segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Insistências



Uma ocasião, faz tempo, estava eu entretido de volta do teclado a tentar grafar umas ideias surgidas no banho, e tocam-me à porta.
Ponderei não atender. Não apenas estava como vim ao mundo, se bem que com uma barriga notoriamente maior, como não me apetecia interromper o curso do raciocínio iniciado na banheira.
Mas do outro lado da porta não aceitaram um “não” mudo e insistiram no pressionar do botão da campainha.
Chateado, sem mesmo vestir o que quer que fosse ou apanhar o cabelo solto, abri a porta, mantendo apenas visível a cabeça e parte de um dos ombros. Não numa atitude pudica da minha parte, mas para evitar ferir susceptibilidades.
No patamar, dois homens de fato e gravata, com a camisa alva a contrastar com o tom de pele e com uma pasta na mão, queriam falar-me de um futuro religioso apregoado não sei por que deus. O deles, certamente.
Tentei ser cortês e declinar o convite para a conversa e receber o opúsculo que me queriam impingir. Tentei uma vez, tentei duas vezes, tentei três vezes. Usando mesmo o argumento já estafado de professar a religião xintoísta e de pouco termos em comum.
De nada serviu, que a insistência deles ultrapassava qualquer boa dose de cortesia.
Dando um passo para o lado e abrindo a porta de par em par, perguntei-lhes se não tinham entendido o que lhes havia dito e se seria necessário ser rude para que me deixassem em paz.
Posso deduzir que foi a amplitude da minha barriga, junto com o tamanho do meu cabelo, que os fez abrir a boca de espanto. E ficarem pálidos, de um cinza mate esverdeado que nem sei se consta da colecção do Pantonne.
Sei que após uns segundos de silêncio no patamar da escada, desejaram-me os bons dias, viraram costas e afastaram-se.
Aqueles não voltaram, apesar de não terem passado palavra e outros já cá terem vindo depois disso. Mas não voltou a ser necessário exibir a plenitude do meu ser para me deixarem em paz.

Cabelo, barba e barriga e etc. incluídas.    

By me

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