domingo, 24 de maio de 2015

Ainda sobre a exposição de Sebastião Salgado







Quem quer que tenha ido ver a exposição de Sebastião Salgado, patente em Lisboa, terá ficado extasiado com o que por lá viu.

As imagens são fortes na luz e nas sombras, as perspectivas grandiosas, a força da natureza esmaga-nos.

Mas olhar para elas para além do que nos mostra e tentar perceber o que foi feito também é interessante.

Desde logo, a abordagem ao preto e branco. Transporta-nos para um mundo real, sem dúvida, mas não o mundo do media, televisões, revistas e net, com os seus documentários bem feitos mas multi-coloridos. Salgado reduz o que viu e nos mostra à força das formas e sombras, da luz, dando ênfase ao título da exposição: Génesis, o início.

De seguida, a opção de perspectiva. Prestando atenção, constatamos que a maior parte do que nos é mostrado é captado à distância. Não tudo, mas uma grande parte. E quer tenha usado de uma grande angular para tudo abarcar, quer tenha usado de uma tele objectiva para ir buscar pormenores, a distância entre assunto e fotógrafo é patente. Indo mais longe, é rara a existência de um primeiro plano, de algo que evidencie a proximidade ao fotografado.

Na mesma linha de pensamento ou abordagem, é também raro ver inter-acção entre fotografados e fotógrafos. Mesmo quando existem pessoas na imagem, na esmagadora maioria das situações estas parecem ignorar a presença do autor e da sua câmara. Mesmo quando as imagens são feitas de proximidade.

Claro que há retratos, assumidamente frontais para a objectiva. Mas as excepções que confirmam a regra.

Acrescente-se, e para os puristas da forma, que é difícil encontrar imagens que “respeitem” a regra de ouro. Os centros de interesse, tanto nas imagens de paisagem como nas imagens de acção, não estão colocados nem nas linhas nem nos pontos fortes. No entanto (e para os puristas da forma) isto não retira nem um pingo à qualidade do que vemos nem distrai a nossa atenção do que é importante. Talvez mesmo que o fugir a isso nos leve para o que é importante que não o formal.

Aquilo que é respeitado, sem sombra de dúvida, é o espaço. Tanto o espaço de paisagem, onde se respira e sentem as dimensões do captado, como o espaço de acção ou o espaço próprio dos objectos ou seres vivos.

Nalguns casos, em que o “ar” parece em falta, em que humanos ou animais parecem não ter espaço de movimento, apercebemo-nos que o que é significativo naquele rectângulo não é isso mas antes o que o cerca. Como se o ser vivo estivesse ali quase que por acaso.

A isto some-se (tanto para os puristas como para os aprendizes), onde está a linha do horizonte. Presumindo que está visível, e na grande maioria dos casos não está, contam-se pelos dedos de uma mão os casos em que esta está a meio do enquadramento. Em regra, francamente acima, evidenciando o que está cá em baixo. E quando está a meio, ela não está: acontece estar ali. Não é uma fronteira entre o cima e o baixo, mas antes uma linha que, estando, poderia não estar que nenhuma diferença faria.

Também para os puristas e os outros: a luz.

Dizem as regras que a luz deverá ser de forma a poder mostrar o assunto fotografado. Idealmente vinda do lado de cá do assunto. E isso é exactamente o que aqui não acontece. As opções de Salgado levaram-no a escolher horas e perspectivas tais que o sol estivesse do lado de lá. Evidenciando brilhos, projectando sombras e contrastes para cá, usando ambas – luz e sombra – para definir escalas, quer evidenciando-as quer confundindo-nos e só nos apercebermos delas num segundo olhar. E usando a luz (e as sombras) para nos mostrar o que é importante.



Todas estas técnicas – porque de técnica se trata – colocam-nos e ao autor numa atitude de meros espectadores. Como que numa posição analítica, espreitando o mundo mas não fazendo parte dele, como que se o que nos é mostrado estivesse nas vitrinas de um museu. Como se fossemos visitantes no nosso próprio planeta.

Coisa que, se calhar, até somos. Ou, bem pior, que se não tivermos cuidado, já só poderemos ver num futuro não muito distante, enquanto visitantes de um mundo que foi.



Não sei se a escolha de técnica e estética na abordagem ao tema foi coisa pensada e decidida, se foi resultado de sensibilidade inata. Mas, considerando que esta exposição é o resultado de um trabalho de dez anos e que implicou uma logística e preparação sérias e complexas, estou em crer que é o resultado de decisões assumidas.

Mas só quem sabe o que quer o pode fazer.

Como costumo dizer, “se souber o porquê, saberei o como”.

Resta-me recomendar a quem não foi ver que vá. E a quem já foi que lá volte e que analise com os seus olhos o que acabo de descrever.

E que se aperceba como se podem fazer fantásticas imagens mandando às urtigas os cânones fotográficos, quebrando as regras e seguindo uma linha própria.

Texto by me
Imagem by Sebastião Salgado

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