terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Desabafo de um tipo de mau feitio




Foi há pouco mais de uma semana.

Estava eu no trabalho, sentado numa mesa de volta de questões burocráticas no computador de serviço. Pousada a meu lado, a minha câmara.

Passa por mim um profissional da imagem que mira e remira a câmara e, no final, observa:

“Ah, uma Pentax! E faz 4K ou é só Full HD?”

Respondi-lhe que Full HD, mas que não tinha a certeza.

“Pois!”, retorqui-me. “Então está bem. Mas 4K é que é bom!”

Enquanto se afastava sem mais, fiquei a olhá-lo com cara de palerma, sem bem saber o que lhe dizer. Mas ainda consegui um:

“Sabes, comprei uma câmara fotográfica, não uma de vídeo.”

Passados uns segundos, já com ele fora de vista, é que me ocorreu uma resposta condigna:

“Bem, com uma 4K ou uma SD, tu não sabes fazer imagem equilibrada com as dos teus companheiros. Tal como não sabes captar um assunto em que respeites o espaço que ele necessita, visual ou auditivamente. De igual forma, o teu trabalho de equipa com os teus colegas é abaixo de sofrível. E achas que é a qualidade técnica da ferramenta que te vai melhorar o desempenho?”

Mas não pronunciei as palavras. Estas e outras que quase me gritaram na cabeça. Não só não adiantaria porque não me entenderia como iria criar um conflito inútil.

Este é o problema que grassa nos dias que correm!

A competição desenfreada a todos os níveis (individual, colectiva, indústrial, comercial...) faz com que o conteúdo seja negligenciado em favor da forma. A embalagem tem mais valor que o produto. A resolução é mais importante que a história. A semiotica mais não é que uma palavra complicada de significado obscuro.

Tenho estado a fazer uma tarefa ingrata: preparar uma casa para ser vendida. Ainda tem o recheio e sobre ele ainda não há decisões. Nela abundam livros, muitos livros, sobre as diversas facetas do audiovisual e da estética. E da psicologia. E da pintura. E do cinema. E da fotografia. E da arquitectura. E da comunicação oral, corporal, visual. Toda uma biblioteca que uma grande quantidade de gente que trabalha no ramo deveria conhecer. Pelo menos em parte.

Pensei, muito seriamente, em fazer chegar parte dela a uma ou outra escola, para proveito dos alunos. Actuais ou vindoiros. Desisti ainda antes de divulgar a ideia.

Que o saber, hoje, ou está na net ou não interessa. E se demorar mais de três ou cinco minutos a ser visto é chato, enfadonho, inútil. Só os cotas por isso se interessam.

A minha câmara fotográfica irá fazer fotografias. Muitas fotografias, se eu for capaz disso. Talvez faça alguns vídeos, só por brincadeira.

Mas, mais que resoluções ou HD’s, interessa-me o que coloco dentro do rectângulo, com que significado e para contar o quê.

Que a imagem, estática ou animada, serve para contar coisas. Reais ou ficcionadas. Aos outros ou ao seu autor. O resto são minudências.

E, como diz o povo na sua sabedoria, “Quem não sabe dançar diz que o chão está torto.”


By me

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