Os objectos não
mentem! Um prédio não mente, um garfo não mente, a lua não mente.
Aliás, e sobre a
lua, costuma-se dizer que a lua é mentirosa. Isto porque, quando em
quarto-decrescente aparenta ser um “C” e em quarto-crescente aparenta ser um
“D”. Já do lado de lá do equador, Brasil por exemplo, a lua é verdadeira,
assemelhando-se no seu formato às letras que atribuímos ao seu estado. Deve-se
esta peculiaridade não à lua, que estará sempre da mesma forma, mas à posição
de quem a vê, que no outro hemisfério se está de “pernas para o ar” em relação
ao que acontece em Portugal.
Vem esta conversa
a propósito de uma discussão quase tão velha quanto a fotografia: A fotografia
é mentirosa ou verdadeira?
Eu diria que nem
uma coisa nem outra. A fotografia é, apenas.
A mentira ou
verdade está em quem a vê e quem a conta. Está em atribuir-se-lhe valores, está
em dizer-se “isto é verdade, que eu estava lá!” ou em dizer-se “isto é verdade,
é uma fotografia!”
Isto acontece
porque se entende que a fotografia, sendo um sistema mecânico e autónomo de
registo de luz, mostra-a para além dos valores verdade/mentira. E isto acontece
porque nos habituámos a ver a fotografia como documento na imprensa, atestando
a verdade do texto que a acompanha.
Mas também
acontece que a sociedade tem sempre reservas perante o que a fotografia mostra.
Os tribunais não aceitam fotografia como meio de prova, a menos que quem a fez
esteja para além de qualquer suspeita. E quando se vê uma imagem fotográfica
menos comum, era comum ouvir-se “Ah, isso é montagem”. Hoje o que é comum de se
ouvir é “Ah, isso é photoshop”, o que vem a dar no mesmo.
Um bom exemplo de
como a verdade ou mentira na fotografia depende, em exclusivo, do valor que lhe
atribuímos, é a fotografia vencedora do World Press Photo de 2006. Nela vemos
um carro de aspecto impecável, de capota descida e com alguns jovens a bordo,
cruzando uma zona destruída por bombardeamentos no sul de Beirute. Lembro ter
ouvido inúmeros comentários depreciativos sobre os jovens: “Como é possível
andar-se assim no meio de tanta desgraça?!” Aquilo que a maioria não sabia ou
não sabe é que esses mesmos jovens estavam no seu próprio carro, no seu próprio
bairro, à procura da sua própria casa, bombardeada e destruída como todas as
outras.
Em contrapartida,
se mostrar eu esta fotografia, muitos serão, como foram, que perguntarão se
terei colocado um arame no interior do cigarro. A minha resposta é, como sempre
foi, que a fotografia mostra o que realmente aconteceu, resultado de paciência,
algumas tentativas e muitos anos de fumador. Sem arames ou quejandos.
Como terceiro
exemplo, os serviços policiais que investigam os casamentos de conveniência com
o objectivo de obter a cidadania portuguesa procuram, entre outros motivos de
prova do afecto ou não entre os recém casados, a existência de fotografias que
relatem o tempo de namoro: festas, amigos, lugares em comum, gestos de afecto…
Claro que isto é um absurdo, que todos sabemos que tudo isso pode ser
falsificado e que, em menos de uma semana e com as ajudas inevitáveis, qualquer
um interessado no embuste cria uma vivência de anos de namoro num álbum
fotográfico.
Assim, e voltando
a um tema que tem mais de 150 anos, a fotografia não é nem verdadeira nem
falsa. É a afirmação de veracidade de quem a mostra ou a interpretação como
verdadeiro ou falso de quem a vê que lhe dá o valor moral.
Por mim, aceito
qualquer imagem fotográfica. E interpreto-a, sempre, como verdadeira no sentido
de ser aquilo que o seu autor me quis mostrar. Mesmo uma casa de pernas para o
ar ou um rato de fato espacial a roubar pedaços de queijo da lua.
Quanto à
factualidade do representado na fotografia, reservo-me sempre o direito de a
pôr em causa, comparando o que vejo com a minha própria experiência e saber,
considerando a credibilidade de quem a mostra e o que o seu autor me diz sobre
a sua veracidade.
Quanto ao resto, e
nos tempos que correm e com as tecnologias e media existentes, é sempre
aconselhado usar de algum cepticismo.
By me
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