sábado, 7 de novembro de 2020

“No jornalismo não se toca!”

 


 

Há uns dias, poucos, um discurso em directo do presidente dos EUA foi interrompido por três estações de televisão norte americanas.

Os jornalistas das respectivas estações de TV justificaram de imediato o facto, afirmando que o discursante estava a dizer inverdades, falsidades, mentiras.

Podemos aplaudir a decisão. Quer seja pela justificação, quer seja pela antipatia que se possa ter pelo Trump.

E se o segundo motivo se prende com emoções e preferências, já o primeiro está ligado a uma espécie de código de conduta dos jornalistas, em que a verdade estará acima de tudo.

No entanto eu pergunto: quem é que conhece algum outro caso em que a “verdade” tenha sido invocada para se interromper um discurso do respectivo presidente? Indo mais longe, quem é que conhece um caso, num país do chamado “mundo ocidental” em que a transmissão em directo de um discurso do respectivo presidente tenha sido interrompida?

Ou, de outro modo, conseguem imaginar que isto pudesse acontecer nos EUA se o discursante não estivesse na curva política descendente?

 

Vistas as coisas de outra perspectiva, o impedir alguém de falar, bloqueando-o, tem um nome feio que nos remete para outras épocas de má memória: censura.

Claro que oiço falar em ética jornalística, em códigos de conduta, em critérios editoriais, em respeito para com o público… São muitos os argumentos possíveis para justificar este acto censório. Que acontece, na prática, quando se retransmite um discurso, em que só as partes “importantes” são mostradas.

Mas num directo, em que o presidente do país está a falar, mesmo que na condição de candidato… é a primeira vez que de tal oiço falar.

E, o que é mais estranho, não oiço a classe jornalística a pronunciar-se contra um acto de censura feito pelos seus pares. Enfim: soube de uma ou outra opinião, isolada e pouco divulgada.

Mas, no seu todo, aconteceu um silêncio cúmplice ou um aplauso mais ou menos entusiasmado.

Eu diria que este foi o mais despudorado acto a que já assisti por parte do quarto poder. Poder este que, em oposição dos restantes três (legislativo, executivo e judicial), não é eleito pelo que não responde perante o povo que não pelas tiragens ou audiências e respectivo lucro.

 

Nota pessoal: Não gosto do actual presidente dos EUA. Nem da sua postura nem da forma como tem intervindo com os demais países. Mas também não gosto da forma como o quarto poder se entende acima de qualquer crítica ou das instituições democráticas, podendo exercer hoje impunemente aquilo que tanto criticou quanto ao passado: censura.


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