No constante fazer
de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares, habituais, vão-se
desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando delas contornos vagos
e imprecisos.
Do que recordo de
há 41 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim da guerra, da
censura, da ditadura, da polícia política) ficam as imagens da festa do
quotidiano!
Cada dia era um
dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências dependiam, em
boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos alheias e intervínhamos,
a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao colectivo tocava.
Construíamos! Debatíamos!
Sonhávamos! Fazíamos!
É esse espírito de
construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos por isso (sem
esperarmos que outros o fizessem por nós nem para eles passássemos as
responsabilidades de tal) que recordo com mais força. São fotografias
perfeitamente impressas e fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos
aspectos negativos (que os houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam
parte da nossa vida.
No espelho do
tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na sociedade,
estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos tendo e
celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas quando olho
para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude interventiva,
que então grassava, se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal cuidada.
Quando, daqui por 41
anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que sobrará serão
imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.
Por que nesta
sociedade a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos tempos
que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia, pouco
restando para recordar.
As fotografias que
então fizemos com a alma repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque
virtuais e efémeras, não sobreviverão à vertigem das novas novidades para
consumir!
By me
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