domingo, 17 de maio de 2015

O outro lado





No seu filme “Yi-Yi”, premiado em Cannes em 2000, Edward Yang presenteia-nos com algumas preciosidades.
Desde logo o como fazer enquadramentos verticais usando um formato horizontal. Delicioso!
Mas, e o que me interessa neste caso, o ter colocado nas mãos de uma das principais personagens – uma criança – uma câmara fotográfica. De película.
O pai observa, posteriormente, as fotografias feitas e estranha a quantidade de imagens de gente de costas.
Quase no fim do filme, o catraio entrega ao tio uma fotografia contendo a respectiva nuca. E acrescenta:
“É para que vejas de ti aquilo que nunca vês.”
Fantástica, a ideia.

Efectivamente, é sempre interessante ver aquilo que crianças fotografam sem que lhes digam o que fotografar. O que lhes chama a atenção, a forma como enquadram, se já jogam ou não com primeiros planos…
E sendo certo que as crianças, em regra, aprendem por ver fazer e mimando o que vêem – os adultos ou iguais – parte daquilo que fazem é fotografar o que, de algum modo, chama a atenção dos outros.
Para os pequenos, com a sua relativização do tempo, a fotografia raramente é um registo para a posteridade ou “para mais tarde recordar”.
Fotografam porque aquele assunto, naquele momento e naquelas circunstâncias, lhes interessa.
E é essa a atitude que muitos de nós, fotógrafos entusiastas ou profissionais, temos: parte do nosso gesto de fotografar resulta da motivação de aquilo nos interessar naquele momento e naquelas circunstâncias.
É muitas vezes o factor “afirmação social” que nos leva, mais tarde, a recuperar essas imagens, mesmo que não muito bem feitas, e atribuir-lhes algum valor: documental, estético, comercial… Mostrar aos outros que, num dado momento e local, aquilo nos interessou. E como somos bons a registar aquilo que nos interessou, mesmo que o resultado não seja grande coisa.
Só os bons fotógrafos conseguem ultrapassar esta questão do “agora interessa-me” e fazer imagens que perduram no tempo.

By me

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