Atrás
de mim, na fila do supermercado, oiço uma voz feminina: “Então e levas os dois?”.
E oiço a resposta, também feminina “Pois! A seguir vamos dar a mensagem…”
Não
resisti e olhei de soslaio. Duas mocinhas, talvez adolescentes, talvez já não,
aguardavam vez. No tapete, empilhados, pão, queijo fresco, aquilo que me
pareceu ser fiambre fatiado, alguns cadernos, alguma canetas e dois livros.
Um
de resumo do “Memorial do convento”, outro contendo dois resumos: “Mensagem” e “Lusíadas”.
Sou
um herói!
Ainda
que tivesse esboçado, por duas ou três vezes, o gesto de meter conversa, consegui
acabar por me conter. E as despesas da conversa e as larachas ficaram-se apenas
para com a menina da caixa, como de costume, sobre o ter ou não cartão cliente.
Que
não sei se as outras duas, atrás de mim na fila e no tempo, entenderiam que
ficarem-se pelos resumos destas obras é ficarem-se pelos resumos da vida, é
aceitarem um resumo de salário, é assumirem que os afectos podem ser em formato
de resumo.
É,
principalmente, aceitarem que a sociedade de consumo queira que nos fiquemos
pelos resumos, muitos resumos, daqueles que não dão azo a pensar mas tão só a
dar respostas resumidas a perguntas estereotipadas, sem capacidade de decisão e
muito menos de acção.
É
isso que querem de nós: que aceitemos uma vida resumida ao que nos impingem.
Que nos resumamos ao papel de resumidos, incapazes de conhecer ou degustar a
vida no seu todo, na plenitude dos autores que nós mesmos somos.
Não
me interessa o que querem: não sou um resumo!
By me
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