quinta-feira, 7 de maio de 2015

Tal como o ofício



Tal como o ofício, também o mau feitio vem de longe. De muito longe!

No meu bairro há vários cafezinhos. Alguns ficam em ruas secundárias, tendo por público alvo os residentes, outros ficam pertinho da estação de caminho-de-ferro, esperando ter como clientes os que chegam ou partem e têm uns minutos extra para uma bica e/ou um bolo.
Na estação propriamente dita também há um. Amplo, luminoso, tem o acréscimo de fabricar pão, o que é uma mais valia no atrair consumidores. Naturalmente.
Em tempos foi estabelecimento da minha preferência, quando na zona: bons produtos, simpáticos no atendimento, luminoso… com muita frequência lá entrava.
Acontece que há uns anos mudou de dono. Industrializou-se, é mais um de uma cadeia da freguesia, não ganhando muito com isso. Pelo contrário!
Comecei a sentir uma preferência negativa em relação À minha pessoa.
Demasiadas vezes ficava à espera que dessem por mim no balcão, demasiadas vezes atenderam outros clientes à minha frente, numa mais que notória atitude de desprezo. Nunca gostei disso!
Não quero que me saltem para o colo e que me dêem beijos, mas não gosto de discriminação à conta da minha barba ou câmara pendurada no ombro. Não gosto!
E, tendo mau feitio ancestral, uma ocasião disse-lhes isso e saí a porta na firme decisão de ali não voltar. No fim de contas, a escolha é minha e há muito por onde escolher.
Mas o tempo foi passando, a minha raiva foi diminuindo e acabei por dar mais uma oportunidade. Quem sabe se o meu protesto de então teria surtido efeito. Não surtiu!
Continuei a ser cliente de segunda escolha, atendido quando e se os demais estavam atendidos, quase que me pedindo para sair rápida e silenciosamente. Não isso mesmo, mas quase.
Enchi! Hoje enchi!
Havia tempo para uma bica antes do comboio e foi ali que decidi ir. Nada de novo no tratamento, talvez pior ainda. E saltou-me a tampa!
Chamei a empregada há mais tempo atrás do balcão e disse-lhe o que tinha a dizer, começando por perguntar se as minhas barbas incomodavam os demais clientes ou se eu tinha o hábito de cuspir para o chão.
Falei suficientemente alto para que todos os clientes, alguns que já me conhecem, ouvirem o que eu tinha a dizer, com a raiva que me vai na alma.
E saí a porta com a certeza de ali não voltar, mesmo que não haja onde beber um café cinco quilómetros em redor.
É que, esquecem-se estas pessoas que o comércio, nos tempos que correm, não se baseia apenas nos produtos em venda, na localização ou na eventual competição de preços. A satisfação dos clientes passa por outros factores, alguns bem subjectivos mas vitais para a sobrevivência de um negócio.


Tal como o meu ofício, também o meu mau feitio vem de longe. De muito longe! E se tenho a fama, faço questão de ter o proveito.

By me

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