A história
aconteceu num já distante solstício de verão. Num dia como o de hoje.
De pouco adiantará
falar na importância ancestral, ou bem mais que isso, do dia mais longo do ano.
Afinal, é celebrado há muitos milhares de anos, desde os tempos em que, não
havendo escrita nem astronomia, se transmitia oralmente o que é importante.
Como os solstícios e os equinócios, no que ao contar o tempo e o movimento dos
astros importa.
Fica o que vivi.
Negra! Daquele tom
africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha
falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o
reproduzir com exactidão.
Bonita!
Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos,
metade dos pés e o rosto. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num
sinal inequívoco da sua fé ou crença.
Quando passou para
cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha
miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à
distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e
gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou
por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a
falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma
fotografia.
Enquanto a
impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E
foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a
senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web
como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso
quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua
religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito
rigor.
Desfiz-me em
desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que,
em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que
tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o
assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena
mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita
entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui
estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em
filosofia.
Em chegando a casa
e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça
ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem
mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha
própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais
ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo! E foi destruída!
E se a retratada,
cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar,
que esteja descansada:
Daquela
fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe
nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque afinal,
seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo), a honra é
comum a todas!
By me
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