segunda-feira, 9 de novembro de 2020

De arquivo, mas sempre actual




Uma ocasião pediram-me para usarem esta fotografia numa revista electrónica.

Claro que me senti lisonjeado e acedi, com a ressalva que ela tinha sido feita em torno do soneto “Liberdade querida e suspirada”, de Bocage, e que deveria ser publicada junto com ele. Acederam.

Qual não foi o meu espanto quando vejo, tempos depois, o referido soneto escrito sobre o lado esquerdo da fotografia. Letras brancas sobre o fundo escuro.

Não gostei. Nem um nico. Que, ao fazê-lo, todo o jogo claro/escuro que eu tinha criado se perdia com a mancha branca das letras. Não gostei!

Disse-o a quem o havia feito, tive que insistir e ser veemente e, vantagem dos processos digitais e on-line, foi alterado: o soneto escrito ao lado da fotografia, ambos impolutos e originais.

Não aceito que um editor de uma publicação subverta assim o trabalho criativo de um fotógrafo, seja o trabalho bom ou mau.

Sendo dado como pronto pelo autor, qualquer alteração sobre ele é criar nova obra, já não passível de respeitar a ideia original. Não aceito!

De igual modo não aceito que fotografias sejam impressas a duas páginas. Numa revista talvez escape, tal como num jornal. Mas não, de forma alguma, num livro.

A união das folhas, e porque a lombada e espessura do livro assim o obriga, impede o ver-se continuadamente todos os elementos (objectos, formas, cores, luzes, movimentos) que constam na imagem, desvirtuando-a e criando outras formas de leitura.

Uma fotografia impressa a duas páginas não é a fotografia original mas antes uma outra, com outro “ritmo”, gestão de interesses, sentidos de leitura, fraccionando-a mesmo.

E se o fotógrafo que a criou quis colocar algo em determinado ponto do espaço, desvalorizando todos os outros, não faz sentido, melhor, é um aviltar o trabalho original o impedir essa leitura ou importância.

Não gosto, não quero, não consumo!

Vem tudo isto a propósito de ter estado na “Feira do Livro da Fotografia”, em Lisboa. E que ainda decorre hoje, Domingo.

Nesta feira, entre outros aspectos, dá-se ênfase aos trabalhos de autor, às publicações que, mesmo com tiragens reduzidas, representam as abordagens de fotógrafos contemporâneos que usam este meio para divulgar os seus trabalhos. A sua forma de ver e sentir o mundo. Só posso aplaudir.

Acontece que alguns destes trabalhos exibem imagens a duas páginas. Impedindo o acesso integral à fotografia original.

Comentei isso com uma das pessoas que estava numa das bancas e a resposta surpreendeu-me. Ou não.

Perante o meu “Porque é que insistem em publicar fotografias a duas páginas?”, ouvi:

“Ah… e tal… é para dar ritmo ao livro… um livro não é apenas as fotografias exibidas, também tem personalidade própria…”

Ora batatas!

Então quando escolhemos um livro estamos a querer ver as fotografias de um determinado fotógrafo ou estamos a querer ver o trabalho de um determinado editor ou paginador?

Não questiono o trabalho destes. Ao fim e ao cabo, o tamanho das páginas, a ordem pela qual as fotografias são exibidas, se na página esquerda se na direita, se ao alto ou ao baixo, se todas com a mesma orientação ou salteadas… tudo isto faz parte do trabalho criativo de quem concebe e pagina um livro.

Agora, por favor:

Não queiram, com o pretexto da criatividade do paginador ou editor, subverter, adulterar, estragar, o trabalho de quem fotografou e que, no fundo, é a razão de ser do livro em si.

Vim da Feira da Livro da Fotografia com cinco livros. Que me deixaram com a carteira mais leve mas com a alma bem mais alegre. Trabalho de autor, compilações, texto, localização geográfica, históricos.

Mas nenhum com fotografias a duas páginas.


A liberdade criativa de um termina quando começa a liberdade criativa do outro!


By me

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