se puder ser
e não lhe fizer falta”, disse-me.
“Claro!” e tirei a
cigarreira do bolso, abrindo-a e estendendo-lha. “Sirva-se”.
Olhou para ela, olhou
para a sua mão suja e calejada e deixou-me de boca aberta: “Se não se importa,
tire o senhor.”
Dei-lhe quatro.
Por vezes, compensa
adormecer no comboio!
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