sexta-feira, 3 de abril de 2015

Meio metro e porque estamos em Abril





Tinha meio metro!
Garanto que tinha meio metro!
Meio metro de diâmetro!
Tinha meio metro de diâmetro aquele cano.
Ou melhor: Aquele cano de revolver de calibre .38 tinha meio metro de diâmetro!

Mas comecemos pelo princípio:
Estávamos no primeiro Outono da revolução. E uma revolução significa isso mesmo: tudo muda e se revolve. E se houve coisas onde aconteceram mudanças foi com a gente mais jovem e com a educação.
Até então o ensino era sexualmente segregado. Se hoje se pretende que exista educação sexual nas escolas, a grande vitória de então foi os estabelecimentos de ensino passarem a ser misto, rapazes e raparigas lado a lado.
No início daquele ano conturbado de 74/75 juntaram-se dois liceus, um masculino, outro feminino e redistribuíram-se os alunos em função das moradas e dos melhores acessos à escola. Aconteceu nestes dois, como em todos os outros pelo país.
Claro que foi a grande confusão, com toda a gente sem saber onde estava colocada, entre muitas outras coisas que não se sabia. A confusão, diga-se de passagem, estava mais nas cabeças dos pais e encarregados de educação, que nas dos alunos.
Para nós, o mundo era um cubo e havia que o deixar redondo como vinha nos livros. Havia inúmeras arestas para limar, superfícies a polir, mas isso não nos assustava. Nunca nos tínhamos “cortado” nas ferramentas e o trabalho não nos intimidava.
Todos queríamos fazer algo. A mim tocou-me estar na recepção de um dos liceus, com as listas dos dois. Com um mapa ao lado, ajudava aqueles alunos e pais que estavam meios perdidos com localizações e transportes. E não eram tão poucos quanto isso…

Num desses dias de entusiasmo e confusão, surge um pai de uma rapariga. Consultada a lista, verifica-se que ficou colocada no antigo liceu masculino. O pai não aceita. Diz que ele (o liceu) tem má fama e que não quer lá a filha.
No que diz respeito à fama, até que tinha alguma razão: eu próprio tinha ajudado a construi-la. Mas tudo isso era história passada. Com a nova organização de alunos e professores, tudo iria ser diferente.
Mas aquele pai não havia forma de ser convencido. De jeito algum. Deveria haver muita confusão naquela cabeça e naquelas vidas. Ele era peremptório e nada o demovia. O tom da conversa subiu, começaram a juntarem-se mais alunos em redor, o homem foi-se enervando ainda mais…
Até que mete a mão ao bolso e saca de um revolver. Como a conversa era comigo, calhou-me em sorte ser o alvo daquele cano.
E garanto: a vinte centímetros dos olhos, um .38 tem meio metro de diâmetro!
Claro que a situação não durou muito! Rapidamente foi submergido pela maralha que nos cercava, foi desarmado e ainda levou uns “encostos”. E constatou-se que a arma, afinal, estava descarregada! Mais ou menos como estava o meu ânimo e interior depois de uma situação daquelas.

Mas o homem tinha que ser esclarecido. E a filha tinha mesmo que ir para o tal liceu.
Passado um pouco, todos mais serenos e sem a intervenção da tropa que aparecia por ali volta não volta, acabei por ir no carro dele mostrar-lhe o tal liceu, que eu bem conhecia, numa visita guiada.
Acabei por não conhecer a filha dele nem me recordo da sua idade ou do ano que cursava.
Mas fiquei a saber que um revolver .38, a vinte centímetros da cara, tem meio metro de diâmetro.

By me

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