sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sem rótulos



Há uns tempos, não muito, um colega insultou-me. Não eu em particular, mas englobando-me naquilo a que chamou de “burgueses de esquerda”.
Senti-me insultado. Não lhe respondi (talvez que se leia estas linhas entenda-as por uma resposta) porque entendi que talvez ele não entendesse alguns dos meus argumentos. E há discussões que são inúteis.
Mas senti-me insultado.
Se outros motivos não existissem , porque me não considero um burguês.
É verdade, sim, que tenho trabalho. Mais: além de trabalho, é certo o acontecer e o respectivo pagamento. Até ver, assim é. Mas isso, só por si, não faz de mim um burguês. O que como e onde durmo sai-me das mãos e do intelecto.
A menos que entenda por burguês quem vive num burgo. Também aí ele errou. Vivo num subúrbio. Um dormitório a trinta quilómetros do trabalho, que percorro diariamente. Em transportes públicos. Que também não me considero burguês ao não possuir viatura própria. Aliás, nem sequer tenho carta de condução ou conduzi um carro. Excepto, e creio que esses não contam, os carrinhos de choque das feiras. E há muito que lhes perdi o gosto.
Acrescente-se que se vivo onde vivo não se tratou de uma escolha: fui empurrado para lá, que não tinha como habitar mais perto. E, goste-se ou não, também não sou proprietário de imóveis. A casa em que vivo é alugada e não tenho terras ou prédios herdados ou de férias.
Tal como não possuo outros bens moveis, jóias ou quejandos. O meu relógio foi comprado, há muitos anos, de contrabando a um colega e mantém-se no meu pulso. Apenas alternado com relógios de bolso, de pilha, cujas pilhas em esgotando-se, fazem com que fiquem numa gaveta até me lembrar de as substituir. Ou poder.
Também não tenho depósitos, acções, obrigações ou o que quer que seja. Os meus rendimentos são os do trabalho e é particularmente difícil fazer reservas para especular.
Seguros de saúde também não. Entendo que o SNS é para todos e faço parte do “todos” e não de uma elite endinheirada.
A minha única “riqueza” será, talvez, os livros que possuo. Mas, e mesmo esses, foram comprados com sacrifício de roupas e calçado. Compro este onde é mais barato e só quando o que uso está no fio.
Não creio, dê-se a volta por onde se der, que seja correcto chamarem-me de burguês.
Já quanto ao ser de esquerda…
Ser de esquerda ou de direita é uma moda, um conceito de classe, uma identificação grupal. Mais ainda, nos tempos que correm, ser de esquerda corresponde a alinhar com uma organização política, sendo-lhe tão obediente quanto eram ou são os que alinhavam ou alinham nas organizações de direita. E isto é tão válido nas esquerdas e direitas moderadas quanto nas extremadas.
O meu conceito de sociedade ideal está bem para além de líderes e organizações, de partidos e parlamentos, com zonas de esquerda ou de direita.
Dizerem que sou de esquerda é, na sua essência, um apodo e insulto que recuso liminarmente.

Se, um dia, me quiserem chamar de algo, chamem-me de cidadão, de ser humano, que acertam. Qualquer outro rótulo será, sempre, um insulto.

By me

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