Raios me partam!
Sou curioso, tenho nariz comprido e mau feitio!
Tudo isto junto
deu direito a…
Eu conto:
Quatro e muito da
tarde e decido ir às compras. Costuma ser uma hora simpática, que quem está em
casa já foi, quem está a trabalhar ainda não foi… é uma hora simpática e a
tarde estava agradável.
No caminho senti
uma certa larica e decidi andar um pouco mais e ir trincar qualquer coisa ao
fast-food do bairro.
Já estava sentado
a dar ao dente e duas funcionárias dão uma volta pela sala: uma vestida como
gerente, ou chefe de turno ou o que quer que seja, e a outra com o uniforme
igual às demais que ali trabalham.
Esta última vinha
atrás limpando as mesas que a primeira lhe ia indicando. Comecei por achar
estranho, como se não fosse fácil de ver quais a que precisavam de ser limpas,
mas não era nada comigo.
O seu périplo pelas
mesas terminou ao lado de uma junto à minha e ouvi a mais graduada dizer para a
outra:
“Pronto, já chega.
Se está na tua hora, podes ir.”
E a outra a
responder:
“Obrigado.”
Foram lá para
dentro, mas aquilo ficou a ferver cá por dentro. Aqueles dois tons de voz… A
ferver mesmo, daquele ferver de raiva que se nada fizesse, mesmo não sendo
comigo, explodiria. Não explodi!
Estava mesmo a
acabar de comer, e passa uma outra que já conheço dali, bem disposta e
humorada. Chamei a sua atenção e perguntei-lhe pela outra, pela graduada. Se
ainda estaria e se eu poderia dar-lhe uma palavrinha. Estava, podia e foi
chamá-la.
Quando chegou, sentou-se
a convite e desbobinei!
Ninguém é dono de
ninguém e, garantidamente, ninguém precisa de autorização especial para sair
aquando do fim do horário. Na melhor das hipóteses, em chegando ao fim do
horário e se for necessário algo mais, haverá que pedir para ficar e ser feito.
Agora autorizar a saída porque acabou o tempo regulamentar… Ninguém é dono de
ninguém!
E acrescentei que
me tinham doído fundo as suas palavras, tal como o tom de submissão do
“obrigado” que havia ouvido. E ainda lhe disse que aquele “obrigado” a seguir
àquela “autorização” ainda um dia se haveria de voltar contra ela, já que não
parecia haver ali um espírito de equipa mas um comando incisivo e uma
obediência submissa.
E mais: que o
facto de mesmo que aquelas moças e moços que ali estão estarem com contratos a
prazo, sempre na esperança de serem renovados e de não irem para o desemprego,
não davam o direito a assim ser tratados, como servos da gleba. E que aquela
porta que é, todos os dias, a de entrada antes do horário e a de saída depois
do horário, também é a de saída a meio do horário, em querendo, e deixando-a -
a ela - em maus lençóis.
E fui mais longe:
que se fosse eu o subordinado – eu que em termos profissionais sempre o fui –
ela estaria “tramada”, que nem sei bem como lhe responderia. E contei-lhe um ou
dois episódios da minha própria vida laboral em que atitudes como a dela
tiveram as respostas que dei e as reacções que tive.
A tal “chefe de
turno” ou de “sala” ou o quer que fosse olhava para mim de olhos muito abertos.
Talvez ainda não tenha trinta anos, estava no posto há pouco mais de quatro
meses (contou-mo quando a minha raiva se acalmou) e abanava a cada argumento
meu.
Acredito que nunca
ninguém lhe tivesse explicado, a sério, a diferença entre chefiar e liderar,
nem que as frases, por vezes sem intenções escondidas ou conscientes, magoam
mais que certos gestos ou actos. E que aquelas e aqueles assim tratados não lhe
dariam apoio extra vital num momento de necessidade especial.
Que o chefe é para
“abater”, enquanto que o líder é para seguir.
Foram bem mais de
vinte minutos de conversa, em tom baixo e ao abrigo de ouvidos indiscretos (que
faço questão de fazer elogios públicos mas privadas críticas), mais de metade
dos quais já com a minha raiva acalmada.
Já cá fora e a
solo, aspirei fundo o fumo do cigarro tranquilizador que tanta falta me estava
a fazer.
Não sei se a
mocinha de facto entendeu a minha mensagem. Espero bem que sim porque se a
voltar ver a ter um comportamento destes, mesmo que sem más intenções, a
conversa não será em privado, sob os olhares distantes e curiosos das outras
funcionárias que já me conhecem há que tempos.
Raios me partam!
Tenho mau feitio e nem sempre tiro dividendos dele. Mas não posso ver atitudes
destas e ficar indiferente!
By me
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