quinta-feira, 10 de outubro de 2013

De nariz no ar



Você toma banho em casa todos os dias? Vou partir do princípio que sim. Até porque é higiénico, saudável e socialmente recomendável.
Saiba, no entanto, que há quem o não faça.
Alguns já você deu por isso: na vizinhança, no trabalho ou em locais públicos. E, de algum modo, sentiu-se incomodado com a situação, desagradando-lhe a proximidade da pessoa em questão. E ficando dela com uma não muito boa opinião.
Mas saiba que essas pessoas não o fazem, por vezes, por motivos muito ponderosos.
Ou a sua habitação não tem casa-de-banho, ou não têm água em casa, ou mesmo porque não têm casa. E se nos não agrada a condição de higiene dessas pessoas, há que entender que nem sempre estão assim de vontade.
O regime do Estado Novo, condenável pelos piores motivos, tinha ainda assim algumas coisas de valor. E o que aqui se vê é uma delas.
Trata-se de um painel de azulejo em relevo (suponho que é assim que se classifica) que encima a janela superior de um balneário público. Havia-os (e há-os) nas zonas mais empobrecidas da cidade, permitindo que aqueles que não possam mas queiram lavar-se ali o façam.
Desconheço em que condições ali se acede (quem ou com que frequência), mas o edifício aparenta estar em bom estado de conservação, com a fachada pintada, a zona envolvente limpa e conservada e este painel como o vêem: quase perfeito.
Do lado direito pode ver-se a assinatura e data: Jorge Barradas, 1948.

O fazer da fotografia não foi fácil.
Se tenho pudor em fotografar desconhecidos à revelia do seu conhecimento ou autorização, mais ainda quem se encontra na necessidade de frequentar estes locais.
À porta (que possui uma rampa para pessoas com dificuldade de locomoção) encontravam-se um homem, de pé e encostado e uma mulher, sentada num degrau. Ambos aparentavam um uso recente das instalações e que estavam ali, à sombra num dia quente, a usufruir da sua condição, não tendo pressa alguma para seguirem para qualquer outro local.
Quando viram a câmara, de bolso, apontada para o prédio, começaram a movimentar-se incomodados, demonstrado com evidência que não queriam ficar no “boneco”. Ainda que à distância, lá os tranquilizei sobre o que eu queria registar. E sorriram.
Na conversa que se lhe seguiu, em que quiseram ver o que tinha eu feito, mostraram orgulho no estado de conservação do conjunto e do painel em particular. E ele, utente do espaço, sabia o nome e a data inscrita, alvitrando ter sido feito nas Caldas.
O assunto arquitectónico esgotou-se, bem como o fotográfico e não tive eu coragem de abordar e fotografar o que a minha curiosidade me instava a fazer: o estado de conservação do interior. Mas ouvia-se o correr de água lá dentro, não sei se por utilização individual se por limpeza do local, e não quis violentar aquele local que, apesar de público, é intimo. Talvez que noutra ocasião e circunstâncias.

A este episódio, recentíssimo, juntou-se um outro, com bem mais de quinze anos.
Quis eu voltar a praticar natação. Pelo bem que faz ao corpo e à alma.
E, um dia, dirigi-me a uma piscina pública, em Lisboa, munido dos pertences necessários para tal. Fiquei barrado na porta.
Que a senhora da bilheteira me informou que o local estava reservado a escolas quase todo o dia, havendo apenas duas janelas temporais, ao almoço e ao fim do dia, para utentes em geral.
O meu ar de desalento perante tal, que dificultaria a prática regular que queria devido aos meus horários pouco regulares, fez com que ouvisse uma das propostas mais raras até hoje:
“Mas se quiser só tomar um duche pode entrar. É grátis.”
Fiquei então, tal como hoje, arrepiado. Mesmo sem o contacto com a água. Que a naturalidade e o sorriso da funcionária foram tais que indiciaram a frequência com que a proposta é feita e aceite. Ou, de outra forma, a quantidade de gente que ali ia, com o pretexto de nadar, apenas para tomar um banho higiénico.
E tanto mais arrepiante quanto o facto de a piscina em questão, há anos encerrada para obras, se localizar numa zona dita nobre e endinheirada: avenida de Roma.

Da próxima vez que os seus sentidos se incomodarem com a presença de alguém, antes de o exteriorizar pondere se é uma opção ou uma imposição. Que a vergonha escondida é das mais dramáticas.

E, nos tempos que correm, são cada vez mais os que a têm.

By me 

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