É
uma teoria que tenho, alicerçada em nenhum facto científico por mim testado ou
comprovado, mas tão só deduzido:
Os
lugares ganham parte das energias de quem os frequenta.
Se
um local é assiduamente ponto de encontro de gente imbuída dos mesmos sentimentos
e ânimos, parte dessa energia pessoal e colectiva acumula-se nas pedras,
madeiras, ferros e demais constituintes do edifício e mobiliário existente.
Poderia
aqui deixar um longo texto a explicar quais as razões e os exemplos para tal,
mas para o caso pouco importa: acredito nisto e posso justifica-lo.
Tal
como sei (ou acredito) que quem entre num local com essa “energia” dela recebe
um pouco, sentindo-a e a ela reagir.
Mas
também pode acontecer estar eu completamente errado e tudo isto mais não ser
que patacoada para enganar os incautos e que a criação de ambientes que mexem
com os nossos sentidos, aliados com os que nos dizem e à nossa própria memória,
nos conduza a esses estados nostálgicos, ou místicos ou eufóricos.
Em
qualquer dos casos, ontem tive um desses momentos místico/nostálgicos.
Passo
por uma esquina, em Lisboa, e uma vez mais fico a olhar. A porta, as janelas, a
recordar o quanto de pó se acumulava sobre as grades e as vidraças mas como o
interior estava imaculadamente limpo. Ou não fosse a mais referenciada, quiçá a
melhor, loja de equipamento usado de fotografia, de cinema ou de áudio da
cidade. Não garanto se do país.
E
quedei-me ali a recordar o velho Freire, com o seu cabelo branco e careca, e a
sua forma de se relacionar com os clientes particularmente original: mesmo que
o não conhecesse, se simpatizasse com ele haveria de encontrar algures na
“tralha” que tinha aquilo que se pedia. Se não simpatizasse com ele (ou pelo
olhar, ou pela conversa ou até apenas pela “química” da sua presença) a
resposta era invariável: “Não tenho.” Mesmo que estivesse visível num das
prateleiras da acanhada sala aberta ao público. Vendia por empatia e não por
negócio.
Vim
de lá diversas vezes, nos meus inícios destas coisas da fotografia, radiante e
eufórico, com uma qualquer preciosidade que ali tinha pedido ou ali me tinha
sido sugerida por ele. Para 35mm para 6x7 ou 6x9,5 ou para 9x12. E ainda tenho,
a uso, algumas dessas coisas.
Pois
estava eu a olhar e recordar quando saem p’la porta do que ali agora funciona
duas mocinhas. Que se sentaram nas escadinhas para fumarem um cigarrinho.
Fiquei um nico entre o sim e o não e o sim venceu.
Abordei-as
e, pedindo desculpa p’la interrupção, perguntei-lhes se sabiam o quão
importante é o espaço onde trabalham. E soube que sim, que sabiam.
P’los
vistos, somos ainda muitos que recordam o velho Freire e que por ali passam e
dele falam, que elas o citaram logo.
O
melhor de tudo foi o uma delas se ter levantado e, jogando fora o que restava
do cigarrito, me ter convidado a uma visita guiada p’lo interior. Incluindo os
sanitários, forrados que estão com documentos (facturas, notas de encomenda…) da
época, aparentemente encontrados no local aquando da transformação.
O
dono estava no local e, quando eu ia descrevendo onde estavam o balcão, as
prateleiras, a sua cadeira rotativa de madeira, ia confirmando e dizendo-me
onde estavam as paredes, entretanto removidas. E indicou-me algumas peças de
mobiliário de então, agora com outro uso: a escrivaninha, a mesa de ourives
(nunca conheci uma ou outra), o cofre (que em tempos tinha estado meio tapado
com prateleiras…
Se
eu sou conversador, o dono também não é peco, pelo que a conversa seguiu um
pouco até que eles se sentaram para jantar (antes da chegada dos clientes).
Pedi
e fui autorizado a fotografar. Difícil mesmo foi conseguir ângulos que os
excluíssem. Interessava-me o passado e não o presente. Interessava-me o captar
hoje aquilo que fora, um passado não repetível.
E,
juro, quase que me senti sacrílego ou blasfemo, ao estar a fotografar com a
minha câmara de bolso e digital um local que foi um templo da película, das
chapas, dos grandes formatos…
O
melhor que consegui foi isto, com a escrivaninha a servir de aparador para
pratos, talheres, guardanapos…
Mas
talvez que esteja certo. Afinal, prazeres são prazeres, e os boca não são menos
importantes que os da alma. E se o velho Freire, onde quer que esteja, tiver
internete e puder ler e ver isto, talvez que não fique zangado por ver a sua
loja de material antigo transformada numa loja de fresca comida.
Não
provei o que ali se come. Não quis eu adulterar as minhas memórias ou a energia
que recebi daquelas velhas paredes e móveis.
Mas
talvez que um dia, a solo ou em grupo, vá degustar o que me pareceu ser
apetitoso no Café Buenos Aires, nas escadinhas do Duque, entre o Rossio e o
Bairro Alto.
Talvez.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário