Um dos prazeres da
fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou
objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis,
perspectiva e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição
da tridimensionalidade para a planura do papel ou ecrã.
Um dos temas que
tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para
além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam
a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei
fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam
semelhantes.
Outro tema que
tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente
mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua
alma, karma ou que lhe queiram chamar, tornam este género fotográfico num dos
mais difíceis e polémicos.
Acrescente-se que
o retrato é a “pérola da dificuldade”, já que, e para além da crítica do
fotógrafo e do público em geral, o próprio retratado é do que há de mais
exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas
as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são
vitais, e a culpa é sempre do fotógrafo.
Um bom exemplo
desta prática e dificuldade foi o meu projecto “À-lá-minuta”. A perspectiva era
escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de
90º durante o tempo que por ali estava.
Para simplificar o
processo, os retratados eram colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não
apenas reduzia os eventuais excessos de contraste difíceis de controlar neste
método, como ainda permitia que os sistemas automáticos de focagem e exposição
funcionassem medianamente bem.
O local onde os
fotografados se colocavam também era por mim escolhido. Por uma questão de
composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento horizontal – como
também para que existisse algum contraste de tons e luz entre o torso e o
fundo. Nem sempre conseguia que ficassem onde gostaria, já que demasiado
controlo neste aspecto retiraria alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara,
compromisso meu, não saía do local.
Sobre a pose,
pouco ou nada intervinha. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo dos corpos
em relação à objectiva, se fosse demasiado chocante o que naturalmente assumiam,
e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto era por conta
deles.
De tudo isto
resultavam fotografias que técnica e esteticamente estavam no limite do
aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados era
particularmente divertida.
Ainda que a
fotografia fosse fracota, quase todos diziam que gostaram e que ficou boa,
manifestando algum espanto que aquela caixa as pudesse fazer. Mesmo que as suas
expressões demonstrassem que não gostaram por ai além. As suas preocupações
debruçavam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares…
Uma senhora houve
que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é!”
Pela conversa, prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da
sua vida. Uma outra, brasileira, e na casa dos quarenta, comentou o quanto
tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente
jovem ria-se de si mesma e procurava com afinco os olhos e a expressão da boca.
Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem
vistos.
Mas, muito
curioso, é o facto de serem os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os
mais exigentes com o que viam e recebiam. É neste grupo, independentemente das
idades e cuja maioria queria a fotografia em papel mas recusava a sua presença
na internet, que se encontravam a mais duras críticas. Quer seja a luz, quer
seja o instante da expressão captada, quer seja a pose ou o local escolhido,
quer seja por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram
ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá
dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são, estejam fardados ou à
paisana.
Quanto aos demais
fotografados, em regra, tomavam por uma boa fotografia aquela que não o era, e
que por vezes era medíocre.
O que me põe a
perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”
Na imagem um dos
raros que foi fotografado nesse projecto e que não emitiu opinião, boa ou má.
By me
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