O Homem é, ao que
sei, o único ser vivo neste planeta que necessita de símbolos na sua
existência.
Da escrita à
pintura, da estatuária ao teatro, da iconografia ao cinema, das bandeiras à
fotografia.
Usamos símbolos em
tudo quanto é lado e ocasião, fazendo deles o veículo de comunicação.
Usamo-los, dizemos, para completar a comunicação básica e orgânica como os
odores hormonais, sons, o agitar da cauda ou o eriçar da juba.
Recorremos a
símbolos, deixando de parte o colocar em prática ideias e sentimentos, recorrendo
a substitutos nem sempre honestos ou sinceros. Como o ofertar flores ou o
marchar sob uma bandeira.
E, de entre todos
os símbolos, o mais perigoso é exactamente a bandeira.
Representando
sentimentos abstractos, como clubes de futebol ou países, à sua sombra do qual ou
seguindo o seu drapear marcha-se, luta-se, morre-se. Quantas vezes sem se saber
outro motivo que apenas o lá estar a bandeira. E porque está e existe,
definem-se frentes de combate e estádios, valas comuns e arquibancadas. Muito
disparate e sangue se disse e fez – se diz e faz – em torno de um mero símbolo
como uma bandeira.
Que nem se pense
em ofender uma bandeira. Enquanto símbolo de um Pais, dará direito a processo
judicial e, caso se prove, pena de prisão. Ou, no caso do futebol, dará direito
a vozes exaltadas e cenas de pugilato.
É tão importante a
bandeira enquanto símbolo que o maior insulto popular a um país ou clube de
futebol será queimá-la ou pisá-la. Talvez alguns tenham assistido a isso ao
vivo ou nas reportagens televisivas.
No próximo Sábado
a bandeira nacional estará desfraldada.
Nos mastros das
instituições oficiais ou não, em janelas (não tantas quanto em épocas de
futebol internacional, mas em algumas), no meio da multidão que sairá às ruas
celebrando o dia e o passado.
Estarão coloridas
algumas avenidas, com o verde/vermelho do símbolo nacional ou como o vermelho
vivo de uma flor, também ela símbolo: de uma data e, por arrasto, de um país. O
orgulho ou a raiva não muito contidos atrás de um cravo ou sob uma bandeira
serão patentes, vibrantes, coloridos e ruidosos. As pessoas agitar-se-ão por
via de um símbolo. As ruas encher-se-ão simbolicamente.
E, em acabando os
festejos simbólicos, todos regressarão a suas casas, com ou sem troféus
simbólicos. Talvez que sobrem no chão alguns cravos ou bandeirinhas, vendidas
em negócio de ocasião e, pisadas pelo desfile ou pelas viaturas que depois se
lhe seguirão. Nessa noite, os funcionários municipais terão trabalho redobrado,
recolhendo nos camiões do lixo as sobras simbólicas de sentimentos exacerbados.
Que não passam
disso: sentimentos. Que as práticas, essas…
No dia seguinte é
Domingo, dia de missa, de centro comercial e de futebol.
E muitos dos que
não tiverem ido à missa ou ao centro comercial, agitarão bandeiras e flâmulas
no estádio, no café, em casa. Agitar-se-ão, gritarão, emocionar-se-ão em torno
de um jogo de bola, ao vivo, na pantalha ou no rádio. As discussões do
“foi-não-foi” serão mais que muitas e, antes e depois do embate, a polícia
estará atenta às batalhas campais dos adeptos em torno do estádio. Que as
energias e vontades de fazer algo serão bem mais patentes e ruidosas que na
véspera, celebrando uma revolução.
E eu, que não sou
mais nem menos que os outros, também funciono com símbolos. Da escrita, da imagem
, das bandeiras.
Na minha janela
está este símbolo. Ou o que resta dele, que os anos, com o vento, a chuva, o
sol, transformaram-no em fiapos de tecido negro ou já nem tanto, enrodilhados
em torno de um mastro improvisado.
Um destes dias
terei que o substituir e renovar. O símbolo, entenda-se. Que o seu significado
mantém-se, a cada dia que passa com mais vigor e raiva.
O meu luto pelos
meus concidadãos, a minha raiva pela sua apatia, a minha tristeza p’la fome que
grassa, apesar dos carros de luxo e afins, o desespero p’las filas nos
hospitais, a frustração com o encolher de ombros e o come-e-cala dos
portugueses, só pode ser assim simbolizado.
No próximo Sábado
conto lá estar. Fazendo simbólicos ícones da simbólica manifestação de rua.
Talvez que com um cravo, o único símbolo-cadáver que aceito usar.
E a si, que teve a
paciência de tudo isto ler, deixo uma pergunta: qual o seu símbolo este
fim-de-semana? Vermelho? Verde-vermelho? Azul?
By me
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