quinta-feira, 14 de maio de 2015

Coisas de que não gosto





São duas coisas de que não gosto: chegar atrasado e andar a correr.
No que respeita a chegar ou não atrasado, não é uma mania da pontualidade. Apenas que se me comprometo em estar num dado local a uma dada hora, acho que tenho que o cumprir. Afinal, a opção do compromisso foi minha e não é bonito não cumprir o prometido.
Quanto a correr… Conhecem aquela sequência do filme “Laranja mecânica” em que os protagonistas viajam de noite num carro, em alta velocidade, e apenas se vê a estrada, iluminada pelos faróis do carro? Ou aquela outra situação, clássica nos filmes de ficção científica, em que a nave viaja a velocidade superior à da luz a apenas se vê as estrelas em frente, ficando as demais reduzidas a riscos ao lado?
Pois assim é na vida: quando corremos contra o tempo ou as circunstâncias, por via de um autocarro ou de excesso de compromissos, apenas vemos os objectivos, ficando esfumado, se de todo visível, o espaço e o tempo que percorremos. E eu tenho para mim que o melhor de uma viagem será o ir, não o chegar.
Portanto: não corro!

Conjugadas as duas coisas, organizo a vida por forma a que não tenha que fazer coisas de que não gosto: chegar atrasado ou correr, neste caso.
E uma das situações em que tenho horários para cumprir é no trabalho.
São-me impostos, eu sei. Mas só lá trabalho porque quero. Poderia ser desocupado ou ter ocupação num qualquer outro local ou ofício. Estou ali, fruto de um compromisso recíproco: Pagam-me um salário por tantas horas de trabalho diário e eu cumpro, entre outros aspectos, o chegar e o partir.
Assim, e para não ter que fazer coisas de que não gosto (chegar atrasado e correr) organizo o meu trajecto até ao local de trabalho considerando mais cerca de meia hora que o estritamente necessário.
Permite-me esta organização fazer o trajecto com calma, sem correrias ou stress, com a certeza de ter margem de manobra temporal para não ter que correr nem chegar atrasado. Com um acréscimo importante: se tudo correr dentro da normalidade, tenho tempo para usufruir do espaço e tempo extra: lendo um nico, tomando um café, fazendo uma fotografia, vendo quem passa, pensar sem constrangimentos, apenas existir… E ainda me apresento no posto de trabalho com tempo para ir à casinha, dar dois dedos de conversa ou encetar qualquer tarefa extraordinária que aconteça com alguma tranquilidade.

Contava eu esta atitude a uns quantos e defendia ainda que os 15 minutos de tolerância existentes (temos a sorte de os ter) existem para situações de excepção, quando algo corre mal, e não para usar por sistema, no dia-a-dia. Coisa que muitos consideram como um direito a usufruir diariamente.
Perguntou-me um dos presentes, em tom irónico:
“E quantas promoções já tiveste com essa atitude?”
“Nenhuma, que eu saiba.”, respondi. “Não estou, de todo, preocupado com promoções ou reconhecimentos de terceiros. O único que eu tenho que agradar, que eu tenho que convencer, aquele que pode ser o meu mais violento crítico, é o que vejo no espelho quando olho para lá. O resto pouco me importa, que não ando cá por ver andar os carros eléctricos nem a fazer-me a promoções.”
O sorriso amarelo-canário que lhes entrevi antes de virar costas e me afastar apenas veio confirmar o que já sabia sobre os presentes.
E soube-me muito bem o cigarro relaxante que fui fumar, que eu estava a sentir um muito pouco sociável roxo-raiva nas minhas feições.

By me

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