A conversa surgiu
com uma naturalidade que lamento.
Uma vez mais
declarei que não queria dar o meu NIF para uma factura e que, se ela tivesse
andado a fugir à PIDE também não daria.
E conclui dando um
exemplo, hipotético mas que a história nos diz poder ser verdade:
“Imagine que passa
por uma livraria e compra um livro. Tempos depois. Bate-lhe a polícia à porta, questionando-a
sobre esse livro, que eles sabiam que havia comprado, e que entretanto passara
a proibido.”
A resposta abanou
comigo. E já conheço a senhora há anos, pessoa por quem tenho respeito. Aliás,
só poderia ter respeito por quem confecciona e serve o prato onde como
regularmente.
“Sabe, eu não
gosto de ler. Tenho alguns livros em casa, mas não gosto. Canso-me,
aborrece-me, não tenho paciência. Até mesmo quando tenho que fazer as entradas
e saídas da dispensa para cozinhar, me aborrece ter que escrever aquilo tudo.
Eu sei ler e
escrever. Tirei a quarta classe já depois de casada, para um emprego que o exigia,
na câmara, mas depois não calhou ficar com ele. Não tenho paciência para ler ou
escrever.”
A senhora em
questão em 58 anos, uma tatuagem feita num braço aos 16 (contou-mo ela) e que
lhe valeu uma valente tareia da mãe, que não queria. A conversa é sempre
brejeira, bem disposta e mete-se com toda a gente com uma graça que lhe é única.
Disse-lhe:
“Teve azar com os
livros que leu. Ou com a ou o professor que teve, que não lhe mostrou o mundo
maravilhoso que há nos livros.”
“Pois, mas agora já
é tarde. Não há nada a fazer.”
“Há sim senhora!
Vou fazer-lhe uma proposta desonesta!”
“As desonestas é
que têm graça. Conte lá!”
“Se lhe oferecer
um livro, que acho que a senhora é capaz de ler e de gostar, a senhora lê-o?”
“E acha que eu sou
capaz?”
“Acho que sim. Eu
escolho um pequenino, para não cansar, sem palavras complicadas e com uma história
bonita. Quem sabe se não passa a gostar? Olhe que os livros, em nós aprendendo
a gostar deles, são um mundo lindo, de sonho. Se os soubermos escolher, claro.”
“Combinado!
Traga-o lá que eu vou ver se sou capaz e se gosto. Eu até faço anos logo no
princípio do mês que vem!”
A conversa foi
ontem. Não foi mais longa que o meu tempo era curto e, entretanto, chegou mais
gente que não tinha que ouvir aquela combinação.
Hoje não calhou
passar por uma livraria. Daquelas a sério, com livreiros e tudo.
Mas amanhã, nas
voltas que penso dar, passarei por uma ou duas. E tenho dois ou três títulos na
cabeça. E o primeiro surgiu-me logo à cabeça na altura: “História de uma
gaivota e de um gato que a ensinou a voar”, de Luís Sepúlveda.
Vou meter conversa
com quem estiver atrás do balcão, pedir a sua opinião e logo vejo.
Mas, raios me
partam: aquela senhora há-de descobrir os livros. Mesmo que, no final, continue
a dizer que não gosta de ler. Mas há-de o fazer depois de ter nas mãos algo de
bom e à sua medida.
Já agora: quem não
conhece, aproveite a dica.
By me
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