quinta-feira, 16 de abril de 2015

O que é uma boa fotografia?





Um dos prazeres da fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis, perspectiva e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição da tridimensionalidade para a planura do papel ou ecrã.
Um dos temas que tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam semelhantes.
Outro tema que tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua alma, karma ou que lhe queiram chamar, tornam este género fotográfico num dos mais difíceis e polémicos.
Acrescente-se que o retrato é a “pérola da dificuldade”, já que, e para além da crítica do fotógrafo e do público em geral, o próprio retratado é do que há de mais exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são vitais, e a culpa é sempre do fotógrafo.

Um bom exemplo desta prática e dificuldade foi o meu projecto “À-lá-minuta”. A perspectiva era escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de 90º durante o tempo que por ali estava.
Para simplificar o processo, os retratados eram colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não apenas reduzia os eventuais excessos de contraste difíceis de controlar neste método, como ainda permitia que os sistemas automáticos de focagem e exposição funcionassem medianamente bem.
O local onde os fotografados se colocavam também era por mim escolhido. Por uma questão de composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento horizontal – como também para que existisse algum contraste de tons e luz entre o torso e o fundo. Nem sempre conseguia que ficassem onde gostaria, já que demasiado controlo neste aspecto retiraria alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara, compromisso meu, não saía do local.
Sobre a pose, pouco ou nada intervinha. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo dos corpos em relação à objectiva, se fosse demasiado chocante o que naturalmente assumiam, e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto era por conta deles.
De tudo isto resultavam fotografias que técnica e esteticamente estavam no limite do aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados era particularmente divertida.
Ainda que a fotografia fosse fracota, quase todos diziam que gostaram e que ficou boa, manifestando algum espanto que aquela caixa as pudesse fazer. Mesmo que as suas expressões demonstrassem que não gostaram por ai além. As suas preocupações debruçavam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares…
Uma senhora houve que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é!” Pela conversa, prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da sua vida. Uma outra, brasileira, e na casa dos quarenta, comentou o quanto tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente jovem ria-se de si mesma e procurava com afinco os olhos e a expressão da boca. Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem vistos.
Mas, muito curioso, é o facto de serem os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os mais exigentes com o que viam e recebiam. É neste grupo, independentemente das idades e cuja maioria queria a fotografia em papel mas recusava a sua presença na internet, que se encontravam a mais duras críticas. Quer seja a luz, quer seja o instante da expressão captada, quer seja a pose ou o local escolhido, quer seja por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são, estejam fardados ou à paisana.
Quanto aos demais fotografados, em regra, tomavam por uma boa fotografia aquela que não o era, e que por vezes era medíocre.

O que me põe a perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”

Na imagem um dos raros que foi fotografado nesse projecto e que não emitiu opinião, boa ou má. 

By me

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