É um daqueles
pregões que me ficaram na memória: “Há frutó-chocolate! Há Rajá fresquinho!” E
lá vinha ela (em regra era uma ela) com a mala térmica branca pendurada de um
lado, bata branca sobre a pele e avental preto à frente do conjunto, descalça a
palmilhar as areias escaldantes distribuindo a troco de umas moedas – poucas se
bem me recordo – a frescura que o calor exigia.
Cruzava-se ela a
meio da praia com a rival, a que vendia bolas-de-berlim, com ou sem creme, e as
batas fritas. A disputa era acesa, já que era quem primeiro passasse que
primeiro vendia e as moedas para a frescura ou gulodice eram escassas e as
famílias numerosas.
Recordo igualmente
que um ano (teriam sido mais?) em que a competição entre a Rajá e uma outra
marca (ainda existente no mercado) levou a que os gelados tivessem brinde
especial. A concorrência oferecia bonecos da Disney, com a história da Branca
de Neve (anões, príncipe, bruxa e a dita). Mas a Rajá tinha os favoritos da
rapaziada: soldadinhos! Em plástico azul ou vermelho, aí com uns três cm de
altura, eram os soldados do forte do tempo dos cowboys. O Tom, o Fred, o
Comandante, o Sargento, a Filha do Comandante…
Cada saqueta de
papel plastificado era aberta com sofreguidão, em busca da frescura e do
boneco. As brincadeiras e histórias inventadas com eles não faltavam e as
trocas com amigos e vizinhos também não. Haveria certamente um que seria raro,
mas não recordo qual.
E numa época em
que os brinquedos não abundavam e que muitos eram feitos pelas nossas próprias
mãos com muito gozo, até os pauzinhos dos gelados eram reciclados. Em
quantidade suficiente e usando cola-tudo, faziam-se belos fortes em perfeita
harmonia com os respectivos soldados, com passadiços, portas com dobradiças e
ameias.
Isto é, se a sorte
não nos batesse à porta! Que os gelados eram comidos, chupados, lambidos e
trincados até à última, que no pauzinho poderia estar gravada a fogo a palavra
mágica “prémio”! Nesse caso era ele, o pauzinho, trocado na loja, que as
vendeiras ambulantes não os tinham. Ia a canalha miúda solenemente acompanhar o
felizardo no receber do prémio cobiçado e raro (nunca me tocou nenhum, tal como
no totoloto).
Os tempos e as
tendências comerciais fizeram desaparecer os gelados Rajá da convivência
estival. E a competição entre as marcas que sobreviveram e as que entretanto
surgiram, transformaram-se em novos sabores, formas e nomes, bem como em
cartazes todos os anos renovados e apelativos. E dos soldadinhos da Rajá ficou
a memória.
E ficou também a
memória associada do Rajá (ou seria mais que um?) descrito nas histórias do
Sandokan, relatadas pelo Emílio Salgari e que devorávamos nas férias,
partilhando os livros que cada um de nós possuía e sempre à espera que o outro
acabasse de ler para ser a nossa vez. Um destes dias encontrei um exemplar numa
loja de artigos usados, à venda por trocos. Claro que está ali, à espera do
calor do verão e de uma sombra fresca a que me encoste para o ler. Há livros
que têm que ser degustados no ambiente certo!
E da Rajá, o que
sobrou, para além das recordações? Pelos vistos ainda estas saquetas de bombons
que vim a descobrir num supermercado.
Não resisti ao
apelo e comprei uma, na sincera intenção de a fotografar impoluta e de dela
escrever algo do passado. Mas não fui capaz de resistir!
Quando dei por
mim, tinha os bombons todos comidos e da fotografia, nada! Tive que me pôr em
campo e procurar mais, que comprei junto com estas moedas de chocolate que
vedes na imagem.
E, juro-vos pelas
alminhas, que me esforcei bastante para não aumentar a pilha de pratinhas
amachucadas e diminuir as que embrulham ainda o produto original! Se cá
vierdes, bem depressa, ainda terei algum para vos oferecer.
Mas não garanto!
By me
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