terça-feira, 12 de maio de 2015

Cinco cêntimos





Um escritor de ficção científica, Robert Hienlein, criou na sua obra maior um verbo: grocar.
Este termo significa conhecer para além da superfície, para além das aparências, entender em profundidade e muito para além do visível e das palavras.
O conceito é perfeito e conheço-o desde a minha adolescência. Passe-se alguma eventual imodéstia, este conceito ou prática tem-me acompanhado ao longo da vida, tentando sempre “grocar” o mundo que me cerca. Usando os cinco sentidos e com o auxilio precioso da fotografia.
Ou, vistas as coisas de outro modo, usando-o e a mim mesmo para fazer fotografia.

Tivesse eu oportunidade de criar um curso de fotografia de raiz, sem ter que prestar contas a ninguém que não fosse a mim e aos formandos ou aprendizes, e seria organizado, grosso modo, desta forma:
Uma primeira fase exclusivamente no laboratório, sem câmara ou negativos, apenas o ampliador, papel, químicos e objectos transparentes, translúcidos e opacos. Objectivo: saber gerir manchas e tons nos limites do rectângulo, tal como entender a luz e os seus efeitos. E, sobretudo, adquirir disciplina pessoal a partir do tempo necessários aos processos químicos, bem como o respeito pelos demais ocupantes do laboratório.
Uma segunda fase baseada na leitura integral de uma publicação semanal, diferente de semana para semana. Integral a leitura e respectiva análise e obtenção de informação complementar, com pesquisas motivadas por dúvidas e curiosidades. Naturais ou provocadas. No final de cada semana, fazer-se-ia um conjunto de imagens baseadas na discussão colectiva e conhecimentos adquiridos.
Uma terceira fase abordar-se-ia em modo dito “zen” os espaços e objectos. Confrontados com o assunto em causa, passar-se-ia a maior do tempo pensando, comentado, observando, ouvindo, palpando o assunto, sentindo luz, sons, texturas, forma, função, matéria… E só no final da sessão se fariam algumas, poucas, imagens, que reflectissem tudo aquilo interiorizado.
De seguida seria a fase da perspectiva óptica. Em espaço confinado ou em aberto, na rua, “restringir” o uso da câmara a uma só distância focal. Diferente de sessão para sessão, ora grande angular, ora “normal”, ora tele, não importava o quê ou onde desde que se usasse apenas aquele ângulo de visão toda a sessão.
A fase seguinte seria a mais difícil de todas: o ser humano. Seriam os formandos confrontados com desconhecidos, primeiro em ambiente controlado, depois na rua, com quem haveria que conversar, fazendo as perguntas mais díspares que se lhes surgissem, tentando conhecer o modelo para além do visível: história, preferências, família, profissão… no final da conversa, e só aí, o retrato fotográfico.
Onde cabe a técnica?
Em paralelo, de forma autónoma ou complementar às necessidades e dificuldades de cada situação.

A técnica é fácil de dominar. Persistência, método, tentativa e erro, consulta de manuais e outros livros técnicos, trocas de conhecimentos e dicas… é coisa fácil.
O difícil mesmo é grocar o que se fotografa, transmitindo para o suporte o que vemos e sentimos.

Os meus cinco cêntimos sobre aquilo de que não passo de um aprendiz. 

By me

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