Nunca
entendi muito bem o conceito de “aluno terrível!”
Indisciplinados,
turbulentos, provocadores, extrovertidos… ainda vá. Agora “terrível”…!
O
que existe, as mais das vezes, é uma falta de interiorização, de entendimento,
sobre o seu papel na escola, enquanto local de aprendizagem e sociedade onde
está inserido.
Será
o papel do professor, seja qual for a sua área ou grau, também o de o fazer
tomar consciência disso e de o levar a actuar em conformidade (consigo mesmo e
com o social).
Numa
turma de 3º ano (equivalente ao 12º), tinha um “aluno terrível”.
A
turma, porque do curso de marketing, tinha um interesse abaixo de mínimo pelo
audiovisual, suportando-o porque fazia parte do currículo. Este aluno
(chamemos-lhe João) teria então os seus 19 anos. Bem vestido e bem parecido, as
garotas estavam “caídinhas” por ele. Com boa facilidade de aprendizagem, os
seus resultados era pouco menos que brilhantes. Mas tudo isto apenas lhe
alimentava a auto-estima, tornando-o no palhaço do grupo: todas as suas piadas
arrancavam gargalhadas, todas as suas observações eram escutadas e seguidas e
ele fazia por se manter no centro do mundo. Fora e dentro de aula!
Numa
ocasião, em que o trabalho era apoiar os projectos individuais de cada um dos
alunos, ele estava mais energético que o habitual. Não havia forma de o fazer
ingressar no grupo, respeitando o trabalho, senão o meu, pelo menos os dos
colegas. Foi uma hora difícil de passar.
Já
no pátio, consumindo os nossos cigarritos, o meu olhar cruzou-se com o dele. A
inspiração foi de momento e chamei-o de parte. De chamamento em chamamento,
saímos os limites da escola, para a rua.
Aí
perguntei-lhe:
“-João,
estamos fora da escola?
-Sim!
E então?
-Então
vai p’ro caral….!”
Foi
como se tivesse levado um murro no estômago. Nunca aquele rapaz, dito
“betinho”, esperaria que um prof o tratasse daquela forma.
Sem
lhe dar tempo a recuperar o fôlego, expliquei-lhe o mal que estava a provocar
aos seus companheiros, não permitindo, com as suas parvoíces, que eles tirassem
o rendimento das aulas que podiam e deviam. Que a sua popularidade e facilidade
em aprender não lhe davam o direito de estragar a vida dos seus colegas. Que as
suas palhaçadas e chistes, mais que engraçadas eram tristes, pois que
demonstravam o seu desprezo pelos demais da sociedade. Da sua sociedade!
Acabada
a “lição de moral”, regressamos ao pátio como bons amigos.
Evidentemente
que o João não mudou de personalidade. Nem esse seria o objectivo. Mas via-se,
nas minhas aulas e soube que nas demais também, que havia um esforço para se
controlar, para se conter e ser mais integrado no grupo.
A
direcção pedagógica nunca soube deste episódio, ou eu teria ouvido das boas.
Esta não é forma de tratar os alunos. Porque anti-pedagógica, porque fora das
regras, porque poderia ofender a individualidade do aluno e os pais virem
queixar-se…
Mas
a questão põe-se no facto de cada aluno não ser um número, não ser uma regra. É
uma pessoa e há que criar a ponte necessária para que essa pessoa seja parte
útil no colectivo sem perder a sua individualidade. Esta ponte, que funciona
nos dois sentidos, tem que permitir que cada aluno possa dar o que tem e pode
dar, recebendo do colectivo o que pode e deve receber e aprender. E as pontes
são sempre em função das margens e dos rios que atravessam.
Em
pedagogia não há formulas: há resultados.
E
se os fins não justificam os meios, estão lá perto, aplicando o processo
adequado a cada indivíduo. E o papel do professor vai muito para além dos
conteúdos programáticos, emanados ou não de um ministério.
É
isso que os alunos esperam de nós.
By me
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