terça-feira, 21 de abril de 2015

M de "mau feitio"





Raios me partam! Sou curioso, tenho nariz comprido e mau feitio!
Tudo isto junto deu direito a…
Eu conto:

Quatro e muito da tarde e decido ir às compras. Costuma ser uma hora simpática, que quem está em casa já foi, quem está a trabalhar ainda não foi… é uma hora simpática e a tarde estava agradável.
No caminho senti uma certa larica e decidi andar um pouco mais e ir trincar qualquer coisa ao fast-food do bairro.
Já estava sentado a dar ao dente e duas funcionárias dão uma volta pela sala: uma vestida como gerente, ou chefe de turno ou o que quer que seja, e a outra com o uniforme igual às demais que ali trabalham.
Esta última vinha atrás limpando as mesas que a primeira lhe ia indicando. Comecei por achar estranho, como se não fosse fácil de ver quais a que precisavam de ser limpas, mas não era nada comigo.
O seu périplo pelas mesas terminou ao lado de uma junto à minha e ouvi a mais graduada dizer para a outra:
“Pronto, já chega. Se está na tua hora, podes ir.”
E a outra a responder:
“Obrigado.”
Foram lá para dentro, mas aquilo ficou a ferver cá por dentro. Aqueles dois tons de voz… A ferver mesmo, daquele ferver de raiva que se nada fizesse, mesmo não sendo comigo, explodiria. Não explodi!

Estava mesmo a acabar de comer, e passa uma outra que já conheço dali, bem disposta e humorada. Chamei a sua atenção e perguntei-lhe pela outra, pela graduada. Se ainda estaria e se eu poderia dar-lhe uma palavrinha. Estava, podia e foi chamá-la.
Quando chegou, sentou-se a convite e desbobinei!
Ninguém é dono de ninguém e, garantidamente, ninguém precisa de autorização especial para sair aquando do fim do horário. Na melhor das hipóteses, em chegando ao fim do horário e se for necessário algo mais, haverá que pedir para ficar e ser feito. Agora autorizar a saída porque acabou o tempo regulamentar… Ninguém é dono de ninguém!
E acrescentei que me tinham doído fundo as suas palavras, tal como o tom de submissão do “obrigado” que havia ouvido. E ainda lhe disse que aquele “obrigado” a seguir àquela “autorização” ainda um dia se haveria de voltar contra ela, já que não parecia haver ali um espírito de equipa mas um comando incisivo e uma obediência submissa.
E mais: que o facto de mesmo que aquelas moças e moços que ali estão estarem com contratos a prazo, sempre na esperança de serem renovados e de não irem para o desemprego, não davam o direito a assim ser tratados, como servos da gleba. E que aquela porta que é, todos os dias, a de entrada antes do horário e a de saída depois do horário, também é a de saída a meio do horário, em querendo, e deixando-a - a ela - em maus lençóis.
E fui mais longe: que se fosse eu o subordinado – eu que em termos profissionais sempre o fui – ela estaria “tramada”, que nem sei bem como lhe responderia. E contei-lhe um ou dois episódios da minha própria vida laboral em que atitudes como a dela tiveram as respostas que dei e as reacções que tive.
A tal “chefe de turno” ou de “sala” ou o quer que fosse olhava para mim de olhos muito abertos. Talvez ainda não tenha trinta anos, estava no posto há pouco mais de quatro meses (contou-mo quando a minha raiva se acalmou) e abanava a cada argumento meu.
Acredito que nunca ninguém lhe tivesse explicado, a sério, a diferença entre chefiar e liderar, nem que as frases, por vezes sem intenções escondidas ou conscientes, magoam mais que certos gestos ou actos. E que aquelas e aqueles assim tratados não lhe dariam apoio extra vital num momento de necessidade especial.
Que o chefe é para “abater”, enquanto que o líder é para seguir.
Foram bem mais de vinte minutos de conversa, em tom baixo e ao abrigo de ouvidos indiscretos (que faço questão de fazer elogios públicos mas privadas críticas), mais de metade dos quais já com a minha raiva acalmada.

Já cá fora e a solo, aspirei fundo o fumo do cigarro tranquilizador que tanta falta me estava a fazer.
Não sei se a mocinha de facto entendeu a minha mensagem. Espero bem que sim porque se a voltar ver a ter um comportamento destes, mesmo que sem más intenções, a conversa não será em privado, sob os olhares distantes e curiosos das outras funcionárias que já me conhecem há que tempos.

Raios me partam! Tenho mau feitio e nem sempre tiro dividendos dele. Mas não posso ver atitudes destas e ficar indiferente!

By me

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