domingo, 26 de abril de 2015

O retrato





É verdade que sim: esta fotografia não está grande coisa.
Aliás, está mesmo fracota.
Poderia eu argumentar que a luz estava chocha, que ainda não tinha entrado no espírito da coisa, que estava a levar uns encontrões e que havia pouco tempo pois estavam a afastar quem estava no caminho do Chaimite.
Poderia eu argumentar um montão de coisas, mas isso não acrescentaria rigorosamente nada de qualidade a esta fotografia. Não fosse…

Fiz esta imagem porque a senhora se diferenciava dos demais. Não encarneirava, não usava cravo e os únicos símbolos ao dia seriam a boina vermelha e a estrela nela aposta.
Olhando para ela, ali desfilando bem em frente ao Chaimite, alegre como poucos, fiquei na dúvida se essa alegria adviria do festejo geral se de um outro, muito particular: o ela ainda ali estar a festejar.
A fotografia foi feita após pedido, como é meu hábito. E como se constata pelo olhar bem directo.
Já na altura não fiquei satisfeito, mas foi o que pude fazer e não lhe daria mais atenção no momento não fora a senhora ter-me pedido para que lha mostrasse. O que fiz, naturalmente.
Mas ela foi mais longe e pediu-me que lha mandasse por e-mail. “Claro que sim! E qual é ele?” disse de imediato, rapando do caderninho e da caneta.
“Não vale a pena, que venho já preparada.”
E metendo a mão ao bolso das calças, tirou de lá aquilo que já não vai sendo tão comum assim: um cartão de visita.
“Mas manda-me mesmo, não manda? É que há muitos que dizem que mandam e depois não recebo nada… manda, não manda?”
Não tinha posto os óculos para escrever o que me dissesse. Mas pu-los para ler o cartão. Estava lá tudo o que precisava de saber, incluindo uma discreta mas bonita flor de Lis a encimar tudo.

Esta é mais uma das centenas de milhar de fotografias falhadas ou menos boas que fiz ao longo dos anos.
Apesar disso, foi enviada.
Que sou pessoa para cumprir promessas, mesmo que envergonhado pelo falhanço. 

By me

Sem comentários: