segunda-feira, 4 de maio de 2015

Códigos e cores





A fotografia é comunicação e esta vive de códigos.
São estes, partilhados pelos dois extremos da via de comunicação, que permitem que as mensagens sejam descodificadas e percebidas.
É banal isto e passa-se em tudo o que fazemos: da escrita, à palavra falada, da música à arquitectura, da pintura à condução automóvel. Códigos.
E os códigos são o arquétipo do conservadorismo. Alterações que lhes sejam introduzidas podem conduzir – e muitas vezes conduzem – a más interpretações, julgamentos, reacções colectivas. Ou mesmo à total ausência de comunicação, em que o que é emitido não é de todo recebido.
Um dos códigos que mais usamos, variando um pouco de cultura para cultura mas não muito, é o das cores.
Temos por verdade que o preto é a cor do luto (e sabemos não ser uma verdade universal), que o vermelho é a cor da proibição ou pecado, que o verde é a cor da esperança ou do futuro, que o azul é a cor do infinito… vamos buscar os significados que atribuímos às cores à experiência que temos do que nos cerca na natureza e da nossa relação com ela.
Mas há códigos de cores que mudam com o tempo, não apenas com a região.
Há vários exemplos disso ao longo da história, alguns tendo por origem a nossa própria história de Portugal. Um deles é a cor que atribuímos à água.

Sabemos ser a água incolor e, quando o é, dizemos que é límpida, pura, apetecível. No entanto, reproduzimos cromaticamente a água com a cor azul.
Sejamos honestos: sendo ela incolor, a cor que dela vemos não é a da água mas do que nela vemos reflectido ou o que nela estiver em suspensão.
E, continuando numa via de honestidade, é raro ver-se a água azul. Apenas em locais a que chamamos de paradisíacos, com ela límpida ao limite, reflectindo o céu se e só se este estiver limpo e azul.
Sem ser nestas circunstâncias, vemos a água em tons esverdeados ou acastanhados. Ou, sendo límpida, em tons de cinzento se o céu assim estiver.
O que estiver em suspensão, vegetal ou mineral, e o puder reflectir.

Nas origens da representação pictórica, em particular os mapas e cartas, a questão dos códigos era (e é) particularmente importante. E as cores são vitais para uma interpretação rápida e inequívoca. A água, rios, lagos e oceanos, era representada em tons de verde. Aquilo que se vê, contrastando com os castanhos da terra. E, durante muitas centenas de anos assim foi.
Acontece que, aquando da época dos descobrimentos portugueses, esta codificação foi alterada. Por motivos práticos, meramente.
Ao contornar por mar terras desconhecidas, uma das funções dos navegantes era o reconhecimento do existente em terra, fazendo relatos escritos e mapas, para que quem lhes seguisse a pegadas soubesse o que iria encontrar. E um dos aspectos vitais era a água. Potável para se abastecerem e os rios como via de comunicação com o interior. Mas em África a vegetação era densa e um factor importante a considerar na possibilidade de avanço pelo continente dentro E haveria que a representar nas cartas e mapas. Com um qualquer código, naturalmente.
Mas sendo a vegetação verde, não fazia sentido usar a mesma cor com dois significados diferentes. Aliás, confuso seria. E mudaram os códigos: verde para vegetação e azul (a alternativa possível) para a água.

Termos por certo e vindo de antanho um qualquer código é um absurdo. Eles ajustam-se às necessidades humanas, ou não fossem eles resultado da actividade do Homem.
Mantermo-nos absurdamente agarrados a códigos só porque sempre foram usados é um atavismo desesperante, que mais não faz que castrar a evolução e a criatividade.
Isto é válido em tudo quanto é comunicação, fotografia incluída.
Faz todo o sentido, e é uma imposição vital, conhecermos os códigos vigentes (cor ou outros), se queremos que o nosso trabalho seja entendido pela maioria de quem o vê, e com facilidade.
Mas nada os define como eternos ou imutáveis!
É obrigação dos comunicadores usá-los ou subvertê-los, adaptando o seu uso ou criando novos. Adaptando-os à sociedade em que se inserem e às necessidades criativas de cada um.

No caso específico da fotografia e da imagem fotográfica, será recomendável que quem as produz conheça um pouco para além da superfície o uso das cores e os seus significados.
Para que tire o máximo proveito na sua utilização, indo ao encontro da interpretação generalizada ou, ao invés, subvertendo-a com as consequências que queremos.

By me

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