São duas coisas de
que não gosto: chegar atrasado e andar a correr.
No que respeita a
chegar ou não atrasado, não é uma mania da pontualidade. Apenas que se me
comprometo em estar num dado local a uma dada hora, acho que tenho que o
cumprir. Afinal, a opção do compromisso foi minha e não é bonito não cumprir o
prometido.
Quanto a correr…
Conhecem aquela sequência do filme “Laranja mecânica” em que os protagonistas
viajam de noite num carro, em alta velocidade, e apenas se vê a estrada,
iluminada pelos faróis do carro? Ou aquela outra situação, clássica nos filmes
de ficção científica, em que a nave viaja a velocidade superior à da luz a
apenas se vê as estrelas em frente, ficando as demais reduzidas a riscos ao
lado?
Pois assim é na
vida: quando corremos contra o tempo ou as circunstâncias, por via de um
autocarro ou de excesso de compromissos, apenas vemos os objectivos, ficando
esfumado, se de todo visível, o espaço e o tempo que percorremos. E eu tenho
para mim que o melhor de uma viagem será o ir, não o chegar.
Portanto: não
corro!
Conjugadas as duas
coisas, organizo a vida por forma a que não tenha que fazer coisas de que não
gosto: chegar atrasado ou correr, neste caso.
E uma das situações
em que tenho horários para cumprir é no trabalho.
São-me impostos,
eu sei. Mas só lá trabalho porque quero. Poderia ser desocupado ou ter ocupação
num qualquer outro local ou ofício. Estou ali, fruto de um compromisso recíproco:
Pagam-me um salário por tantas horas de trabalho diário e eu cumpro, entre
outros aspectos, o chegar e o partir.
Assim, e para não
ter que fazer coisas de que não gosto (chegar atrasado e correr) organizo o meu
trajecto até ao local de trabalho considerando mais cerca de meia hora que o
estritamente necessário.
Permite-me esta
organização fazer o trajecto com calma, sem correrias ou stress, com a certeza de
ter margem de manobra temporal para não ter que correr nem chegar atrasado. Com
um acréscimo importante: se tudo correr dentro da normalidade, tenho tempo para
usufruir do espaço e tempo extra: lendo um nico, tomando um café, fazendo uma
fotografia, vendo quem passa, pensar sem constrangimentos, apenas existir… E
ainda me apresento no posto de trabalho com tempo para ir à casinha, dar dois
dedos de conversa ou encetar qualquer tarefa extraordinária que aconteça com
alguma tranquilidade.
Contava eu esta
atitude a uns quantos e defendia ainda que os 15 minutos de tolerância
existentes (temos a sorte de os ter) existem para situações de excepção, quando
algo corre mal, e não para usar por sistema, no dia-a-dia. Coisa que muitos
consideram como um direito a usufruir diariamente.
Perguntou-me um dos
presentes, em tom irónico:
“E quantas promoções
já tiveste com essa atitude?”
“Nenhuma, que eu
saiba.”, respondi. “Não estou, de todo, preocupado com promoções ou
reconhecimentos de terceiros. O único que eu tenho que agradar, que eu tenho
que convencer, aquele que pode ser o meu mais violento crítico, é o que vejo no
espelho quando olho para lá. O resto pouco me importa, que não ando cá por ver
andar os carros eléctricos nem a fazer-me a promoções.”
O sorriso
amarelo-canário que lhes entrevi antes de virar costas e me afastar apenas veio
confirmar o que já sabia sobre os presentes.
E soube-me muito
bem o cigarro relaxante que fui fumar, que eu estava a sentir um muito pouco sociável
roxo-raiva nas minhas feições.
By me
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