terça-feira, 21 de abril de 2015

Símbolos





O Homem é, ao que sei, o único ser vivo neste planeta que necessita de símbolos na sua existência.
Da escrita à pintura, da estatuária ao teatro, da iconografia ao cinema, das bandeiras à fotografia.
Usamos símbolos em tudo quanto é lado e ocasião, fazendo deles o veículo de comunicação. Usamo-los, dizemos, para completar a comunicação básica e orgânica como os odores hormonais, sons, o agitar da cauda ou o eriçar da juba.
Recorremos a símbolos, deixando de parte o colocar em prática ideias e sentimentos, recorrendo a substitutos nem sempre honestos ou sinceros. Como o ofertar flores ou o marchar sob uma bandeira.
E, de entre todos os símbolos, o mais perigoso é exactamente a bandeira.
Representando sentimentos abstractos, como clubes de futebol ou países, à sua sombra do qual ou seguindo o seu drapear marcha-se, luta-se, morre-se. Quantas vezes sem se saber outro motivo que apenas o lá estar a bandeira. E porque está e existe, definem-se frentes de combate e estádios, valas comuns e arquibancadas. Muito disparate e sangue se disse e fez – se diz e faz – em torno de um mero símbolo como uma bandeira.
Que nem se pense em ofender uma bandeira. Enquanto símbolo de um Pais, dará direito a processo judicial e, caso se prove, pena de prisão. Ou, no caso do futebol, dará direito a vozes exaltadas e cenas de pugilato.
É tão importante a bandeira enquanto símbolo que o maior insulto popular a um país ou clube de futebol será queimá-la ou pisá-la. Talvez alguns tenham assistido a isso ao vivo ou nas reportagens televisivas.

No próximo Sábado a bandeira nacional estará desfraldada.
Nos mastros das instituições oficiais ou não, em janelas (não tantas quanto em épocas de futebol internacional, mas em algumas), no meio da multidão que sairá às ruas celebrando o dia e o passado.
Estarão coloridas algumas avenidas, com o verde/vermelho do símbolo nacional ou como o vermelho vivo de uma flor, também ela símbolo: de uma data e, por arrasto, de um país. O orgulho ou a raiva não muito contidos atrás de um cravo ou sob uma bandeira serão patentes, vibrantes, coloridos e ruidosos. As pessoas agitar-se-ão por via de um símbolo. As ruas encher-se-ão simbolicamente.
E, em acabando os festejos simbólicos, todos regressarão a suas casas, com ou sem troféus simbólicos. Talvez que sobrem no chão alguns cravos ou bandeirinhas, vendidas em negócio de ocasião e, pisadas pelo desfile ou pelas viaturas que depois se lhe seguirão. Nessa noite, os funcionários municipais terão trabalho redobrado, recolhendo nos camiões do lixo as sobras simbólicas de sentimentos exacerbados.

Que não passam disso: sentimentos. Que as práticas, essas…
No dia seguinte é Domingo, dia de missa, de centro comercial e de futebol.
E muitos dos que não tiverem ido à missa ou ao centro comercial, agitarão bandeiras e flâmulas no estádio, no café, em casa. Agitar-se-ão, gritarão, emocionar-se-ão em torno de um jogo de bola, ao vivo, na pantalha ou no rádio. As discussões do “foi-não-foi” serão mais que muitas e, antes e depois do embate, a polícia estará atenta às batalhas campais dos adeptos em torno do estádio. Que as energias e vontades de fazer algo serão bem mais patentes e ruidosas que na véspera, celebrando uma revolução.

E eu, que não sou mais nem menos que os outros, também funciono com símbolos. Da escrita, da imagem , das bandeiras.
Na minha janela está este símbolo. Ou o que resta dele, que os anos, com o vento, a chuva, o sol, transformaram-no em fiapos de tecido negro ou já nem tanto, enrodilhados em torno de um mastro improvisado.
Um destes dias terei que o substituir e renovar. O símbolo, entenda-se. Que o seu significado mantém-se, a cada dia que passa com mais vigor e raiva.
O meu luto pelos meus concidadãos, a minha raiva pela sua apatia, a minha tristeza p’la fome que grassa, apesar dos carros de luxo e afins, o desespero p’las filas nos hospitais, a frustração com o encolher de ombros e o come-e-cala dos portugueses, só pode ser assim simbolizado.
No próximo Sábado conto lá estar. Fazendo simbólicos ícones da simbólica manifestação de rua. Talvez que com um cravo, o único símbolo-cadáver que aceito usar.

E a si, que teve a paciência de tudo isto ler, deixo uma pergunta: qual o seu símbolo este fim-de-semana? Vermelho? Verde-vermelho? Azul? 

By me

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