Era aquela hora em que as cores ficam sem
importância. Ou, melhor ainda, ficam com a importância que a nossa memória lhes
atribui.
Para tudo reforçar, o céu cor de chumbo ameaçava
com os quintos dos infernos, ainda que frios e molhados.
O jantar fora poucos minutos antes, numa
corrida e na altura disponível entre duas tarefas. Corrida essa um nico acelerada
para que me sobrasse o tempo necessário para um cigarro inteiro e saboreado. Nem
sempre é possível.
Degustando o cigarro que emitia um fumo
quase igual ao céu, vejo voltejar lá em cima um daqueles seres alados que não
abundam na cidade: um morcego.
Daqueles pequeninos, cuja frequência do
batimento de asas, só de ver, nos deixa cansado. Suponho que o seu voou errático
lá em cima, garantidamente em segurança em relação a árvores ou edifícios, se
prendia com eventuais insectos que por lá existissem.
Fui enxotado deste momento de contemplação perfeita
por uns pingos, leves e rarefeitos mas que pressagiavam aumentar de frequência
e tamanho.
E retornei à caverna escura onde a relação
com a realidade se restringe às imagens que dela ali se projectam. Tal qual a
clássica caverna de Platão.
Por vezes temos que fazer coisas que nos
desagradam profundamente. Que bem preferia a chuva, os morcegos e o lusco-fusco
em fim de vida que a realidade virtual e nefasta em que sou a colaborar, qual
cúmplice de pecado mortal.
Adenda: aquele pontinho preto, quase
invisível no extremo direito, é o referido morcego, captado por mero acaso.
By me
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