- E porque é que
não fazes fotografia em preto e branco?
- Já o fiz. Tenho
uns milhares de fotografias em preto e branco de arquivo. E tive o respectivo
laboratório, como não podia deixar de ser. Mas agora não quero.
- Porquê?
- Por um lado
porque fotografar em preto e branco é muito mais difícil, e eu não sou assim
tão bom a fotografar.
- Mais difícil?
- Claro! Colocar
alguma coisa em evidência dentro de um rectângulo é muito mais difícil em preto
e branco. O jogo de composição, o uso das linhas reais ou imaginárias, a luz,
têm que estar realmente bem, temos que as usar realmente bem, ou o resultado é
fracote. Já em cor, basta uma cor mais saturada, ou contrastada cromaticamente
com as que estão em redor e, de imediato, aquilo salta à vista. Mesmo que as
linhas, o equilíbrio, a luz, não estejam lá muito bem.
- Mas há
excelentes fotógrafos que usam o preto e branco e que nos enchem as medidas.
- Pois há. Mas eu
não sou excelente. E não me fico por aqui nas explicações.
- Então?
- Entendo que o
preto e branco, a cor ou mesmo o monocromatismo estão para a fotografia como o
conto, o romance, o ensaio, estão para a escrita. São estilos. E cada um usa o
estilo em que se sente mais confortável. O meu relacionamento com o que me
cerca é em cor. A cor da luz, os contrastes de cor dos assuntos, realçados ou
misturados pela luz, são em boa medida o que me faz reagir e querer ou não
fotografar. A própria composição e o dinamismo entre os elementos atrai-me ou
não em boa medida devido à cor. E os registos que faço advêm do que sinto. O
preto e branco é apenas uma forma de usar a cor, no caso pela sua ausência. Por
vezes, o que me faz reagir, ou querer compor algo em estúdio, é exactamente a
quase ausência de cor.
- Então e os
mestres da fotografia, os que nos deixaram magníficas fotografias em preto e
branco? Não tens vontade de fazer como eles?
- Se fosse bom
fotógrafo, se dominasse bem a técnica do monocromatismo, talvez. Até já o fiz,
com paupérrimos resultados.
Mas tenho para mim
que os mestres (e os não mestres) não são para imitar. O que fizeram é o seu
próprio caminho, que souberam encontrar e dominar. Não fotografo para fazer
como os outros. Fotografo aquilo e como me apetece.
Claro que as
influências deles são importantes. Se não os tivesse visto e, por vezes,
tentado imitar, não seria o que sou hoje, bom ou mau.
Mas mais importante
que fazer como eles é fazer como eu. É passar para a bidimensionalidade da
fotografia aquilo que os meus sentidos e alma me contam.
- Mas não queres
ser um bom fotógrafo como eles?
- Nem de perto nem
de longe! Não quero ser um bom fotógrafo de forma alguma! Quero, antes de mais,
fazer melhor hoje o que fiz que fiz ontem, e sem me repetir. Quero olhar para o
que faço e poder dizer ou sentir que está bom mas poderia estar melhor. Ou, de
outra forma, isto foi o que senti hoje, veremos como o sinto amanhã. O conceito
de “bom” e “mau” é sempre relativo e comparativo. E, pior que isso,
competitivo! E eu recuso, liminarmente, a competição naquilo que crio ou faço.
Claro que
fotografia também comunicação. E quando consigo que o que quero contar chegue
às almas de quem as vê, sei que consegui comunicar. Mas não é o meu objectivo
primordial.
- E o preto e
branco não serve?
- Para mim, as
mais das vezes, não. Antes de comunicar com os outros tenho que comunicar
comigo. E se o meu relacionamento com o mundo que me cerca é em cores, o uso do
preto e branco por sistema não é a minha forma de expressão mas apenas o
recurso a uma fórmula conhecia (e difícil) de comunicar com os outros, não
sendo o que me vai na alma. E se uma fotografia feita por mim não “fala” comigo,
não me satisfaz.
- E não usas o
preto e branco?
- Se e só se isso
me apetecer e quando o resultado me satisfizer. O que acontece raramente.
Delicio-me com os
trabalhos de mestres, que o usam por opção, admiro o que outros fizeram quando
não tinham outra opção, mas não é a minha forma de expressão. Nem a minha
opção.
E dá-me muito mais
gozo fazer um registo em cor que pareça um preto e branco. Que se eu o vi quase
que em preto e branco e consigo assim reproduzir, então consegui o meu
objectivo, mesmo que amanhã pense que faria de outra forma.
By me
2 comentários:
"sinal vs ruido" uma abordagem...
https://www.youtube.com/watch?v=z65jlY4e908
Obrigado companheiro! Muito bom!
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