Tinha meio metro!
Garanto que tinha
meio metro!
Meio metro de
diâmetro!
Tinha meio metro
de diâmetro aquele cano.
Ou melhor: Aquele
cano de revolver de calibre .38 tinha meio metro de diâmetro!
Mas comecemos pelo
princípio:
Estávamos no
primeiro Outono da revolução. E uma revolução significa isso mesmo: tudo muda e
se revolve. E se houve coisas onde aconteceram mudanças foi com a gente mais
jovem e com a educação.
Até então o ensino
era sexualmente segregado. Se hoje se pretende que exista educação sexual nas
escolas, a grande vitória de então foi os estabelecimentos de ensino passarem a
ser misto, rapazes e raparigas lado a lado.
No início daquele
ano conturbado de 74/75 juntaram-se dois liceus, um masculino, outro feminino e
redistribuíram-se os alunos em função das moradas e dos melhores acessos à
escola. Aconteceu nestes dois, como em todos os outros pelo país.
Claro que foi a
grande confusão, com toda a gente sem saber onde estava colocada, entre muitas
outras coisas que não se sabia. A confusão, diga-se de passagem, estava mais
nas cabeças dos pais e encarregados de educação, que nas dos alunos.
Para nós, o mundo era
um cubo e havia que o deixar redondo como vinha nos livros. Havia inúmeras
arestas para limar, superfícies a polir, mas isso não nos assustava. Nunca nos
tínhamos “cortado” nas ferramentas e o trabalho não nos intimidava.
Todos queríamos
fazer algo. A mim tocou-me estar na recepção de um dos liceus, com as listas
dos dois. Com um mapa ao lado, ajudava aqueles alunos e pais que estavam meios
perdidos com localizações e transportes. E não eram tão poucos quanto isso…
Num desses dias de
entusiasmo e confusão, surge um pai de uma rapariga. Consultada a lista,
verifica-se que ficou colocada no antigo liceu masculino. O pai não aceita. Diz
que ele (o liceu) tem má fama e que não quer lá a filha.
No que diz
respeito à fama, até que tinha alguma razão: eu próprio tinha ajudado a
construi-la. Mas tudo isso era história passada. Com a nova organização de
alunos e professores, tudo iria ser diferente.
Mas aquele pai não
havia forma de ser convencido. De jeito algum. Deveria haver muita confusão
naquela cabeça e naquelas vidas. Ele era peremptório e nada o demovia. O tom da
conversa subiu, começaram a juntarem-se mais alunos em redor, o homem foi-se
enervando ainda mais…
Até que mete a mão
ao bolso e saca de um revolver. Como a conversa era comigo, calhou-me em sorte
ser o alvo daquele cano.
E garanto: a vinte
centímetros dos olhos, um .38 tem meio metro de diâmetro!
Claro que a
situação não durou muito! Rapidamente foi submergido pela maralha que nos
cercava, foi desarmado e ainda levou uns “encostos”. E constatou-se que a arma,
afinal, estava descarregada! Mais ou menos como estava o meu ânimo e interior
depois de uma situação daquelas.
Mas o homem tinha
que ser esclarecido. E a filha tinha mesmo que ir para o tal liceu.
Passado um pouco,
todos mais serenos e sem a intervenção da tropa que aparecia por ali volta não
volta, acabei por ir no carro dele mostrar-lhe o tal liceu, que eu bem
conhecia, numa visita guiada.
Acabei por não
conhecer a filha dele nem me recordo da sua idade ou do ano que cursava.
Mas fiquei a saber
que um revolver .38, a vinte centímetros da cara, tem meio metro de diâmetro.
By me
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