É
um assunto que, volta e meia, surge em conversa: activismo, militância,
cidadania… coisas destas.
Alguns
avançam, e bem, com questões de fundo, com teorias políticas, com ideais de
sociedade. Com opções de futuro cuja construção, hoje, é penosa e difícil. E,
sendo-o, acabam por ir adiando.
Mas
eu tenho para mim que, e para além das questões de fundo, das grandes opções
ideológicas, mesmo das revoluções, tudo isso se constrói, também, nos pequenos
nadas do quotidiano, nas mudanças de mentalidade. Com conversas e discursos de
café ou de trabalho, com exemplos, com práticas diárias.
E
porque surgiu em conversa com um casal desconhecido, no regresso a casa de
comboio, aqui fica uma dessas práticas, velha de muitos anos na minha rotina.
Em
havendo falha na energia eléctrica no meu prédio, a primeira coisa que faço é
ir verificar se alguém ficou preso no elevador. Não que tenha a chave para a
abrir, mas antes porque uma conversa sempre pode acalmar alguma histeria.
Verificando
que não, regresso a casa e desligo o que posso desligar. Sempre evito, com
isto, o pico de corrente do regresso. E sempre são alguns watts a menos na rede
logo no início. Facilita a vida a todos e à rede de distribuição.
Por
fim, e se for de noite, vou buscar um saco que tenho na cozinha, enfio o casaco
e o chapéu, pego no tabaco e numa lanterna e desço para a porta do prédio. Onde
me deixo ficar até volte a electricidade ou me parecer que mais ninguém está de
regresso: meia noite e tal, uma hora.
O
que faço ali? Por um lado a presença de alguém na rua, na escuridão de um
bairro dormitório sem energia, e com uma lanterna na mão, é dissuasor do roubo
de automóveis. Mesmo sendo um facto conhecido que eu não possuo nem carro nem
carta de condução.
Por
outro lado, vou oferecendo cotos de vela aos vizinhos que chegam. A maioria não
tem como alumiar as negras escadas até casa e, alguns, nem luz alternativa
dentro dela. Oferta mesmo, sem nada pedir de volta.
Bem,
alguns perguntam-me como me podem devolver o que sobrar, ao que lhes digo que
na caixa do correio será bom, desde que apagada, claro. Um dia, alguns dias depois
de um desses apagões, tinha na caixa do correio um pacote de velas novas, que algum
vizinho comprou e ali deixou. Vitória minha. Não p’las velas mas p’lo seu gesto
e lembrança.
Creio
que são estes pequenos gestos que se opõem frontalmente a esta sociedade
competitiva até à demência em que vivemos. E que, de algum modo, demonstram que
é possível outras formas de estar e de interagir com os demais.
Acredito
que estas pequenas atitudes sirvam de exemplo para que outros as repliquem ou
reinventem com vantagem, humanizando aquilo que se tem vindo a transformar em
relações frias e calculistas.
As
revoluções ou mudanças, mais que decretos ou confrontos, necessitam que sejam interiorizadas
por quem as praticam, bem para além dos discursos inflamados e da prática da
democracia.
By me
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