Você
toma banho em casa todos os dias? Vou partir do princípio que sim. Até porque é
higiénico, saudável e socialmente recomendável.
Saiba,
no entanto, que há quem o não faça.
Alguns
já você deu por isso: na vizinhança, no trabalho ou em locais públicos. E, de
algum modo, sentiu-se incomodado com a situação, desagradando-lhe a proximidade
da pessoa em questão. E ficando dela com uma não muito boa opinião.
Mas
saiba que essas pessoas não o fazem, por vezes, por motivos muito ponderosos.
Ou
a sua habitação não tem casa-de-banho, ou não têm água em casa, ou mesmo porque
não têm casa. E se nos não agrada a condição de higiene dessas pessoas, há que
entender que nem sempre estão assim de vontade.
O
regime do Estado Novo, condenável pelos piores motivos, tinha ainda assim
algumas coisas de valor. E o que aqui se vê é uma delas.
Trata-se
de um painel de azulejo em relevo (suponho que é assim que se classifica) que
encima a janela superior de um balneário público. Havia-os (e há-os) nas zonas
mais empobrecidas da cidade, permitindo que aqueles que não possam mas queiram
lavar-se ali o façam.
Desconheço
em que condições ali se acede (quem ou com que frequência), mas o edifício
aparenta estar em bom estado de conservação, com a fachada pintada, a zona
envolvente limpa e conservada e este painel como o vêem: quase perfeito.
Do
lado direito pode ver-se a assinatura e data: Jorge Barradas, 1948.
O
fazer da fotografia não foi fácil.
Se
tenho pudor em fotografar desconhecidos à revelia do seu conhecimento ou
autorização, mais ainda quem se encontra na necessidade de frequentar estes
locais.
À
porta (que possui uma rampa para pessoas com dificuldade de locomoção)
encontravam-se um homem, de pé e encostado e uma mulher, sentada num degrau.
Ambos aparentavam um uso recente das instalações e que estavam ali, à sombra
num dia quente, a usufruir da sua condição, não tendo pressa alguma para
seguirem para qualquer outro local.
Quando
viram a câmara, de bolso, apontada para o prédio, começaram a movimentar-se
incomodados, demonstrado com evidência que não queriam ficar no “boneco”. Ainda
que à distância, lá os tranquilizei sobre o que eu queria registar. E sorriram.
Na
conversa que se lhe seguiu, em que quiseram ver o que tinha eu feito, mostraram
orgulho no estado de conservação do conjunto e do painel em particular. E ele,
utente do espaço, sabia o nome e a data inscrita, alvitrando ter sido feito nas
Caldas.
O
assunto arquitectónico esgotou-se, bem como o fotográfico e não tive eu coragem
de abordar e fotografar o que a minha curiosidade me instava a fazer: o estado
de conservação do interior. Mas ouvia-se o correr de água lá dentro, não sei se
por utilização individual se por limpeza do local, e não quis violentar aquele
local que, apesar de público, é intimo. Talvez que noutra ocasião e
circunstâncias.
A
este episódio, recentíssimo, juntou-se um outro, com bem mais de quinze anos.
Quis
eu voltar a praticar natação. Pelo bem que faz ao corpo e à alma.
E,
um dia, dirigi-me a uma piscina pública, em Lisboa, munido dos pertences necessários
para tal. Fiquei barrado na porta.
Que
a senhora da bilheteira me informou que o local estava reservado a escolas
quase todo o dia, havendo apenas duas janelas temporais, ao almoço e ao fim do
dia, para utentes em geral.
O
meu ar de desalento perante tal, que dificultaria a prática regular que queria
devido aos meus horários pouco regulares, fez com que ouvisse uma das propostas
mais raras até hoje:
“Mas
se quiser só tomar um duche pode entrar. É grátis.”
Fiquei
então, tal como hoje, arrepiado. Mesmo sem o contacto com a água. Que a
naturalidade e o sorriso da funcionária foram tais que indiciaram a frequência
com que a proposta é feita e aceite. Ou, de outra forma, a quantidade de gente
que ali ia, com o pretexto de nadar, apenas para tomar um banho higiénico.
E
tanto mais arrepiante quanto o facto de a piscina em questão, há anos encerrada
para obras, se localizar numa zona dita nobre e endinheirada: avenida de Roma.
Da
próxima vez que os seus sentidos se incomodarem com a presença de alguém, antes
de o exteriorizar pondere se é uma opção ou uma imposição. Que a vergonha
escondida é das mais dramáticas.
E,
nos tempos que correm, são cada vez mais os que a têm.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário