Há uns tempos, não
muito, um colega insultou-me. Não eu em particular, mas englobando-me naquilo a
que chamou de “burgueses de esquerda”.
Senti-me
insultado. Não lhe respondi (talvez que se leia estas linhas entenda-as por uma
resposta) porque entendi que talvez ele não entendesse alguns dos meus
argumentos. E há discussões que são inúteis.
Mas senti-me
insultado.
Se outros motivos
não existissem , porque me não considero um burguês.
É verdade, sim,
que tenho trabalho. Mais: além de trabalho, é certo o acontecer e o respectivo
pagamento. Até ver, assim é. Mas isso, só por si, não faz de mim um burguês. O
que como e onde durmo sai-me das mãos e do intelecto.
A menos que
entenda por burguês quem vive num burgo. Também aí ele errou. Vivo num
subúrbio. Um dormitório a trinta quilómetros do trabalho, que percorro
diariamente. Em transportes públicos. Que também não me considero burguês ao
não possuir viatura própria. Aliás, nem sequer tenho carta de condução ou
conduzi um carro. Excepto, e creio que esses não contam, os carrinhos de choque
das feiras. E há muito que lhes perdi o gosto.
Acrescente-se que
se vivo onde vivo não se tratou de uma escolha: fui empurrado para lá, que não
tinha como habitar mais perto. E, goste-se ou não, também não sou proprietário
de imóveis. A casa em que vivo é alugada e não tenho terras ou prédios herdados
ou de férias.
Tal como não
possuo outros bens moveis, jóias ou quejandos. O meu relógio foi comprado, há
muitos anos, de contrabando a um colega e mantém-se no meu pulso. Apenas
alternado com relógios de bolso, de pilha, cujas pilhas em esgotando-se, fazem
com que fiquem numa gaveta até me lembrar de as substituir. Ou poder.
Também não tenho
depósitos, acções, obrigações ou o que quer que seja. Os meus rendimentos são
os do trabalho e é particularmente difícil fazer reservas para especular.
Seguros de saúde
também não. Entendo que o SNS é para todos e faço parte do “todos” e não de uma
elite endinheirada.
A minha única
“riqueza” será, talvez, os livros que possuo. Mas, e mesmo esses, foram comprados
com sacrifício de roupas e calçado. Compro este onde é mais barato e só quando
o que uso está no fio.
Não creio, dê-se a
volta por onde se der, que seja correcto chamarem-me de burguês.
Já quanto ao ser
de esquerda…
Ser de esquerda ou
de direita é uma moda, um conceito de classe, uma identificação grupal. Mais
ainda, nos tempos que correm, ser de esquerda corresponde a alinhar com uma
organização política, sendo-lhe tão obediente quanto eram ou são os que
alinhavam ou alinham nas organizações de direita. E isto é tão válido nas
esquerdas e direitas moderadas quanto nas extremadas.
O meu conceito de
sociedade ideal está bem para além de líderes e organizações, de partidos e
parlamentos, com zonas de esquerda ou de direita.
Dizerem que sou de
esquerda é, na sua essência, um apodo e insulto que recuso liminarmente.
Se, um dia, me
quiserem chamar de algo, chamem-me de cidadão, de ser humano, que acertam.
Qualquer outro rótulo será, sempre, um insulto.
By me
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