O termo
“corrupção” está na ordem do dia. Hoje atira-se o insulto “és um corrupto”
quase como há quarenta anos se atirava “és um fascista” para alguém de quem se
não gostava e no decurso de uma discussão acesa. Quem sabe, até se na sequência
de toque entre automóveis em hora de ponta.
Mas a corrupção é
coisa antiga. Muito antiga. E discreta, muito discreta. Aliás, estou em crer
que muitos que usam o termo nem sabem, ao certo, o que significa corrupção. E
ela está instalada entre nós com alicerces sólidos, fazendo parte do
quotidiano.
Será o caso dos
agentes de segurança que almoçam regularmente naquele restaurante a preços bem
baixos e que não autuam os carros dos demais clientes que estacionam em frente
da porta.
Será o caso
daquele fiscal de obras que vai de férias para um bom hotel depois de ter
ignorado uma irregularidade numa urbanização em construção.
Será o caso
daquele político eleito que, depois de ter tomado decisões sobre concursos
públicos e de ter deixado o cargo, vai trabalhar numa das empresas que
concorreu.
Há inúmeros casos
de corrupção.
Mas há formas de
corrupção, bem mais profundas e enraizadas, que estão à vista de todos e que
são bem mais graves. E que abrangem toda a sociedade.
Aquelas em que não
há pessoas que individualmente corrompam ou se deixem corromper, mas que em é o
próprio Estado que é corrompido pelo sistema privado. Com foros de benefícios
para a sociedade, mas que são ilusórios.
Vejamos um
exemplo.
Na última década
assistimos a um transformar radical da forma como os cidadãos se relacionam com
o Estado. As finanças, a justiça, a saúde, a educação, tudo quanto é serviços
do Estado alterou os seus canais de comunicação do papel para o digital.
Dirão muitos que é
evolução da tecnologia, que é a simplificação dos processos, que é a
transparência do que acontece. Será verdade.
Mas também é
verdade que isso implica que cada cidadão tenha, para além dos conhecimentos na
utilização da TIS, o respectivo equipamento. E alinha de comunicação.
Por outras
palavras, passou a ser quase que obrigatório que cada cidadão possua um
computador e um contrato com uma empresa de comunicação.
O que levanta, de
imediato, uma pergunta: Porque é que para comunicar com o Estado, o gestor da
coisa pública, se tem que pagar a privados? Ou, mais abstracto, porque é que se
depende de intermediários privados para lidar com o Estado?
Dirão alguns, mais
conhecedores destas coisas, que não será bem assim, já que os sistemas que não
os electrónicos continuam a funcionar para quem não os tenha ou os queira usar.
Não é bem verdade!
Começa, desde
logo, por ser bem mais moroso e complicado o acesso à coisa pública. A
diminuição de funcionários, horários de atendimentos, locais de atendimento. E,
mesmo presencialmente, somos remetidos para formulários on-line ou esclarecimentos
on-line.
E mesmo alguns
serviços transformaram-se na exclusividade das tecnologias de informação. Os
empresários, comércio ou serviços, passaram a ter a obrigatoriedade de emitir
facturas electrónicas. E a fazer declarações de impostos por via electrónica. O
que significa que para exercerem o seu mister e estarem de acordo com as regras
do fisco, têm que possuir equipamento, comprado por si, e têm que possuir um
contrato com uma empresa de comunicações, através do qual cumprem a lei. Ou
seja: a lei obriga a contratos com privados.
Mesmo dentro do
próprio Estado a corrupção institucional instalou-se.
Todo o sistema
electrónico de comunicações dentro do Estado depende de um sistema operativo.
Privado. Para o qual há que pagar licenças de utilização, naturalmente. A uma
só empresa, que fabrica e distribui. E isto apesar de existirem sistemas
operativos gratuitos e igualmente seguros e eficazes.
O Estado ficou
contratualmente refém de uma só empresa de software que, com isso, arrecada
milhões. Muitos milhões.
Mas, indo ainda
mais longe, o Estado está a transferir a gestão e localização dos seus arquivos
electrónicos para a chamada “nuvem”. Numa corrida à modernização dos sistemas e
redução de custos. Acontece que essa nuvem está a cargo de uma empresa, uma só
empresa. Privada, naturalmente. Uma vez mais, a própria gestão da coisa pública
fica dependente de privados, com contratos chorudos e em exclusividade.
Tudo isto é
corrupção institucional.
Não há caras ou
nomes a quem se possam chamar de corrompidos ou corruptores, mas são
instituições que ficam a dominar o Estado, em situação de exclusividade e com
lucros absurdos.
Para fazer aquilo
que é função estatal e que pode e deve ser feito pelo Estado.
Claro que a estes
exemplos se podem acrescentar a recém aprovada lei que permite a privatização
da natureza vital – a água. Tal como a progressiva privatização da educação e
da saúde, ao arrepio óbvio e transparente da lei fundamental.
É por isto, e
outros “trocos” de milhões de euros e vidas, que fico a olhar com ar de pena
quando me falam em casos de luvas pagas a este e àquele, no subornos e nos
jeitinhos feitos desta ou daquela forma, e deixam de parte a grande, a enorme
corrupção que grassa no Estado, que de tão grande que é quase ninguém se
apercebe.
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