quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ao calhas





Fazer ao calhas, por vezes, redunda em acertar bem em cheio.
Eis que abro ao calhas um livro que tenho em cima da secretária para acabar de reler. E dou com a transcrição que se segue. Que, de uma forma ou outra, define e justifica o que e como tenho feito ao longo de mais de três dezenas de anos de fotografia, vídeo e escrita.


2.1. A ligação

A função de ligação, tal como a definiu Barthes, é uma forma de complementaridade entre a imagem e as palavras, aquela que consiste em dizer aquilo que a imagem dificilmente pode mostrar.
Deste modo, entre as coisas dificilmente representáveis na imagem fixa, temos a temporalidade e a casualidade. Com efeito, a tradição dominante de representação em perspectiva faz prevalecer a representação do espaço em relação à representação do tempo. Aquilo que estamos habituados a decifrar é o perto e o longe no espaço. Admitimos a existências de ecrãs visuais (uma montanha, uma cortina) que pela sua suposta proximidade nos escondem aquilo que se esconde por detrás deles. Isto obriga a imagem fixa a abandonar a representação do tempo para além da instantaneidade. Contar uma história numa única imagem é impossível, enquanto que a imagem em sequência (fixa ou animada) encontrou os meios para construir narrativas com as suas relações temporais e casuais. A fotonovela, as bandas desenhadas podem contar histórias, imagem única e fixa não.
Vimos que uma das preocupações do movimento cubista na pintura havia sido precisamente a introdução de uma nova relação espaço-tempo no quadro, quebrando com os constrangimentos da representação em perspectiva  e a procura dos equivalentes visuais da expressão da temporalidade. Mas a maior parte das vezes é a língua que vai compensar esta incapacidade da imagem fixa para exprimir as relações temporais ou casuais. As palavras vão completar a imagem.

In: “Introdução à análise da imagem”, by Martine Joly, Edições 70, pp 122, 123
Imagem: by me

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