sexta-feira, 22 de maio de 2015

Escritas





Uma ocasião tive que fazer um livro!
Bem, vejamos:
“Tive que fazer” é a expressão correcta.
Tratava-se de uma acção de formação com duração menos que mínima para os conteúdos propostos e o local onde decorria não possuía documentação sobre todos os temas abrangidos.
Melhor dizendo, possuía. Mas eram tão antigos os livros ou manuais que, para além de nada apelativos, estavam desactualizados nalguns aspectos técnicos e conceptuais.
Já “um livro” não será bonito de dizer.
Considerando a urgência e a impossibilidade de os formandos lerem umas quatro ou cinco dúzias de livros no tempo da acção de formação, a minha opção foi o criar uma “sebenta”. Um conjunto de excertos de livros, abrangendo a técnica, a estética, a semiótica e a ética. Que não só consubstanciasse o que falaríamos em sala ou nas práticas com equipamento como servisse de pista para leituras e aprendizagens mais profundas a quem tivesse vontade.
Recorri à minha própria biblioteca, sendo que alguns trechos tiveram que ser traduzidos a partir dos originais em inglês, francês ou castelhano. Outros tiveram que ser corrigidos no seu português, já que tinham sido editados no Brasil. Outros ainda tiveram que ser produzidos de raiz, texto e ilustrações, por falta publicações suficientemente condensadas para o efeito.
O resultado? De cada vez que lhe passo os olhos arrepio-me!
Não contem erros, tanto quanto me é dado a perceber, mas é uma verdadeira manta de retalhos mal amanhada, em que os estilos de escrita e o tipo de ilustrações se misturam assustadoramente, sendo muito menos apelativo ou didáctico do que gostaria ou faria sentido.
Não estou particularmente arrependido de o ter feito, já que se tratou de uma urgência imperiosa, mas garantidamente que nunca o faria deste modo tendo tido tempo para pensar, pesquisar e escrever. Principalmente pensar.

Infelizmente, este meu fiasco não é original.
O que mais não falta por aí, nas estantes das livrarias, nos escaparates dos supermercados e mesmo na internete, são arremedos de livro, sebentas mal amanhadas, arrojos de sabedoria colados com cuspo.
Nada disso seria particularmente grave se um livro não tivesse a terrível responsabilidade de ser permanente. Mais ainda, de ser considerado, por parte de quem o lê, como saber. Quer esteja impresso, quer esteja nos servidores virtuais.
A responsabilidade de quem escreve com intuitos didácticos é demasiado elevada para ser encarada com leviandade.
Os autores, para além de terem que se aplicar no que fazem, não podem ser pressionados com o factor tempo ou popularidade. E devem ter a humildade de fazer passar os seus escritos, antes de publicarem, por revisores. Pessoas honestas, que vejam o que está escrito sob diversas perspectivas, que vão da correcção das ideias às qualidade do português, passando pela coesão do conteúdo.
Exactamente aquilo que não fiz!

Ao longo dos tempos, principalmente os últimos, têm-me questionado amiúde porque não publico eu. Em papel.
Tenho arremedos de livros, esboços de coisas inúteis e um ou outro que talvez estejam completos.
Mas, exactamente por lhes saber fraca a qualidade – literária e de conteúdo – remeto-os para os confins de arquivos escuros e secretos.
Prefiro a ligeireza das crónicas ilustradas, on-line ou não, com a facilidade de dar um princípio, meio e fim em 400 ou 600 palavras, escritos ao correr da pena e fruto da inspiração do momento.
Tenho razoável consciência dos meus limites e da responsabilidade de um livro ou de uma sebenta académica. 

By me

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