Um escritor de
ficção científica, Robert Hienlein, criou na sua obra maior um verbo: grocar.
Este termo
significa conhecer para além da superfície, para além das aparências, entender
em profundidade e muito para além do visível e das palavras.
O conceito é
perfeito e conheço-o desde a minha adolescência. Passe-se alguma eventual
imodéstia, este conceito ou prática tem-me acompanhado ao longo da vida,
tentando sempre “grocar” o mundo que me cerca. Usando os cinco sentidos e com o
auxilio precioso da fotografia.
Ou, vistas as
coisas de outro modo, usando-o e a mim mesmo para fazer fotografia.
Tivesse eu
oportunidade de criar um curso de fotografia de raiz, sem ter que prestar
contas a ninguém que não fosse a mim e aos formandos ou aprendizes, e seria
organizado, grosso modo, desta forma:
Uma primeira fase
exclusivamente no laboratório, sem câmara ou negativos, apenas o ampliador,
papel, químicos e objectos transparentes, translúcidos e opacos. Objectivo:
saber gerir manchas e tons nos limites do rectângulo, tal como entender a luz e
os seus efeitos. E, sobretudo, adquirir disciplina pessoal a partir do tempo
necessários aos processos químicos, bem como o respeito pelos demais ocupantes
do laboratório.
Uma segunda fase
baseada na leitura integral de uma publicação semanal, diferente de semana para
semana. Integral a leitura e respectiva análise e obtenção de informação
complementar, com pesquisas motivadas por dúvidas e curiosidades. Naturais ou
provocadas. No final de cada semana, fazer-se-ia um conjunto de imagens
baseadas na discussão colectiva e conhecimentos adquiridos.
Uma terceira fase
abordar-se-ia em modo dito “zen” os espaços e objectos. Confrontados com o
assunto em causa, passar-se-ia a maior do tempo pensando, comentado,
observando, ouvindo, palpando o assunto, sentindo luz, sons, texturas, forma,
função, matéria… E só no final da sessão se fariam algumas, poucas, imagens,
que reflectissem tudo aquilo interiorizado.
De seguida seria a
fase da perspectiva óptica. Em espaço confinado ou em aberto, na rua,
“restringir” o uso da câmara a uma só distância focal. Diferente de sessão para
sessão, ora grande angular, ora “normal”, ora tele, não importava o quê ou onde
desde que se usasse apenas aquele ângulo de visão toda a sessão.
A fase seguinte
seria a mais difícil de todas: o ser humano. Seriam os formandos confrontados
com desconhecidos, primeiro em ambiente controlado, depois na rua, com quem
haveria que conversar, fazendo as perguntas mais díspares que se lhes
surgissem, tentando conhecer o modelo para além do visível: história,
preferências, família, profissão… no final da conversa, e só aí, o retrato
fotográfico.
Onde cabe a
técnica?
Em paralelo, de
forma autónoma ou complementar às necessidades e dificuldades de cada situação.
A técnica é fácil
de dominar. Persistência, método, tentativa e erro, consulta de manuais e
outros livros técnicos, trocas de conhecimentos e dicas… é coisa fácil.
O difícil mesmo é
grocar o que se fotografa, transmitindo para o suporte o que vemos e sentimos.
Os meus cinco
cêntimos sobre aquilo de que não passo de um aprendiz.
By me
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